Em vigor desde 12 de julho de 2022, a Lei 14.405 flexibiliza quórum para aprovação de mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária. Agora, bastam 2/3 dos condôminos para validação do tema nos condomínios edilícios. Entretanto, é importante analisarmos tal novidade jurídica, bem como seu impacto.
A Lei nº 4591/64 informa em seu artigo 1º que as destinações dos condomínios serão residenciais ou não residenciais, e o faz de forma genérica e bem recepcionada pelo princípio constitucional da liberdade de atividade econômica e livre iniciativa, previsto no parágrafo único do art. 170 da Carta Magna.
A própria lei de 1964 estabelece que é proibido a qualquer condômino destinar as unidades de forma diversa da finalidade do prédio.
Ao disciplinar o instituto dos Condomínios Edilícios, O Código Civil, em seu art. 1332, estabelece que a matéria sobre a finalidade a que as unidades se destinam deve ser tratada pela instituição dos condomínios, documento cuja mudança se faz apenas por unanimidade, razão pela qual o antigo artigo 1351 do próprio Código dizia depender de concordância de todos os condôminos para ocorrer uma alteração de destinação do edifício ou da unidade imobiliária.
Porém, a vigência da nova lei (14.405/2022) altera o art. 1351 e lhe dá uma nova redação, que assim se fixa:
Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção, bem como a mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária.
Como razões apresentadas pelo autor para justificar a nova lei, estariam a dificuldade de se atingir o quórum de unanimidade, e a necessidade de adequações de algumas edificações em se regularizarem conforme o tipo de ocupação e os projetos urbanísticos das cidades.
Por um lado, se impõe o interesse coletivo sobre o interesse privado no qual as necessidades urbanísticas e de desenvolvimento social seriam superiores aos interesses privados. Por outro lado, considerando que nos condomínios a destinação é característica indelével de propriedade, poderia se pensar que a flexibilização do quórum para a questão de destinação gera ao proprietário certa insegurança. Se ele adquiriu um imóvel com destinação não residencial, por exemplo, correria, então, o risco de ter, de repente, uma alteração da destinação declarada pela maioria qualificada de 2/3, sem a preservação de sua propriedade original, o que, com a devida permissão, atinge não somente seu direito de propriedade como também a função social da propriedade, ambos garantidos na Constituição pelos incisos XXII e XXIII do art. 5º.
Há tempos defendo que a destinação de condomínios e suas unidades é a representação da função social da propriedade e, desta forma, submetendo o particular ao interesse coletivo. Com a nova lei, a cautela precisa prevalecer para que haja permanência deste princípio, visto que apenas um grupo poderia alterar a destinação.
O fato de a lei identificar que a destinação da unidade condominial também poderá ser alterada por 2/3, não permite a flexibilização de interpretação para possibilitar que apenas uma unidade condominial seja alterada.
Tenho para mim que prevalece a compreensão já trazida na lei de 1964 e na ideia originária do Código Civil acerca de disciplinar os Condomínios Edilícios preservando-se a função social da propriedade, seja o condomínio residencial, não residencial ou misto – neste último, unidades ou andares determinados seriam não residenciais em um empreendimento residencial.
Não acredito que se possa fazer confusão entre destinação (objetivo ou fim para o qual se reserva algo; destino) e ocupação (ato de trabalhar em algo; o próprio trabalho a ser executado ou que se executou; serviço). Logo, o respeito à terminologia de residencial, não residencial ou misto, deve prevalecer e a alteração não permitiria que um grupo de uma atividade econômica em particular fizesse uso da lei para determinar que a edificação fosse inteira desse segmento.
Tal pensamento, inclusive, seria uma afronta ao Código Civil, que no §2º do art. 1228 diz ser “defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem”. Seria, ainda, como já mencionado, uma afronta ao inciso XXIII do art. 5º da Constituição Federal, desrespeitando-se a função social da propriedade.
Apesar das boas intenções, concluímos que a flexibilização imposta pela nova redação do art. 1351 do Código Civil não pode ser utilizada para todo e qualquer interesse. Os condomínios devem sempre buscar assessoria jurídica especializada para saber quais são as limitações de suas deliberações assembleares, uma vez que paralelamente aos impactos aqui tratados, reflexos nas matrículas imobiliárias, órgãos públicos e concessionárias poderão existir.
Não reproduza o conteúdo sem autorização do Grupo Direcional. Este site está protegido pela Lei de Direitos Autorais. (Lei 9610 de 19/02/1998), sua reprodução total ou parcial é proibida nos termos da Lei.