O advogado Cristiano De Souza Oliveira costuma enfatizar que o Código Civil brasileiro, que traz um capítulo reservado para os Condomínios Edilícios, deixa grande margem para a sua autorregulamentação. No entanto, alguns limites precisam ser considerados:
– O direito constitucional de os cidadãos usufruírem (“usarem, gozarem, disporem e defenderem”) suas propriedades;
– A exigência de que a destinação das unidades somente possa ser alterada de forma unânime pela assembleia dos condôminos (“enquanto os demais temas tratados na Convenção Condominial podem ser modificados por deliberação de no mínimo 2/3”).
Do ponto de vista da fruição da propriedade residencial, é possível ao condômino utilizar duas formas de locação previstas pela legislação brasileira, prossegue. Uma delas é a locação normal, com contrato acima de 90 dias; a outra, a de temporada, para períodos até 90 dias, conforme a Lei Federal 8.245/91.
“A locação por temporada é muito comum nas cidades turísticas, em centros urbanos com infraestrutura de serviços médicos, como hospitais, nos polos universitários, comerciais, financeiros e industriais. É um mercado que acaba concorrendo com o setor hoteleiro, mas hotelaria e locação por temporada têm finalidades distintas (a primeira é comercial, a segunda é residencial).”
O advogado destaca o Art. 170, da Constituição Federal, segundo o qual, “dentro da ordem econômica do Brasil, respeitada a destinação, o proprietário pode ter imóveis para ganhar dinheiro, e isso não tira a sua finalidade residencial”. Ou seja, “desde que continue sendo usada como residência, ao proprietário é garantido o exercício da fruição de sua propriedade, atingindo-se assim seu fim social e a possibilidade de gerar renda”.
Portanto, Cristiano De Souza defende que não compete à assembleia vetar ao condômino o direito de locar sua unidade por temporada, mesmo que seja por um dia, porém, limites podem ser estabelecidos no acesso ao prédio, como regras que determinem, por exemplo:
– A proibição de a portaria ficar com as chaves do imóvel;
– A necessidade de a identidade do locatário ser informada com 48 horas de antecedência;
– A definição de que a entrada e saída do locatário ocorra no período entre 8h e 18h (entre outras medidas).
“É uma questão de segurança”, pontua. Por outro lado, “restringir o uso das áreas comuns a este locatário fere a legislação”. Segundo ele, “a locação transfere a posse do imóvel, assim, não há possibilidade de se restringir a utilização das áreas comuns porque elas fazem parte da propriedade”. “Mas o condomínio não pode se eximir de cumprir as regras, a exemplo da exigência do exame médico para utilização da piscina, o que vale para todo mundo.”
Código Civil: Usos & Fruição
“Art. 1.335. São direitos do condômino:
I ‐ Usar, fruir e livremente dispor das suas unidades;
II ‐ Usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores; (…)
Art. 1.336. São deveres do condômino:
(…)
IV ‐ Dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores ou aos bons costumes.”
A decisão do STJ
O entendimento da maioria dos ministros da 4ª Turma do STJ em relação ao caso de Porto Alegre foi o de que ali estava envolvida uma situação “de sublocação que configura pensão”, com “alteração de destinação da finalidade residencial do imóvel”. Portanto, segundo Cristiano De Souza, a decisão final não institui jurisprudência para os casos de locação por temporada. O advogado compara a iniciativa dos locadores do Rio Grande do Sul com outros tipos de usos comerciais que desvirtuariam a finalidade residencial do imóvel, como seu uso “para consultório médico, escritórios, loja de roupas etc.” Estes seriam permitidos somente após deliberação unânime da assembleia, “pois altera a finalidade que é matéria da instituição [do condomínio] e não da Convenção”, completa.
“Abuso do direito de propriedade”
A interpretação de Cristiano é compartilhada pela advogada Irina Uzzun, que por mais de dez anos também atuou como síndica. Segue a análise de Irina em torno do julgado do STJ (Resp. 1819075):
“Vejo muita gente criando polêmica sobre essa decisão do STJ sem explicar que ela só vale para as partes envolvidas no processo, ou seja, é uma ‘decisão interpartes’. Só valeria para todas as pessoas dentro do território nacional se fosse “erga omnes”. O relator do caso foi voto vencido, por isso a decisão é extensa, trazendo as razões da divergência dos demais Ministros. A Convenção do condomínio em questão determina que a finalidade do empreendimento é exclusivamente residencial, por isso, a moradora não poderia mudar a destinação dos apartamentos e prestar serviços de hotelaria, como ficou caracterizado. Ela reformou os imóveis, fez mais quartos, oferecendo serviços de lavanderia, café da manhã etc. Ficou caracterizado o abuso do direito de propriedade mantendo a locação por aplicativo com a oferta de serviços típicos de hotelaria, regulamentados pela Lei Federal 11.771/2008 e não pela Lei 8.245/1991 (Lei de Locações de Imóveis Urbanos). Claro que o assunto da locação temporária via aplicativo é polêmico e requer uniformizar o entendimento jurisprudencial, o que ainda não ocorreu.”
Matéria publicada na edição – 269 – julho/2021 da Revista Direcional Condomínios
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