Acessibilidade direito de todos

Poucos edifícios já se adequaram às leis que promovem a acessibilidade. Por que não começar agora?

Antonio Carlos Grandi é cego há 10 anos. Por quatro anos, foi conselheiro do Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa com Deficiência, representando a Fundação Dorina Nowill, onde é professor voluntário de informática. O Conselho ajuda a definir políticas públicas para as pessoas com deficiência. Grandi sabe das dificuldades diárias por que passam deficientes e pessoas com mobilidade reduzida para vencer as barreiras arquitetônicas das cidades. Nos condomínios, ainda são imensos os obstáculos. Ele próprio enfrentou a ausência de botoeiras em braile no condomínio onde mora, no bairro paulistano de Pinheiros. “Na época, eu fazia parte do conselho do prédio e estávamos negociando a troca das botoeiras com uma empresa de elevadores. Como a empresa não queria dar o desconto que pedíamos, consegui que nos fornecessem, além do braile, também o sistema sonoro que avisa onde o elevador está. Esse sistema é importante não só para cegos, mas também para idosos e pessoas com baixa visão”, esclarece, lembrando que na cidade de São Paulo é obrigatória por lei a instalação do braile nas botoeiras de elevadores (Lei 11.859 de 31/08/95).

Grandi comenta que para o cego o maior problema é a orientação, não a mobilidade (o que ocorre no caso dos cadeirantes, para quem um degrau se transforma em obstáculo). Por isso, para os cegos é importante a sinalização podotátil. O relevo do piso é percebido pelo cego através da bengala, o que orienta sua circulação. A cor contrastante em relação ao piso comum ajuda ainda a mobilidade das pessoas com baixa visão. Essa parcela da população, aliás, também pode ter melhorada sua qualidade de vida nos condomínios com pequenos cuidados, como a instalação de sensores de presença em halls de entrada, por exemplo. “Até chegar à cegueira total, eu vivi um tempo com baixa visão, e tinha dificuldades de adaptação na passagem de um ambiente claro, como a rua, para um escuro, interno, e nesse caso a iluminação é importante”, aponta. Mas, antes que o síndico saia promovendo modificações no prédio, Grandi acredita ser essencial ouvir os moradores do condomínio e suas necessidades. “Há coisas que nem são obrigatórias, às vezes são alterações que podemos fazer guiados pelo bom senso. É importante ouvir as pessoas, elas gostam que alguém se preocupe com elas”, aponta.

Sensibilizar-se para o problema das pessoas com deficiência já significa um grande passo rumo à acessibilidade. A vereadora de São Paulo Mara Gabrilli tem feito a sua parte nesse sentido. Ela costuma enviar a síndicos e administradores de condomínios uma carta com o objetivo justamente de sensibilizar os gestores de edifícios da necessidade de respeitar o acesso de todos à edificação, promovendo uma maior independência e segurança no deslocamento dos deficientes no prédio. Mara diz na carta: “Apenas na cidade de São Paulo vivem hoje 3 milhões de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Apesar do número expressivo, são paulistanos que pouco vemos nas ruas por um simples motivo: a pouca acessibilidade da cidade, a começar pelos edifícios onde residem e suas calçadas. Esta é a primeira de muitas e imensas barreiras que precisamos enfrentar diariamente. Digo nós, em primeira pessoa, porque estou entre estes 3 milhões de paulistanos. Sofri um acidente de carro aos 26 anos de idade e fiquei tetraplégica.”

Mara afirma que apesar do Poder Público ainda precisar investir muito em calçadas acessíveis, ônibus adaptados, edificações com rampas, entre outras estruturas que dependem de orçamento, a sociedade civil tem também a sua parcela de responsabilidade e o seu papel a cumprir. “Não podemos mais passar às pessoas a mensagem velada de que ela não deveria sair de casa e que isso não é problema nosso. A falta de acessibilidade é um preconceito silencioso, porém extremamente limitante”, diz. A vereadora sente na pele a dificuldade em acessar um edifício da cidade: “Dificilmente consigo acessar um prédio pelo andar térreo, que é a entrada comum para as pessoas sem deficiência. Geralmente tenho que entrar pela garagem. Em muitas situações também minha cadeira não cabe no elevador, então sou obrigada a retirar o suporte dos pés para poder entrar. Todas essas coisas causam desconforto e constrangimento desnecessário à pessoa. Caso as leis fossem respeitadas, seria tudo mais simples.”

E leis não faltam para garantir o acesso à pessoa com deficiência. Mara cita: a Lei Federal de Acessibilidade (10.098/2.000) e o Decreto Federal (5.296/2.004) que a regulamenta, o Código de Obras do Município de São Paulo que incorporou as normas técnicas brasileiras de acessibilidade (NBR 9050) em 1.992 e a Lei municipal 11.345/1993 que dispõe sobre a adequação das edificações à pessoa com deficiência, além de outros documentos nacionais e internacionais dos quais o Brasil é signatário. “A legislação brasileira é muito boa, até em relação a países mais desenvolvidos. Porém, o respeito a essa legislação é que fica aquém das necessidades dessa população. Eu sempre digo que se 10% das calçadas na cidade de São Paulo atendessem à legislação de adequação das calçadas, a mobilidade das pessoas com deficiência melhoraria muito. E essa, assim como a maioria das questões de inclusão, depende somente de um pouco de cidadania, já que 90% das calçadas da cidade são de responsabilidade do munícipe. Se cada pessoa fizesse a calçada da sua casa acessível, praticamente a cidade inteira teria calçadas acessíveis”, sustenta. No site da Prefeitura de São Paulo é possível acessar a cartilha do Programa Passeio Livre, com orientações sobre os materiais  adequados e medidas que promovem a acessibilidade nas calçadas.

Partindo da calçada, para tornar um condomínio acessível é preciso investir em reformas como construção de rampas ou instalação de elevadores do tipo plataforma, colocação de portas que abrem para fora, permitindo o socorro de um idoso ou cadeirante que se acidente no interior do ambiente, adequação de banheiros, instalação de corrimãos, entre inúmeros outros itens. “Os prédios novos já atendem à legislação. Lamentavelmente, apenas uma minoria dos edifícios já existentes está adaptada. Geralmente o síndico só promove a adaptação quando há a necessidade, gerada por algum morador”, avalia Hubert Gebara, vicepresidente de administração imobiliária e condomínios do Secovi-SP. Gebara complementa que há a orientação, por parte das administradoras, de que a acessibilidade deve ser garantida pelo condomínio. “Porém, não temos o poder de polícia de fiscalizar cada prédio nesse sentido”, aponta. Só há risco de fiscalização em edifícios se for feita denúncia no Ministério Público por morador ou visitante que se sentir prejudicado pela dificuldade de acesso.

Mara Gabrilli admite que nem sempre é simples adaptar uma edificação. “Adaptar é mais caro do que construir acessível. Tornar acessível sem dúvida tem um custo, porque demanda reformas, materiais, intervenções. Acredito que as pessoas não façam a acessibilidade primeiro por desconhecimento, mas o custo também é um fator que prejudica o processo de adequação das edificações. Mas as mudanças podem ser feitas aos poucos. A cada nova reforma ou manutenção, o responsável pela edificação pode implementar uma adequação”, avalia. As leis existem e precisam ser respeitadas, completa Mara: “Uma das ferramentas de que dispomos são as campanhas de orientação e sensibilização para que, no exercício da cidadania, cada pessoa faça sua parte para melhorar a cidade para as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Acredito que o condomínio possa criar um cronograma de obras de acordo com suas possibilidades orçamentárias visando o bem-estar de todos seus moradores, presentes e futuros. Nunca é demais lembrar que seremos idosos um dia e precisaremos de facilidades para nosso ir e vir.” 


Matéria publicada na edição 136 jun/09 da Revista Direcional Condomínios

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