A zona Leste é uma das regiões de São Paulo que mais expressam a ampla mobilidade social vivida pelo Brasil em anos recentes. O síndico e comerciante Rogério Garcia afirma que costumava renegar suas origens quando garoto. Nascido na Vila Santa Isabel, “ao lado da Vila Formosa”, dizia que era da Mooca, então “prima rica” de todos os demais bairros que se estendem a leste do marco zero da cidade, a Praça da Sé. A chamada ZL caracteriza extensa ocupação urbana, quase 50% de todo município.
Rogério mudou aos 9 anos para o Tatuapé, de onde olhava ainda para a Mooca como lugar privilegiado. Quarenta anos depois, porém, a realidade mudou tanto que Rogério, fiel ao bairro, o considera “a bola da vez”. “É uma história interessante, tem muita coisa acontecendo. A região era industrial, o que gerou uma ocupação em grandes terrenos, permitindo agora a construção de amplos condomínios.”
O comerciante é síndico em segundo mandato do Splendor Tatuapé, conjunto
de duas torres com varandas gourmet localizadas no coração do bairro. Filho do mais recente boom imobiliário da Capital, o Splendor reúne 108 unidades de quase 200 m2 e disponibiliza de três a quatro vagas de garagem por apartamento. Possui as comodidades típicas de um condomínio que mescla moradia e lazer, com destaque para seu projeto paisagístico e arquitetônico.
O cenário contrasta bastante com a antiga fundição que ocupava o local, aponta Rogério. Já seu vizinho de rua e terreno, também um empreendimento novo e moderno, tomou o lugar de uma fábrica de tapetes da Tabacow. “O Tatuapé era sinônimo de poluição, tinha vergonha de dizer que era daqui. E antes das fábricas, havia sido lugar de grandes chácaras com plantio de uva”, rememora. Mas, “depois das chácaras vieram as indústrias e o comércio, o que gerou renda e demanda por apartamentos maiores”. O próprio Rogério é exemplo da mobilidade social, pois começou a trabalhar aos 11 anos no comércio de familiares e agora exibe duas grandes lojas dos segmentos de elétrica e iluminação; define-se como “light designer” e vem proferindo palestras sobre o uso do LED em instituições de ensino e para grupos de síndicos.
Segundo ele, uma peculiaridade do Tatuapé contribuiu para o adensamento e sua consolidação como novo centro comercial, médico e de serviços da zona Leste: “Somos meio interioranos, as pessoas se conhecem, gostam daqui e querem melhorar de vida permanecendo no bairro”. Assim, em vez de perder moradores que ascenderam na renda, o lugar atraiu gente de fora, inclusive da Mooca, observa o síndico.
Atualmente, com uma das mais movimentadas estações de Metrô da Linha Vermelha, o Tatuapé e o vizinho Jardim Anália Franco exibem dois grandes shoppings centers, no entanto, Rogério teme que a “transição social” faça as pessoas perderem os laços e se isolarem em seus condomínios. Outra dificuldade enfrentada é trabalhar a adaptação dos moradores aos apartamentos, “porque boa parte deles residia em casa térrea”. “A primeira missão é mudar os hábitos desse condômino, orientando-o a viver em uma comunidade. O síndico precisa estar preparado, saber gerenciar isso. No Splendor Tatuapé 68% dos moradores vieram de casas isoladas, por isso, comecei a dar plantão para atendê-los”.
O adensamento trouxe, de forma inevitável, problemas relacionados ao trânsito. “Sair e voltar para o Tatuapé é sempre um drama”, reconhece. Rogério usa com frequência o Metrô, mas ainda assim enfrenta dificuldades de deslocamento, pela superlotação dos trens. “O que resta aos síndicos é nos articularmos e exigir um planejamento para a cidade, para nossos bairros. Precisamos lutar ainda para que eles sejam autossuficientes, com mais opções culturais e de boas universidades, evitando perder nossos filhos para outras regiões de São Paulo.”
“CARA DE INTERIOR”
Se o Tatuapé adensado luta para manter relações fortes de amizade entre os moradores, sua vizinha Vila Formosa, aonde predominam casas, está recebendo prédios residenciais sem alterar em nada o jeito interiorano, enaltece o síndico Ricardo Wolf, do Edifício Bariloche. O residencial de torre única e 36 unidades foi construído há duas décadas; Ricardo foi um dos primeiros moradores, oriundo da zona Sul da cidade. “As pessoas se comportam como se estivessem em uma cidade pequena, elas conversam mais. Sai daqui há dez anos para morar nos Jardins, mas voltei um ano e meio depois. Estranhei, porque ali tudo é muito impessoal”, justifica.
Diferente do Tatuapé, a Vila Formosa sempre foi residencial, portanto, loteada em terrenos menores, com ruas circulares e muitas praças, descreve Ricardo. Ele atribui a isso a baixa presença de edifícios e, de outro lado, o fato de os moradores continuarem frequentando a praça principal do bairro, a Sampaio Vidal, para jogar xadrez ou simplesmente conversar. Ricardo acredita que a vocação residencial será mantida mesmo com a pressão imobiliária batendo às portas, principalmente quando iniciarem as obras do Metrô Vila Formosa, compondo a Linha Verde (prevista para o trecho Vila Prudente – Dutra).
O único senão recai sobre a segurança. “Estamos cada vez mais trancados dentro dos condomínios, não se pode usar a rua, mas precisamos resgatar isso de alguma maneira. Quando as pessoas se conhecem, isso facilita a segurança”, emenda. Seu condomínio, juntamente com outros quatro de áreas próximas, lançou em 2014 o programa Vizinhança Solidária da Vila Formosa. Ele reúne também 20 residências, uma escola, uma pizzaria e uma casa comercial. Conta com o apoio da 4ª Companhia do 8º Batalhão da Polícia Militar e do delegado da 58ª Delegacia de Polícia. “O programa tem o caráter de trabalhar microrregiões e já rendeu filhotes, como o Vizinhança Solidária Arapóca.” [outra área do bairro]
Quando implantado, o Vizinhança Solidária da Vila Formosa procurou “estabelecer uma proximidade entre a polícia comunitária e a população, aumentando a participação desta no combate à violência”, relatou à época o então síndico do Bariloche, Wanderley Veronesi. A missão passou para Ricardo Wolf, analista de sistemas que tem juntado a expertise profissional com sua experiência no Vizinhança para desenvolver aplicativos para tablets e smartphones, que ajudem a aproximar a população em uma rede de apoio mútuo. “A insegurança é o que mais nos afeta, apesar de a Vila Formosa exibir um dos menores índices de violência da Capital. Mas ninguém dorme tranquilo enquanto o filho está na rua”, finaliza Ricardo Wolf.
(Por Rosali Figueiredo, texto e fotos)
Matéria publicada na edição – 202 de jun/2015 da Revista Direcional Condomínios
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