De olho no futuro do Código Civil – Parte – I

Código Civil

“A apresentação do anteprojeto”

Após 21 anos de vigência do atual Código Civil, que no assunto de condomínios introduziu uma nova filosofia à matéria com pilares conceituais de autorregulamentação, temos já e agora, por uma comissão de 38 juristas, uma nova proposta de alteração do Código Civil entregue no dia 17/04/2024 ao Senado Federal.

Em sua exposição de motivos a comissão do anteprojeto alega que se valeu da “análise da jurisprudência e da doutrina, em especial nas Jornadas do Conselho da Justiça Federal e na jurisprudência do STF e STJ, para proceder à correção de falhas redacionais e para inserir novos dispositivos adequados à realidade constitucional atual”.

No assunto do Direito das Coisas, Livro em que é introduzido o tema Condomínios, a exposição de motivos justifica as alterações no seguinte sentido:

“Atualmente, vige a Lei nº 10.406/2002, que instituiu o Código Civil, a qual, pela proposta, continuará em vigor com os primados da socialidade, operabilidade e eticidade, tão bem defendidos e explicados pelo jusfilósofo Miguel Reale, mentor da Codificação Civil vigente. Assim as sugestões de atualizações se restringem àquelas que, ao viso da Comissão de Juristas, se mostraram absolutamente fundamentais, para acompanhar o progresso social, econômico e tecnológico da sociedade brasileira. A mesma, alega preservar os conceitos originais introduzidos na sociedade brasileira pelo Prof. Miguel Reale no Código Civil vigente, mas acaba por se preocupar mais com interpretações jurisprudenciais e conceitos doutrinários, os quais no campo condominial, ainda possuem um grande ranço da lei 4591/64, trazendo assim à proposta, no campo condominial, a velha ideologia de engessamento pelo regramento padronizado, que tanto Reale combateu.”

Diz ainda quando trata sobre condomínios:

“Na relevante temática do condomínio edilício, é sugerida profunda atualização, com a definição de um regulamento firme e transparente para as garagens, com o reconhecimento da personalidade jurídica do condomínio edilício sempre que esta se mostrar necessária para a consecução de um fim de interesse da comunidade de condôminos, com o combate à inadimplência no pagamento da dívida, decorrente da previsão de multa de dez por cento (10%), e não os atuais dois por cento (2%), com a possibilidade excepcional de cessão de espaço comum para o atingimento dos melhores fins da vida condominial e, por outro lado, com a possibilidade excepcional de exclusão judicial do condômino antissocial.

As sugestões trazidas têm o propósito de tornar a vida condominial a mais harmônica possível, observada a participação democrática dos condôminos nas deliberações em assembleia e previsão na convenção de condomínio. Exemplo digno de nota é a previsão de que o condômino, nos condôminos residenciais, não pode usar a sua unidade para fins de hospedagem atípica, seja por intermédio de plataformas digitais, seja por quaisquer outras modalidades de oferta, salvo autorização expressa da convenção ou da assembleia.”

Mas seria isso verdadeiro.

Tenho para mim que ao buscar uma correção de dúvidas práticas, o anteprojeto, por privilegiar a jurisprudência e doutrina clássica, não mantém o conceito original do código atual, perde a oportunidade de aprimorar e enrijece com conceitos e preocupações de buscar soluções, gerando outras confusões que fatalmente serão tratadas nos tribunais, além de terem algumas propostas com nuances de inconstitucionalidade, por privilegiarem o que se deveria ser e não o que se poderia deixar para os condomínios regulamentarem. Um receio da sociedade se autodefinir e regrar sua vida (conceito original do Código Civil). O Anteprojeto, DMV, por falta de luzes práticas e está ancorado no conceito passado da lei de 64, no campo condominial, é para mim um retrocesso à sociedade condominial apegado ao conceito acadêmico focado na máxima que a lei determina, quando esta, no atual código, transfere ao condomínio uma autorregulamentação.

Sendo certo que a autorregulamentação por alteração de convenção, tão almejada, somente pode ser colocada em prática em sua excelência pelo instrumento da sessão permanente introduzida em nosso ordenamento em 2022.

As mudanças, ainda que poucas em questão de quantidade de artigos, são suficientes para bancar grande número de ações judiciais futuras, se mantidas, e mais, capazes de gerar grande discussão sobre constitucionalidade das mesmas.

Durante os próximos meses, quinzenalmente traremos um tema diferente, comentando as alterações propostas, bem como o andamento do anteprojeto junto ao congresso.

Leia também:

Autor

  • Cristiano de Souza Oliveira

    Advogado e consultor jurídico condominial há mais de 28 anos. Mediador Judicial e Privado cadastrado perante o CNJ. Integra o quadro de Câmaras de Mediação e Arbitragem no campo de Direito Condominial. É Vice-Presidente da Associação dos Advogados do Grande ABC, Membro do Grupo de Excelência em Administração de Condomínios - GEAC do CRA/SP, palestrante e professor de Dir. Condominial, Mediação e Arbitragem, autor do livro "Sou Síndico, E agora? Reflexões sobre o Código Civil e a Vida Condominial em 11 lições" (Editado pelo Grupo Direcional em 2012). Sócio-diretor do Grupo DS&S. Diretor do Instituto Educacional Encontros da Cidade – IEEC. Já foi Presidente da Comissão de Direito Administrativo da 38ª Subseção da OAB/SP – Gestão 2016-2018 / Presidente da Comissão de Direito Condominial da 38ª Subseção da OAB/SP – Gestão 2019-2021 / Ex - Membro na Comissão de Direito Condominial do Conselho Federal da OAB e da Comissão da Advocacia Condominial da OABSP –2022.