Condutas de assédio e descaso não podem ter vez nos condomínios; instalações dos funcionários pedem atenção.
Que os condomínios evoluíram muito, não restam dúvidas. Equipamentos e ferramentas de gestão estão mais modernos e podem ser atualizados em prédios antigos. Mas há um aspecto que parece ter parado no tempo: a forma como a mão de obra é tratada por administradores, síndicos e moradores.
Capacitar a equipe com treinamentos constantes, fornecer uniforme, Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e dispor de instalações adequadas e seguindo a legislação (caso de vestiário e refeitório) são obrigações dos síndicos, e não um agrado aos funcionários. “Não adianta apenas o síndico se capacitar, sem investir na formação da mão de obra. Todo problema que o condomínio tiver na portaria, na faxina ou na zeladoria compromete o trabalho do gestor. Está mais do que comprovado que só a formação da equipe dá resultado”, aponta Maurício Jovino, consultor condominial e instrutor de cursos do Senac.
Jovino acredita no condomínio como um reflexo da sociedade. Portanto, são inúmeras as novas situações que a cada dia surgem nos prédios. Funcionários devem, por exemplo, saber lidar contra o preconceito e o racismo, com idosos, com pessoas com deficiências, e com as diversas identidades de gênero. “No passado era comum termos porteiros que mal sabiam ler e escrever. Hoje, porteiros como esses não têm mais como assumir uma portaria. Com o mercado cada vez mais profissionalizado, os síndicos buscam porteiros capacitados, com boa postura, e que também conheçam e obedeçam aos procedimentos de segurança”, diz o consultor. Ele cita os porteiros porque são os funcionários que mais têm contato com os condôminos. “A portaria é como uma central de atendimento”, compara. Jovino recomenda inclusive que os porteiros evitem relações mais próximas com os condôminos. “Alguns chegam a afogar mágoas de brigas de família ou de situações cotidianas com os porteiros. Atender bem o morador é uma coisa, mas aceitar convite para tomar café com bolo e se envolver em questões pessoais é perigoso. Importante é cumprir as atribuições da função”, sustenta.
Treinamentos orientam funcionários sobre atitudes inaceitáveis, especialmente em portarias, onde mais acontece assédio moral. “É uma violência psicológica. O morador ataca, menospreza e desqualifica o porteiro. Alguns regulamentos internos têm previsão de multa nesses casos, mas oriento sempre que o funcionário faça boletim de ocorrência contra o morador. Esse tipo de atitude deve ser barrado para que não vire rotina desse condômino contra outros funcionários”, afirma Jovino.
A síndica profissional Isabelle Lavin relata uma situação recente de assédio moral contra a gerente de um dos seus condomínios. O morador entrou na administração do local, um grande condomínio-clube com uma equipe de 37 funcionários e a atacou verbalmente, na frente de toda a equipe. “Ele a desrespeitou na frente de todos. A gerente é uma funcionária excelente e experiente. Ela levou dias para se recuperar do baque e optou por não fazer boletim de ocorrência. Mesmo assim, o morador foi multado e enviamos também uma carta para ele, informando que esse tipo de atitude pode causar um problema trabalhista ao condomínio. Infelizmente as pessoas estão descontroladas. E esse morador já é reincidente em atitudes como essa”, relata Isabelle que, em seus 13 condomínios, vivencia diariamente situações negativas, mas também positivas envolvendo as relações humanas.
A sexta-feira 3 de novembro de 2023 ficará gravada por muito tempo na memória dos paulistanos. A chuva forte e as rajadas de vento de até 100 km/h causaram a queda de cerca de mil árvores, afetando a rede elétrica e ocasionando falta de energia em inúmeros bairros da cidade de São Paulo. Em cerca de 200 mil endereços de São Paulo, a energia só retornou na terça-feira dia 7 ou ainda na quarta-feira dia 8. Não é difícil imaginar o transtorno para moradores e funcionários de condomínios que enfrentaram essa situação extrema. Dois edifícios da carteira da síndica Isabelle só tiveram o fornecimento de energia restabelecido nos dias 7 e 8. Em outro, em Pinheiros, que conta com caldeira, as bombas d’água queimaram. E um quarto condomínio administrado por Isabelle, na Vila Olimpia, ficou sem água, além de sem energia, porque as bombas não eram alimentadas pelo gerador.
“Foram dias caóticos. Os prestadores de serviços não davam conta de atender a tantos chamados. As empresas de diesel avisavam que não sabiam quando nossos pedidos para abastecer os geradores seriam atendidos. Esse episódio nos mostrou o quanto o trabalho em condomínios exige uma atuação em equipe e justamente por isso precisamos muito valorizar os colaboradores”, conta Isabelle, que nesse período de crise se empenhou em gerenciar as equipes de cada condomínio afetado. “Foi uma operação de crise onde precisei muito dos funcionários. Em uma situação completamente imprevista foi necessário dividir tarefas”, diz a síndica que, nos condomínios mais atingidos, solicitou ao conselho um bônus para os funcionários, parte em dinheiro e parte em banco de horas: “É um prêmio simbólico para que os funcionários se sintam reconhecidos.”
Situações excepcionais à parte, Isabelle imprime às suas gestões um grande foco na valorização dos funcionários, sejam eles próprios ou terceirizados, não fazendo distinções em práticas de reconhecimento, como oferta de cestas natalinas. “Todos são funcionários, diferentes na forma de contratação, porém estão na operação e devem ser igualmente valorizados. Por isso não faço distinção no momento de convidá-los para um café da manhã ou ao oferecer cestas de Natal. Aliás, nos finais de ano tenho optado por presentear as equipes com cestas de congelados, que garantem as ceias nas festas”, conta. Isabelle procura oferecer benefícios como plano de saúde. “Não é obrigatório e cada condomínio define se dará ou não. Mas é uma forma de pagamento muito importante para os colaboradores. Noto que eles vestem ainda mais a camisa do condomínio”, avalia.
Mesmo com uma gestão humana em relação aos colaboradores, Isabelle reconhece que o trabalho mais difícil do síndico é montar uma equipe onde todos estejam alinhados. “É um trabalho demorado. No condomínio onde moro e sou síndica há 10 anos, levei cerca de quatro anos para estar com uma equipe ‘redonda’”, relata.
O zelador Mauro dos Santos Sousa trabalha em um condomínio na Vila Nova Conceição, com 42 apartamentos, onde Isabelle mora e atua como síndica. Começou a trabalhar em condomínios em 1999 como segurança e depois passou a porteiro. Sempre fazendo cursos, desde 2002 é zelador. Casado com uma professora e com dois filhos, Mauro valoriza demais a busca por formação profissional. “Zeladores que não se aperfeiçoam acabam perdendo o emprego.”
Ele ressalta principalmente a parceria com a síndica: “Acredito que os zeladores são as mãos e os olhos dos síndicos nos condomínios. E encontrei na Isabelle uma síndica que não joga nada para debaixo do tapete, não acumula os problemas de manutenção.” Mauro acredita que não há mais espaço nos condomínios para o zelador “gravatinha”, como ele define: “Para mim, zelador tem que ser tudo: zelar pelo patrimônio, ser gerente, entender de manutenção e gestão. Já fui pedreiro antes de entrar em condomínios, o que me ajuda bastante. Recentemente fiz cursos de gerente predial e de auxiliar administrativo pelo Senac, que me trouxeram muito conhecimento.”
Para Mauro, é inaceitável ver os problemas do condomínio e não procurar ajudar. “Esta é minha casa, minha família mora no condomínio. Estou aqui para trabalhar e quando resolvo os problemas de manutenção que surgem, fico mais tranquilo”. Em sua história nos condomínios, ele já ouviu de condômino a célebre frase “sou eu que pago seu salário”, e ainda serviu de “psicólogo” em conflitos de família. “Nós não podemos nos omitir, especialmente em brigas de casal. Hoje, inclusive a lei apoia quem denuncia. Mas acredito que o zelador precisa ter um perfil pacífico, buscar resolver discórdias e evitar que surjam atritos na equipe”.
Combatendo o amadorismo
De acordo com o consultor condominial e instrutor de cursos do Senac Maurício Jovino ainda há muito amadorismo nas estruturas de trabalho em edifícios. “Os condomínios não sofrem fiscalização nem pelo sindicato da categoria, nem pelo Ministério do Trabalho. Mas não é incomum vermos denúncias de moradores ao Ministério do Trabalho, especialmente quando não gostam do síndico e percebem que os trabalhadores não têm boas condições de trabalho”.
Veja as dicas de Maurício Jovino sobre estruturas oferecidas aos funcionários.
– Conheça as Normas Regulamentadoras nº 6 (que trata do uso de EPIs), nº 7 (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional), nº 17 (que trata da ergonomia) e nº 24 (que regula as condições sanitárias e de conforto nos locais de trabalho).
– Muitos condomínios não dispõem de refeitório. Há porteiros que se alimentam na própria portaria. “Uma sala de administração grande pode ser dividida com drywall e receber o refeitório para que os funcionários almocem confortavelmente”. Em alguns condomínios ainda existe a perigosa espiriteira, colocando em risco funcionários e moradores. Micro-ondas, cafeteira, pia com água corrente, geladeira, purificador de água e mesa com cadeiras são indispensáveis. “Muitos síndicos argumentam que desconhecem a legislação. Vá atrás, se informe e no mínimo tenha humanidade e empatia, colocando-se no lugar do funcionário”, indica Maurício Jovino.
– No refeitório, nada de louças. Copos e xícaras não podem ser coletivos, mas descartáveis. Jovino orienta a optar por materiais biodegradáveis, atendendo também a questão ambiental, além de serem mais higiênicos.
– Nos refeitórios e banheiros, ofereça sabonete líquido e toalhas de papel, nunca de tecido. Não esqueça que o prédio deve contar com um tanque para lavagem de pano de chão e de limpeza.
– Cuide para que os exames médicos sejam feitos inclusive quando há mudança de função (uma faxineira que muda para portaria, por exemplo). “Também é comum vermos porteiros que começam a trabalhar sem exame médico admissional”, diz Jovino.
, então não usei mais a IA. Mas para o síndico iniciante ou sem familiaridade com a escrita de comunicados, é ótimo contar com esse recurso”, finaliza.
Matéria publicada na edição 296 jan/24 da Revista Direcional Condomínios
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