Um novo cenário começa a tomar conta dos bairros do centro expandido de São Paulo, desde a Consolação até os limites da Marginal do Rio Tietê. Espremidas entre prédios que chegam a ter mais de 50 anos, modernas torres residenciais ou mistas surgem nas vias movimentadas de Santa Cecília, Higienópolis e Consolação ou nas áreas da Barra Funda antes tomadas por galpões. O próprio Plano Diretor do Município de São Paulo reflete essa filosofia: promover o adensamento de áreas dotadas de melhor infraestrutura urbana, especialmente de transporte.
“O grande desafio de São Paulo é multiplicar as regiões produtivas, para que as pessoas morem perto de onde trabalham. Estamos em um caminho mais positivo em direção a uma maior mobilidade, no entanto, não tivemos a discussão necessária de como vamos aprofundar o desenvolvimento das regiões”, analisa o sociólogo e professor Rodrigo Estramanho de Almeida, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Ele observa um ritmo desenfreado nas novas ocupações, atendendo aos interesses imediatos do mercado imobiliário e sem que se estude o impacto desse processo nos próximos 30 anos. “Estamos planejando a recepção dessas novas pessoas que virão morar próximo do centro de São Paulo?”, questiona. Rodrigo pondera, por exemplo, que “a cidade apresenta alguns paradoxos, como bons serviços de ônibus e metrô”, entretanto, insuficientes. Pesquisador em estudos brasileiros, Rodrigo trabalha e mora bem próximo do distrito da Consolação, no bairro de Vila Buarque, “lugar de sociabilidade muito rica, onde é possível falar em vizinhança”. “É um cotidiano de rua e a Consolação tem um pouco dessa característica.”
O professor sugere uma participação maior da sociedade para que a cidade evite repetir equívocos urbanísticos como a abertura do “Minhocão” em 1970, via elevada sobre as avenidas General Olímpio da Silveira, São João e Rua Amaral Gurgel. Sua construção dividiu bairros e gerou segregação “Devemos discutir os problemas [da cidade e dos bairros] e levá-los à agenda do Poder Público. As medidas não podem ser só técnicas, têm que corresponder às demandas da sociedade civil, que é rarefeita e precisa ser fortalecida.”
Um dos principais embates públicos do momento envolve justamente movimentos de moradores do bairro da Consolação que defendem a criação local do Parque Municipal Augusta. Dotado de um bosque com 600 árvores nativas da Mata Atlântica e quase 24 mil metros quadrados, situado entre as ruas Caio Prado, Marquês de Paranaguá e Rua Augusta, o espaço está destinado à construção de três prédios de uso misto. As construtoras responsáveis pelo projeto asseguram que farão um parque público em 60% da área, mas a celeuma reflete bem a necessidade de se discutir melhor os impactos do novo perfil de ocupação da cidade.
TRANSIÇÃO EM SANTA CECÍLIA
Síndico e morador do Edifício Pedro Paulo (foto abaixo à dir.), Oscar Penteado (imagem ao lado) vê a transformação do bairro de Santa Cecília da janela de seu apartamento. Um novo residencial em frente ao seu (foto abaixo à esp.), com boa infraestrutura de lazer, contrasta com o prédio do início dos anos 50 e 16 unidades que administra. Ali não existe qualquer espaço livre, exceto o hall de entrada no térreo e do elevador único. Porém, Oscar gosta muito do lugar em que vive, elogia o bairro e acredita que as mudanças são positivas, pois valorizam o entorno e os imóveis mais antigos.
Oscar chegou ao prédio em 1976 e se tornou síndico em 1993. Organizou uma galeria de fotos do edifício e do bairro na parede do hall do térreo, incluindo a construção do “Minhocão”. Com 78 anos, faz boa parte de suas atividades a pé e não pensa em voltar ao interior do Estado, onde nasceu (na região de Rio Claro). “O ‘Minhocão’ trouxe uma divisão social muito grande, principalmente nos prédios da Av. São João. Com isso, temos três perfis de ocupação bem nítidos no bairro.” Quanto mais próximos da via elevada, mais deterioradas as ruas e os serviços, diz.
“Esse é um traço marcante da região: os espaços públicos são bem degradados ao longo dos eixos viários.” No entanto, no alcance de suas passadas (sempre a pé), Oscar Penteado acessa facilmente serviços e comércio, vai à igreja aos domingos em Campos Elíseos e chega às estações do Metrô ou pontos de ônibus. Além disso, “é um lugar tranquilo em que as pessoas se conhecem.”
BARRA FUNDA: NOVA FRONTEIRA RESIDENCIAL
Quando escolheu a região da Barra Funda para morar com os pais idosos, a síndica Cecília Helena Silva considerou principalmente a facilidade de acesso oferecida pelos eixos viários da região aos serviços médicos. Ela morava em uma casa no bairro de São Domingos, zona Sudoeste de São Paulo, e precisava estar mais próxima de hospitais e clínicas. Mudou-se em 2012 para o Condomínio Celebration, empreendimento então recém-implantado com quatro torres, 400 unidades, varandas gourmet e lazer completo.
Ela só não contava com a precariedade do comércio e serviços do lugar, como a falta de padarias. Enquanto a região ainda exibe mais galpões que condomínios, Cecília resolveu pelo menos uma das carências dos moradores locais: implantou uma feira livre semanal na área de estacionamentos de visitantes. Ela acontece às quartas-feiras, entre 17h e 22h, e tem “até barraca do pastel”. É restrita aos condôminos. Até mesmo um grande fornecedor de carnes fez contato com a síndica para disponibilizar no período da feira uma carreta frigorífica e comercializar seus produtos. Mas, por enquanto, a ideia ficou congelada.
Para o administrador do condomínio, Márcio Bagnato (na foto ao lado com Cecília), a Barra Funda concentra cada vez mais novos empreendimentos residenciais, uma tendência inevitável. Por isso, ele sugere aos síndicos buscar estabelecer contatos e relacionamentos com seus colegas da vizinhança, “para compartilhar experiências e conhecer os equipamentos públicos, como os Consegs, entre outros.”
Matéria publicada na edição – 199 de mar/2015 da Revista Direcional Condomínios