O FATOR HUMANO
Os arrastões continuam acontecendo nas grandes cidades, a despeito da utilização de aparatos tecnológicos cada vez mais sofisticados. As quadrilhas se aproveitam de brechas deixadas pela ausência ou o descumprimento de procedimentos de segurança e invadem os condomínios por um dos setores mais controlados, as portarias e as garagens. Confiram os cuidados necessários à prevenção e proteção.
Os números são grandiosos. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança (Abese), 650 mil imóveis são monitorados no Brasil por esses recursos tecnológicos, um mercado que envolve dez mil prestadoras de serviços e movimentou US$ 1,5 bilhão em 2009.
Sistemas de alarmes integrados, câmeras que armazenam áudio e vídeo, equipamentos que se utilizam da plataforma IP (a mesma da internet) para codificar e transmitir informações, além de sensores em infravermelho para proteção perimetral despontam entre as inovações.
Mas diante de outros números que não param de se repetir – em agosto de 2010 a Capital paulista registrou pelo menos três arrastões – os especialistas reiteram: é preciso articular os recursos físicos a normas de procedimento rigorosas, tanto para os moradores quanto os funcionários.
“Um processo de segurança eficaz é aquele que integra os recursos materiais (equipamentos), administrativos (normas) e humanos (funcionários e população fixa), possibilitando sua interação plena. Quando uma destas partes está desconexa, o processo de segurança tende a ser fragilizado e incompleto”, avalia o consultor Eduardo Lauande, especialista na área e pós-graduado em Israel. Informações da assessoria de imprensa da Delegacia de Repressão a Roubo a Condomínios da Capital indicam treze arrastões neste ano (até 1º de setembro). Em 2009, 15 ocorrências foram tipificadas como arrastões, afora grandes assaltos às unidades.
Nos casos de 2010, “o modus operandi dos bandidos continuam semelhantes” aos de 2009, afirma José Elias de Godoy, um dos idealizadores Programa de Prevenção e Repressão aos Roubos a Condomínios no Estado de São Paulo.
“Na Capital eles entram pela frente dos condomínios e, no Interior, utilizam também o perímetro para a invasão”, diz o autor do Manual de Segurança em Condomínios (Editora Igal, 1998) e de Técnicas de Segurança em Condomínios (Editora Senac, 2005). Segundo Elias, “observa-se que a maioria das invasões em condomínios tem ocorrido pela entrada de pedestres e veículos, com falhas de procedimentos de moradores e, principalmente, dos funcionários. Isto se dá pela falta de conscientização dos condôminos e pelo não investimento em treinamento dos colaboradores”.
EQUIPE INTEGRADA
Para a síndica Helga Machado Requena, do Condomínio Parque Residencial Vitória Régia, as regras de conduta têm sido de grande auxílio para a segurança interna e perimetral de suas duas torres e 272 unidades. “Não temos recursos tecnológicos de última geração, são 16 câmeras que funcionam 24 horas por dia e gravam as imagens, monitoradas em nosso próprio escritório, mas desenvolvemos um código de alerta com os funcionários, para conseguirmos transmitir, de imediato, mensagens sobre alguma anormalidade”, descreve.
“Sabemos que os equipamentos são de grande valia, mas não são 100% eficazes em caso de invasão, por isso precisamos do apoio de todos”, o que inclui a própria síndica (que também é gerente predial), o zelador, os funcionários da manutenção e limpeza, os porteiros e o corpo terceirizado da ronda. O condomínio, localizado no Mandaqui, zona Norte da cidade, adotou gradativamente, nos últimos dez anos, práticas que pudessem diminuir os riscos. Há um controle rigoroso de portaria, em que é anotado, em impresso próprio, toda e qualquer entrada no local de empregadas domésticas, diaristas, técnicos, prestadores de serviços e outros.
“São cerca de 150 a 200 pessoas circulando diariamente aqui”, justifica Helga. Os serviços delivery (pizzas, flores, presentes etc.) são registrados e não estão autorizados a adentrarem o condomínio. Prestadores de serviços devem apresentar crachá funcional e RG. Entregas de móveis somente com autorização expressa do morador. E as mudanças dependem de agendamento prévio.
No acesso dos veículos, são permitidos, em situações excepcionais, automóveis de não moradores, mas também sob controle. Há duas entradas de garagens, com funcionários exclusivamente destacados à vigilância e treinados para observar qualquer anormalidade. Novos residentes, inquilinos ou proprietários, preenchem cadastro e recebem, sob protocolo, o regimento interno do condomínio.
Entre as normas, há um termo de responsabilidade que todo adulto deve assinar caso receba um visitante menor de idade. Circulares contendo regras e dicas de segurança são frequentemente veiculadas, entre estas, a orientação de que não se formem rodas de conversas próximas à portaria ou postos de vigilância.
Finalmente, a cada dois meses Helga se reúne com os funcionários para discutir eventuais falhas e tirar dúvidas.
Os colaboradores terceirizados devem atender a um perfil previamente definido pelo condomínio (boa apresentação e domínio da escrita e leitura), além de vir uniformizados e treinados. “É tudo muito trabalhoso, no início tivemos muitas resistências dos moradores, que insistiam para a gente quebrar o galho, diziam que estávamos virando exército, mas imagina liberar a entrega de pizza numa sexta à noite, não seria nada fácil para os porteiros e a ronda controlar tudo”, exemplifica Helga.
TIPOLOGIA DO CRIME
De fato, o consultor José Elias de Godoy afirma que o fator humano responde por 65% das ocorrências e o uso de disfarces aparece como uma das estratégias mais comuns nas invasões.
Outro expediente comum é abordar e render um morador ou funcionário nas proximidades da edificação. “Depois que o bandido entra, tem 60% do assalto na mão”, ressalta Elias. Os alvos escolhidos são, preferencialmente, locais de alto poder aquisitivo ou que ostentem sinais de riqueza, como joias, automóveis caros, equipamentos eletrônicos e outros objetos de valor. Chamam a atenção ainda a ausência ou deficiência dos sistemas de segurança (câmeras, alarmes, sensores, vigilantes etc.), a alta frequência de visitantes, informações privilegiadas e/ou o seu vazamento.
Com base em dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado, o consultor observa que 82% dos casos acontecem entre 18hs às 6hs, “quando os moradores chegam ou saem para trabalhar”. “Os principais alvos dos ladrões são produtos eletroeletrônicos (88%), dinheiro vivo (81%) e joias (59%). O perfil ainda revela que 47% dos crimes são praticados por pequenos grupos, de até cinco pessoas.” Segundo Elias, existem dois diferentes tipos de assaltos a condomínios: os pontuais e os arrastões. Cada um possui uma dinâmica própria. Os crimes pontuais, por exemplo, acontecem em edificações de qualquer perfil econômico, pois os ladrões se aproveitam do chamado “princípio da oportunidade”.
“São muros baixos, portões abertos e porteiros distraídos”, enumera Elias. São cometidos em geral por menores de idade, nervosos e despreparados, por isso seu potencial de violência é bem maior, alerta o especialista.
Já os arrastões são praticados por “bandidos profissionais”, planejados e dotados de infraestrutura. Em um caso registrado em 2009, na zona Norte de São Paulo, a Polícia descobriu que os criminosos investiram R$ 60 mil em locação de armas e demais recursos para promoverem o arrastão. Esse tipo de crime visa a condomínios com no máximo duas torres e um único acesso (pessoas ou veículos). Parte da quadrilha costuma ficar do lado de fora, enquanto o restante se disfarça de morador, familiares, entregadores ou funcionários para invadir o local. É preciso, orienta Elias, “dificultar ao máximo a ação dos criminosos”, a partir de um modelo que ele define como “triângulo da segurança”, envolvendo instalações e equipamentos, treinamento dos funcionários e conscientização dos moradores.
O consultor Eduardo Lauande chama atenção, por outro lado, a um equívoco muito comum entre os condôminos. Eles costumam atribuir “total e exclusiva responsabilidade aos porteiros pelas tarefas de proteção condominial”.
Lauande observa, no entanto, que “ainda que estes reconhecidamente tenham um papel fundamental nas tomadas de ações preventivas e reativas”, os riscos acabam provocados pela indisciplina dos próprios moradores. Entre os muitos exemplos corriqueiros, o consultor destaca o hábito de se manter os portões “‘gentilmente’ abertos para desconhecidos que ainda não foram identificados”.
Matéria publicada na edição 150 set/10 da Revista Direcional Condomínios
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