Braço direito dos síndicos e profissional do tipo faz-tudo, o zelador é aquele que aprende muito na base da força de vontade. Mas o perfil da função está mudando e exigindo cada vez mais qualificação. Nada que pessoas de iniciativa como muitos Josés não possam superar.
O zelador José Alves de Freitas Neto tirou férias e assim como sonham ou programam boa parte dos moradores de São Paulo, rumou para a praia com a família. Monguaguá foi o seu destino, mas mal chegou à baixada santista e recebeu um telefonema, por volta da 1h da manhã. Seria preciso retornar de imediato, porque alguém havia fechado a água do condomínio e ninguém conseguia sequer localizar o registro. “Voltei para evitar problemas maiores, como a queima de algum equipamento”, explica José, que desempenha uma função parecida com a de muitos profissionais dos serviços de emergência. “Do zelador sempre se espera pronto atendimento, quem escolhe a profissão tem que estar preparado para essas situações”, diz.
Mas não foi José quem escolheu a função, ela é quem o encontrou há cerca de dezesseis anos, trabalhando como porteiro em um condomínio no Brooklin, na zona Sul da cidade. Ex-lavrador emigrado do sertão de Jericó, na Paraíba, ex-guarda de rua, José foi aos poucos galgando sua ascensão social e econômica. De segurança de rua tornou-se trabalhador com carteira assinada na portaria deste edifício residencial e lá mesmo foi promovido a zelador. Aproveitou para estudar, havia parado na 4ª série e agora chegou até o 1º ano do Ensino Médio. “Muito fuçador, curioso”, começou a acompanhar os trabalhos de manutenção no prédio, dos elevadores aos portões, aprendendo de tudo um pouco em termos de hidráulica, elétrica, eletrônica e alvenaria. Participou de muitos cursos por iniciativa própria ou bancados pelos condomínios, especialmente instalações e comandos elétricos.
“É uma história de superação se levarmos em conta a minha vida, de onde vim e onde trabalhava”, pontua José, em uma rápida autoanálise. Hoje pai de duas filhas, um segundo casamento e uma casa construída com as próprias mãos no extremo Sul da cidade, o zelador está trabalhando no Condomínio Maison Lalique. Foi levado para lá desde a sua implantação, há quatro anos, pelo síndico que mudou de um prédio a outro. Essa é a medida da ascensão social na função: “atuar cada vez mais em edifício de melhor padrão”. Pois José responde agora pela administração diária de duas torres de 27 andares, com dois apartamentos por andar, de quatro dormitórios e três suítes, localizadas no bairro de Indianópolis, também na zona Sul da metrópole. Cumpre uma jornada de oito horas diárias, de segunda a sábado, no trato das piscinas, no monitoramento do trabalho da portaria, limpeza, segurança e elevadores e no atendimento às emergências. Realiza ainda cotações para a compra de equipamentos e suprimentos, “zelando pelo interesses dos condôminos”. A ideia é proporcionar a eles “o maior conforto possível” e manter uma postura profissional, aberta ao diálogo.
Profissionalização
Mas a história real de José começa a rarear entre os condomínios de São Paulo. Segundo Luís Henrique Ramalho, diretor geral de uma grande administradora, o perfil dos profissionais contratados para a função está mudando conforme se altera o padrão e estilo dos novos condomínios, cada vez mais voltados a oferecer infraestrutura de lazer e serviços. “Esse mercado mudará em quatro ou cinco anos, está acabando a história do porteiro promovido a zelador, porque há edifícios que exigem um gestor ou coordenador técnico, que saiba lidar com caldeiras, ligações de gás, piscinas aquecidas e os modernos sistemas de segurança.” O administrador observa que há edifícios residenciais com até setenta itens de lazer.
O zelador José tem procurado correr atrás de qualificação, realizou inclusive curso de treinamento para elevador. Também o zelador Walmir David, de 47 anos, há sete no Condomínio Torre Di Lucca, no bairro da Pompéia, zona Oeste da cidade, busca o conhecimento por meio dos cursos de atualização e formação. Com 2º grau completo, Walmir apresenta uma trajetória diferente de José. Não foi necessariamente promovido, optou mesmo por trocar de lado: deixou o departamento de pessoal de uma administradora, onde, entre outras tarefas, contratava zeladores, para candidatar-se a uma vaga que surgiu em um condomínio localizado na zona Leste da Capital.
“Não tinha mais perspectivas dentro da empresa e o salário da vaga era superior ao que eu ganhava.” Paulistano do Tatuapé, Walmir não teve dificuldades em galgar alguns degraus a mais em sua profissão e atualmente seu perfil está mais para um gestor predial que propriamente para a figura clássica do zelador. É ele quem, por exemplo, em meio às planilhas do Excel, realiza o cálculo da conta de água de cada um dos 62 apartamentos do Torre Di Lucca. No entanto, quando necessário, Walmir também carrega pedras para tapar eventuais buracos formados pela chuva e abandonados pela Prefeitura no meio fio, na entrada da garagem. “É preciso ter iniciativa, eu aprendi a trabalhar com isso, antes de ser zelador eu pagava para fazer os pequenos reparos em minha própria casa. Agora, troco tomada, disjuntor e reator de lâmpada”, exemplifica. Sabe ainda contratar serviços, entende minimamente de prumadas, painéis e elevadores e gerencia os funcionários.
O administrador Luís Henrique Ramalho observa que já há edifícios comerciais e residenciais de serviços na cidade contratando profissionais graduados em hotelaria, engenharia e administração ou tecnólogos. Nos condomínios clube também já é comum a presença de gestores de nível superior, dentro de uma faixa salarial que varia entre R$ 3,5 mil e R$ 4 mil. Claro que os edifícios mais antigos, com poucos itens de lazer e sem tanta tecnologia, encontram-se bem atendidos pelo perfil mais tradicional do zelador, que ganha até R$ 2,5 mil mensais. De qualquer maneira, este já deve apresentar atributos diferenciados, como desprendimento, discrição, flexibilidade, controle emocional, interesse e iniciativa, pondera Luís Henrique.
Futuro
Outro administrador, Emerson Lucino de Campos, destaca também o quesito da liderança. “O zelador deve saber cobrar adequadamente e colocar a mão na massa. Ser o parâmetro dos demais funcionários, estar sempre pronto e disposto para assegurar o melhor desenvolvimento do condomínio.” A disponibilidade de moradia no local, além da confiança, complementa o perfil exigido pela maioria dos condomínios. O síndico Carlos Alberto Cesário Vadala, do Torre Di Lucca, observa, por sua vez, a necessidade de conhecimento básico em informática, além de noções de hidráulica, elétrica e estrutura. Segundo ele, o zelador é o “braço direito do síndico”, aquele que fará com que se cumpram todos os procedimentos da vida diária de um condomínio, desde o liga-desliga dos geradores em caso de falta de energia até o cálculo da quantidade de água a ser contratada junto aos caminhões-pipa em caso de desabastecimento.
Advogado pós-graduado em direito trabalhista, Carlos Alberto ressalva, porém, que existem poucos cursos de qualificação para a função. Lembra também a falta de incentivo ou respaldo de muitos síndicos e condôminos. “A falta de preparo e desqualificação traz riscos à segurança”, destaca. Também, conforme pontuam os zeladores José e Walmir, pode comprometer o patrimônio do condomínio, uma vez que a automação está presente em vários equipamentos e exige um mínimo de conhecimento para a sua operação. “O bom profissional tem que ter boa vontade e amor pelo que faz, defendendo os valores do condomínio”, finaliza um orgulhoso José, feliz com a sua trajetória pessoal e profissional e preparando-se para ter um negócio próprio – “um escritório do tipo faz-tudo” – quando vier a aposentadoria.
Matéria publicada na edição 143 fev/10 da Revista Direcional Condomínios
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