De um lado, risco iminente de escassez de água potável no mundo; de outro, desperdício. Como refrear o consumo indiscriminado de um bem finito?
“A água é a seiva de nosso planeta. Ela é condição essencial de vida de todo vegetal, animal ou ser humano. Sem ela não poderíamos conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura”. A frase é do 2º Artigo da Declaração Universal dos Direitos da Água, redigida pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 1992. Outro trecho, início do 7º Artigo, diz: “A água não deve ser desperdiçada, nem poluída …”. Mas dentre outros, fatores como mau uso e alterações climáticas contribuem para sua progressiva escassez. O Brasil tem a maior quantidade de água doce do mundo, mas o estado de São Paulo possui apenas 1,6% desse potencial do país. Não dá para esbanjar, é preciso responsabilidade de todos, como da população condominial em franco crescimento.
No Villagio Felicita, condomínio com duas torres e 180 unidades localizado na Vila Bertioga, zona leste, água limpa foi dispensada na sarjeta por alguns anos. Ao mesmo tempo, condôminos se indispunham por causa do valor da conta da Sabesp. “Quem morava sozinho ou com família pequena discutia com vizinhos de unidades com número maior de moradores para que economizassem água, e nas assembleias brigavam pela individualização da leitura”, comenta a síndica Fernanda Casco Silva.
Assim era cinco anos atrás, época em que ela mudou para o Villagio e assumiu a gestão. Fernanda foi orientada por um consultor condominial a examinar a situação do poço artesiano, herança da crise hídrica de 2014 e 2015. “A construção desse poço foi uma sábia decisão. Mas as gestões posteriores o escantearam, e o condomínio só pagando a manutenção e a taxa mensal de esgoto”, relata Fernanda.
Entretanto, o poço continuou trabalhando, enviando água para o reservatório, o mesmo que é abastecido também pela Sabesp. Com isso havia transbordo amiúde, resultando no mencionado desperdício de água limpa. “Reinvestimos no poço em vez de instalarmos um sistema de individualização de água, e resolvemos automatizar a bomba para que, quando atingisse determinado nível, interrompesse o abastecimento, alternando com a Sabesp”.
Com essa providência, desde o início houve redução de 50% na tarifa de água. “Mas para haver resultado é preciso ter um controle diário, que consiste em fotografar o relógio da Sabesp e do poço, lançar os dados em planilha Excel e monitorá-los para identificar variações. Através disso identificamos quando a bomba do poço apresentou defeito e parou de funcionar, e quando houve um problema no encanamento do prédio”.
Localizada do lado de fora do condomínio, no recuo, a área do poço antes servia para os cães urinarem em seu gramadinho. Na gestão de Fernanda, o espaço recebeu gradil e plantio de flores. “Cuidamos dele com carinho porque ele nos passa tranquilidade”, diz.
COBRANÇA À VISTA
Síndico há quatro anos do Maison André Courrèges, em Moema, zona sul, Eloy Forte viu o aumento do valor da conta d’água comprometer a previsão orçamentária. “Além de reajustes muito elevados de tarifa, houve aumento no consumo”, constata. O condomínio de 68 apartamentos e planta padrão com seis banheiros, tem histórico de consumir bastante água. “Eu havia sido síndico morador em outro condomínio no bairro, com unidades menores. Quando passei a morar neste, e assumi a gestão, percebi que nossa despesa com água era alta, quase 20 mil reais, mas o sobressalto veio quando aumentou 10 mil de uma vez só e ficou oscilando em torno desse valor alguns meses”.
Eloy pensou na possibilidade de implantar a individualização de água e gás no condomínio de 27 anos, mas descartou devido ao valor do investimento. Por sugestão da administradora, encontrou outra solução de instigar economia, a qual reduziu o consumo de água em 20% e gás em 8%. “O resultado trouxe um benefício ecológico porque água não é um bem infinito. Mas, antes de tudo, foi ‘financiológico’ porque as oscilações no valor da conta cessaram”, assume.
O recurso adotado foi lançar as despesas de água e gás no boleto condominial, discriminando os valores. “Antes, não eram desmembrados do valor total do condomínio. Os condôminos passaram a visualizar os valores, uns começaram a conversar com os outros e houve uma percepção da necessidade de reduzirem o consumo”.
Nas áreas comuns a limpeza e rega das plantas é feita com água de reuso, relata o síndico. Outra medida para conter desperdício ocorreu dois anos atrás, quando o zelador fez uma inspeção hidráulica nas unidades. “Na minha unidade foi detectado vazamento em um dos vasos sanitários porque a boia da descarga não estava funcionando direito, mas nem percebíamos”, diz Eloy. “Agora, neste mês, o zelador iniciou um novo ciclo de vistorias, o qual será anual, a pedido dos próprios condôminos”.
MEDIDAS DE REDUÇÃO
Sendo possível, a medição individualizada de consumo da água é uma alternativa a ser considerada, segundo José Roberto Graiche Júnior, presidente da AABIC (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios). “Quando o condômino paga o que consome, ele sempre tenta reduzir o consumo, pois mexe no bolso, o cenário muda”, constata. A outra forma de chamar a atenção para gastos excessivos é a que foi empregada no condomínio do síndico Eloy. “Essa forma de rateio deve ser aprovada como parte da previsão orçamentária anual, discutida em assembleia geral ordinária”, esclarece José Roberto, acrescentando que a estratégia torna os itens que compõem o valor mensal do rateio condominial mais transparentes para o condômino, o que conscientiza para a redução do desperdício e consumo exagerado.
Condomínios não podem abrir mão da gestão consciente da água. “É possível reduzir o consumo com pequenas atitudes, como reutilizar água da chuva para lavar garagens e regar plantas, instalar arejadores em torneiras, verificar o relógio de água diariamente para evitar desperdício por possíveis vazamentos e instalar bacias de caixa acoplada nos sanitários”, orienta o presidente da AABIC. Ele lembra que, quanto à limpeza, já existem produtos tecnologicamente comprovados, inclusive certificados que limpam sem emissões de CO2 e não precisam de enxágue.
Também é importante investir em campanhas educativas. “A melhor forma de ter sucesso numa campanha é, inicialmente, conscientizar os condôminos. Mostrando a todos a situação atual do planeta em relação às práticas sustentáveis e como isso pode mudar com pequenas ações, tanto no meio ambiente quanto no bolso de cada um.”
Matéria publicada na edição 298 mar/24 da Revista Direcional Condomínios
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Jornalista apaixonada desde sempre por revistas, por gente, pelas boas histórias, e, nos últimos anos, seduzida pelo instigante universo condominial.