Brigas entre vizinhos: barulho em cima de barulho

Ruídos excessivos ou fora de hora permanecem como os grandes pivôs de conflitos e reclamações. Geram mais barulho. O jeito é aplicar ou alterar o regulamento, fazer mediação, usar o bom senso e buscar a pacificação.

Desde o final de junho, as obras de alvenaria, de retirada de batentes e outras intervenções que impliquem em quebras e barulhos estão vetadas aos sábados nos cinco prédios do Condomínio Residencial Nossa Senhora do Ó, no bairro da Freguesia do Ó, zona noroeste de São Paulo. Também a retirada de entulho neste dia foi proibida, após alterações no regulamento interno serem aprovadas em assembleia extraordinária.

Aos sábados, permanecem liberadas apenas pinturas e o uso de furadeiras, no período entre 10 e 17h. “Tínhamos muitas reclamações por causa do barulho, as pessoas querem descansar nos finais de semana”, lembra a subsíndica Helenice Chermucsnis Vieira Tavares. Antes que houvesse maiores rusgas, decidiu-se pelas mudanças, mas nem sempre isso é suficiente. “É preciso ainda o bom senso de cada um para não causar incômodo aos vizinhos”, destaca Helenice. Outro tipo de reclamação que motivou as novas regras veio dos transtornos causados pela sujeira das obras. Mas é o barulho que aparece como o grande vilão do convívio pacífico entre vizinhos, observa a administradora Rosely Benevides de Oliveira Schwartz. Rosely é professora do curso de Administração de Condomínio da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), autora de Revolucionando o condomínio (Editora Saraiva), que já se encontra em sua 12ª edição, e concluiu recentemente um MBA em Gestão de Facilidades, pela Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo). A segunda maior fonte de queixas é alimentada pelo descuido com os animais, seja pelo barulho, sujeira ou mesmo pela circulação sem coleira. Depois vem a infiltração, com vazamentos de um apartamento para o outro, seguida pela briga por vagas de garagem, principalmente as “presas”.

“Quando a pessoa decide morar em um condomínio, tem que saber que está pidindo a propriedade. E mesmo tendo convenção e regulamento, é preciso bom senso, porque há situações que não estão previstas nas normas e aí o síndico deve agir como um conciliador, um pouco também como psicólogo, chamar as partes, conversar”, analisa Rosely. A administradora cita o caso de uma mudança ocorrida em seu prédio, que veio do Rio de Janeiro em um sábado e, por problemas com o trânsito, extrapolou o horário permitido pelo regulamento. “Não poderíamos impedir que a mudança prosseguisse”, diz a administradora, conselheira no condomínio em que mora. A saída foi arrumar um local na área comum do edifício para que a descarga acontecesse de uma única vez, e somente então ser levada para o imóvel. Mas quando nem regulamento nem bom senso resolvem, o jeito é convocar assembleia e colocar em votação normas capazes de institucionalizar um padrão de comportamento em relação ao assunto sobre o qual há discordâncias recorrentes.

Rosely sugere que os moradores sejam estimulados sempre a se organizar em comissões para estudar e propor alternativas quando novas regras estão em debate. “As pessoas vão compreender que é preciso ter um pouco de organização. Assim, o síndico deixa de ser ‘o chato’. Quando ele assume, é importante que deixe claro, logo na primeira reunião, que não é dono do prédio, mas está pidindo uma responsabilidade.” Outra saída é estabelecer no próprio regulamento critérios de advertência verbal e posteriormente de escrita sobre o comportamento que gerou o conflito e que tenha contrariado as normas. A verbal deve ser feita já com previsão de multa em caso de reincidência, recomenda Rosely. É claro que em casos de danos ao patrimônio, a multa precisa ser aplicada num primeiro momento, obrigando-se ainda o condômino a repor o equipamento danificado, esclarece.

“O síndico pode recorrer também ao conselho e levar para a assembleia, procurando estabelecer os critérios de ponderação e ressarcimento do dano.” A mediação surge como outra boa alternativa.

Em último caso, sobra o recurso à Justiça. O Código Civil, em seu artigo 1277, prevê o direito de vizinhança, em itens como segurança, sossego e preservação da saúde e higiene. Para o advogado Celso Luiz Gomes de Figueiredo, síndico e administrador de quatro condomínios residenciais, a advertência e a imposição de uma primeira multa têm conseguido coibir a continuidade dos conflitos. O papel do síndico é zelar pelas normas, orienta o advogado, as quais estão estabelecidas pela convenção (“uma espécie de constituição do condomínio”), regulamento (“corresponde ao papel das leis ordinárias”) e portarias (“que não podem contrariar os instrumentos anteriores”.) No entanto, no momento em que acontece uma briga entre moradores, o ideal é “deixar esfriar para somente no dia seguinte tomar as devidas providências”. O mesmo procedimento deve ser adotado “nas discussões familiares que extrapolam a intimidade do lar”. Quanto aos vazamentos que envolvem as unidades autônomas e não tenham a ver com a estrutura da edificação (como as colunas, por exemplo), o advogado recomenda ao síndico atuar apenas como mediador entre os vizinhos, pois a solução do problema extrapola as suas funções. “O máximo que ele pode fazer é procurar intermediar para que a situação se resolva amigavelmente.”

Uma dica que a advogada Ana Luiza Pretel dá aos síndicos é procurar descobrir o “motivo oculto” do conflito. “O mediador precisa identificar a causa real da discussão, pois às vezes a motivação aparente apenas esconde paqueras não correspondidas, ciúmes por profissão ou patrimônio, implicância com o modo de vida ou a beleza de alguém e até mesmo com um inadimplente.” Muitas vezes, prossegue Ana, a briga recai sobre o comportamento de um animal ou o enfeite utilizado na porta ou hall, quando na verdade a fonte da discussão é outra e não foi verbalizada. A advogada observa que é comum existir uma pré-disposição para a implicância contra os moradores reincidentes no atraso do condomínio.

Ana Pretel é uma das fundadoras da ABRASOL – Associação Brasileira para Soluções de Conflitos, criada em princípios deste ano com o objetivo de difundir a prática da mediação, “a pacificação social”. A entidade pretende oferecer palestras aos síndicos, administradores e também nas escolas, preparando-os para atuar na intermediação de conflitos. Pois a convenção e o regulamento em geral não preveem peculiaridades como latidos de animais, carros maiores que as vagas de garagem, entre outros, analisa Ana. Nesse sentido, a especialista acredita que a mediação procura “chegar a uma resolução que atenda ambas as partes, sendo essa resolução alcançada por elas mesmas sem que um terceiro ou juiz decida por elas. Sempre com auxílio do mediador que adota técnicas próprias para auxiliá-los na pacificação do conflito”. Ana lembra, por exemplo, que as edificações mais recentes reverberam muito o ruído. “É um dos itens que mais incomodam, porque quem está em casa quer sossego.” A advogada ressalta a necessidade de combater entre os moradores a ideia de “que sou dono e acabou”. “O condomínio é uma grande família e precisa aprender a lidar com as diferenças e conhecer os limites. O meu direito de propriedade não pode estar acima do direito da paz de meu vizinho, nem da função social desta propriedade”, defende.


Matéria publicada na edição 139 set/09 da Revista Direcional Condomínios

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