Reformas nas unidades e os perigos da compra de ART/RRT pelos condôminos

A ABNT NBR 16.280 estabelece critérios para o gerenciamento das obras nas áreas comuns e unidades privativas, com o objetivo de evitar desmoronamentos de edificações, como os registrados em anos recentes no Brasil.

A ideia é assegurar que um engenheiro ou arquiteto acompanhe o projeto e a execução de reformas, mas isso tem sido burlado através da compra de ART/RRT pela internet.

Por menos de R$ 200,00 o morador de um apartamento pode adquirir pela internet uma ART ou RRT, documentos de responsabilidade técnica assinados por engenheiros e arquitetos, respectivamente, e recolhidos junto aos seus órgãos de classe (CREA/ CAU). Esses documentos têm sido exigidos pelos condomínios em atendimento à ABNT NBR 16.280, como pré-requisito para liberar reforma de unidade privativa. Dependendo das características estruturais do prédio e do porte dos serviços, as exigências são maiores. A NBR foi lançada em 2014 e a versão que está em vigor data de 2015.

A internet está cheia de anúncios que oferecem a emissão desses documentos em até 12 horas, por valores inferiores àqueles que seriam cobrados por um engenheiro ou arquiteto para desenvolver um projeto de reforma com avaliação in loco da edificação e análise, por exemplo, da distribuição das prumadas (hidráulica, elétrica e de gás). “A ART ou RRT funciona, nesse caso, como um mero protocolo que o morador apresenta ao condomínio para liberar a reforma e poder repassar a execução para outra pessoa”, observa a arquiteta Geórgia Zorzella Gadea. É um risco ao qual nem as obras do condomínio escapam, como no prédio onde Georgia foi contratada para acompanhar a construção de uma nova guarita e se deparou com procedimentos diferentes do projeto aprovado e em desacordo às normas técnicas; e sem que o profissional que havia emitido a RRT estivesse envolvido com a execução dos trabalhos.

“Formalmente, o documento [ART/RRT] adquirido pela internet é válido, o profissional só consegue emiti-lo se estiver habilitado junto ao conselho, porém, falta o acompanhamento e o gerenciamento da obra em si”, completa a arquiteta.

Como, então, o síndico pode se proteger de artimanhas?

“Além da ART ou RRT, ele deve solicitar o projeto da reforma, o memorial descritivo dos serviços e acompanhar a rotina da obra”, afirma Georgia, destacando que algumas intervenções demandam responsabilidades técnicas específicas, como a de elétrica, por exemplo. Desta forma, “o gestor consegue observar se a execução está em conformidade com o que foi apresentado pelo condômino e liberado pelo condomínio”.

A gestão das reformas na prática

Síndico Paulo Mujano: “O difícil é o morador entender que toda essa precaução é tomada em favor dele”

O síndico profissional Paulo Mujano costuma encaminhar todos os pedidos de liberação de obras para análise de um profissional da engenharia ou arquitetura. Em um dos prédios que administra, recebeu no final do ano passado duas ART de reformas em uma cobertura. Em uma delas, um descritivo simples previa remoção de estruturas de alvenaria, troca de revestimentos, instalações elétricas e hidráulicas. Na outra ART, uma anotação lacônica de “estrutura metálica”, sem especificar o tipo de intervenção que seria feita.

Após a análise das ART e do projeto por um engenheiro contratado pelo condomínio, o síndico soube que, na verdade, a reforma representaria acréscimo de área (que só poderia ser autorizada pela Prefeitura, com impacto significativo sobre as frações ideais do condomínio), teria impacto no sistema de para-raios e de gás e traria carga extra aos pisos, entre outros. Foi exigida a readequação do projeto, com apresentação de ART específica para cada sistema a ser mexido, inclusive de sobrecarga na laje.

Segundo Paulo Mujano, quando a administração age com rigor na exigência dos documentos e no atendimento às demais regras, é possível se proteger do mercado de venda de ART ou RRT e evitar reformas que coloquem em risco a edificação. “O difícil é o morador entender que toda essa precaução é tomada em favor dele.” Não raro, este apresenta documentos incompletos. E, na fase da obra, seus prestadores de serviços descumprem as regras de horário, limpeza e transporte de material, completa.

Para o engenheiro civil Claudio Eduardo Alves da Silva, “a NBR 16.280 impõe ao condomínio a necessidade de adotar um plano de gestão das reformas”. “Isso é necessário para haver o controle sobre todas as reformas da edificação, bem como fácil acesso aos projetos, criando um canal de comunicação entre o síndico, condôminos e seus responsáveis técnicos, de forma a assegurar a real integridade da edificação.” Segundo o engenheiro, o condomínio que tem “o alerta ligado somente quando a obra vai começar”, “quando uma solicitação chega em suas mãos”, corre mais riscos de se deparar com ART ou RRT compradas da internet.

Existe obra de baixo risco?

Outra preocupação do engenheiro está na orientação dada pelas administradoras de que obras de “baixo risco” dispensam a necessidade de contratação de projeto de um profissional qualificado. Em geral, são enquadrados como de baixo risco serviços de pintura, forros e instalação ou troca de revestimentos. Claudio alerta, no entanto, que ao instalar um forro de gesso sem análise técnica prévia, o condômino pode, inadvertidamente, vedar uma grelha de ventilação do sistema de gás, entre inúmeros outros riscos.

Entidades conferem autenticidade e acolhem denúncias

Em ação promovida em outubro do ano passado, representantes do CREA-SP visitaram a sede da empresa de comércio eletrônico Mercado Livre, na cidade de Osasco, para alertá-la sobre eventuais irregularidades nas vendas de serviços de engenharia e de ART. Paralelamente, os fiscais do órgão estiveram em uma das empresas que veiculam anúncios no portal. O CREA-SP solicita que denúncias de irregularidades sejam feitas através do telefone 0800 171811. Através do site da entidade, é possível ao síndico verificar a autenticidade das certidões emitidas. Também o portal do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (https://transparencia.causp.gov.br) disponibiliza canal para checagem da autenticidade da RRT e registro de denúncias.


Matéria publicada na edição – 254 – março/2020 da Revista Direcional Condomínios

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