Democracia pela caneta: Iniciativas do Congresso desconhecem realidade condominial

Este artigo analisa dois projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional: O PL 1.179/2020 (aprovado dia 14/05) pela Câmara e que voltou ao Senado; e o PL 2.370/2020, que pretende aumentar o quórum para reajuste da taxa condominial.

No ano de 2003 escrevi um artigo intitulado “Democracia pela caneta”, pois não é de hoje que o Congresso Nacional apresenta projetos de lei, à sociedade que vive em condomínio, literalmente “chovendo no molhado”. Ou seja, ao procurar “facilitar”, suas duas casas criam dificuldades à gestão condominial. Desta forma, a liberdade e a sociabilidade com que o Código Civil trata, em sua origem, as questões condominiais, vão se desvaindo a cada projeto de lei apresentado.

Por mais que certos ditames legais que o Código Civil traz para condomínios estejam em um entendimento de normas abertas, cuja coletividade tem total autonomia de autodisciplinar, conforme tratei em 2012 no meu livro “Sou Síndico, E agora? Reflexões sobre o Código Civil e a Vida Condominial em 11 lições” (Editado pela Exclusiva Publicações / Grupo Direcional), ou mesmos em textos anteriores, hoje acabamos vendo um anseio desvairado por regramentos e mais regramentos que acabam por engessar o dia a dia condominial.

Essa é a visão que tenho, por exemplo, do PL 2.370/2020. oriundo do Senado Federal. que de forma transitória (não eterna), neste período de pandemia, propõe que os reajustes de rateio condominiais somente ocorram por quórum qualificado de 2/3.

O mesmo acontece em relação ao PL 1.179/2020, aprovado nesta quinta-feira (dia 14/05/2020) pela Câmara dos Deputados (projeto que cria regime jurídico especial durante pandemia), que estende a competência do síndico para poder, em caráter emergencial, restringir áreas comuns, ou mesmo restringir ou proibir reuniões e festividades, em áreas comuns ou privativas, além do uso de garagens por terceiros não ocupantes do condomínio, ressalvadas as obras estruturais e necessárias, e o atendimento médico.

O PL 1.179/2020 possibilita a realização de assembleia em ambiente virtual, incluindo destituição de síndico, valendo a chamada virtual no ambiente virtual como lista de presença, e a possibilidade de extensão automática do mandato do síndico, na impossibilidade de se fazer a assembleia em ambiente virtual, até 30/10/20.

Como ápice, o PL 1.179 estabelece como obrigatória a prestação de contas dos atos de gestão, sob pena de destituição.

Pois bem, vamos analisar ambos os projetos citados acima.

Quanto ao recente PL 2.370, não há sequer o que comentar, pois ainda está em fase inicial e depende de análise e votação, sendo certo que a ingerência da lei na vida condominial, por óbvio, prega a visão deturpada de que a gestão condominial visaria a prejudicar a coletividade e careceria de freio. Um nítido projeto apresentado por alguém que sequer sabe o que é uma gestão condominial.

Já com referência ao PL 1.179, aprovado pela Câmara com alteração de texto e retornando ao Senado para nova votação e posterior sansão presidencial para virar lei, em face de haver um novo texto, temos uma preocupação inicial de conceder aos síndicos uma atribuição que beira ao subjetivo. Por exemplo, em relação às supostas “festividades”, como saber se o condômino está recebendo seu irmão com 5 filhos e a esposa em lugar de promover uma festa? E se, na unidade dele, residirem a esposa, 4 filhos, sogro, haveria alguma “festividade” em uma reunião familiar que abarcasse algum outro visitante? Neste sentido, o substitutivo ao PL, aprovado pela Câmara, confere ao síndico responsabilidades acima das suas competências naturais.

Vale lembrar que o Art. 268 do Código Penal já impõe a cada cidadão uma responsabilidade pesada em não desrespeitar orientações governamentais quando em estado de epidemias, passível de qualquer outro cidadão provocar a força policial para cessar o cometimento de ilicitude.

Assembleias e prorrogação de mandato de síndico

Quanto às assembleias em ambiente virtual, a iniciativa do PL fixa na sociedade o que tem sido um padrão em outras esferas, ou seja, autorizar e regrar a ata eletrônica, o que alguns estados já aceitam, indicando uma possibilidade natural de reuniões em ambiente on line. Destaca-se ainda decisão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que possibilitou os registros eletrônicos de imóveis, além das certidões de nascimento e óbito.

No tocante à extensão de mandato e obrigação de prestação de contas, se torna o óbvio.

O PL vale aplausos pela competência de lembrar da sociedade condominial, mas um puxão de orelha em não conhecer a gestão condominial. Este representa hoje um setor ativo economicamente, que gera trabalho direto e indireto, renda e faz a economia funcionar, e cuja administração precisa ser respeitada, reconhecida como técnica, capaz e habilidosa, frisando-se que as exceções de autoritarismo e má gestão não pode ser vistas como regra.


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Autor

  • Cristiano de Souza Oliveira

    Advogado e consultor jurídico condominial há mais de 28 anos. Mediador Judicial e Privado cadastrado perante o CNJ. Integra o quadro de Câmaras de Mediação e Arbitragem no campo de Direito Condominial. É Vice-Presidente da Associação dos Advogados do Grande ABC, Membro do Grupo de Excelência em Administração de Condomínios - GEAC do CRA/SP, palestrante e professor de Dir. Condominial, Mediação e Arbitragem, autor do livro "Sou Síndico, E agora? Reflexões sobre o Código Civil e a Vida Condominial em 11 lições" (Editado pelo Grupo Direcional em 2012). Sócio-diretor do Grupo DS&S. Diretor do Instituto Educacional Encontros da Cidade – IEEC. Já foi Presidente da Comissão de Direito Administrativo da 38ª Subseção da OAB/SP – Gestão 2016-2018 / Presidente da Comissão de Direito Condominial da 38ª Subseção da OAB/SP – Gestão 2019-2021 / Ex - Membro na Comissão de Direito Condominial do Conselho Federal da OAB e da Comissão da Advocacia Condominial da OABSP –2022.

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