Que atire a primeira pedra o síndico que nunca enfrentou com preocupação uma pintura de fachada. Mesmo que o condomínio tenha a verba necessária e que o prestador de serviço seja selecionado com o máximo rigor, obras de fachadas provocam alterações no dia a dia do edifício, exigem muita dedicação do zelador e síndico e por vezes acarretam alguns perrengues para a gestão.
Para a engenheira civil e perita Fabiana Albano, diretora técnica do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo (IBAPE – SP), antes mesmo de pensar na pintura deve-se lembrar da lavagem da edificação. “Fachadas devem ser lavadas. Não basta pintar e daqui a alguns anos repintar. A lavagem faz parte da manutenção do edifício, se estiver prescrita no manual de manutenção, uso e operação do prédio, o manual do síndico”, explica Fabiana. Um exemplo simples: as pingadeiras (tipo de acabamento utilizado em janelas ou peitoris de sacadas), possuem ranhuras na parte de baixo justamente para que a água escoe pela pingadeira e não suje a fachada. Com o tempo, essas ranhuras enchem de sujeira e a chuva ácida acaba escorrendo e danificando a fachada. “Não é um problema construtivo, mas de falta de manutenção, e que pode ser facilmente solucionado com a lavagem do prédio”, orienta a engenheira.
“As fachadas devem ser manutenidas periodicamente conforme
disposto na ABNT NBR 5674 – Manutenção nas Edificações, que determina que a cada três anos se deve lavar as fachadas e inspecionar para verificação da sua integridade (testes à percussão).”(Marcos Alexandre de Oliveira, engenheiro, Qualibuild Engenharia Diagnóstica)
A falta de lavagem pode causar outro problema sério para os condomínios: a perda de garantia da construtora. “Pela NBR 17.170, conhecida como norma de garantias, para manter a garantia de um sistema é preciso cumprir o manual de uso, operação e manutenção. Se no manual constar que deve ser feita a lavagem e ela não foi feita, o condomínio perde a garantia”, aponta Fabiana, que explica: “Em grandes centros urbanos temos uma poluição no ar bastante agressiva. Se não se faz a manutenção com lavagem periódica, o sistema de pintura, ou outro tipo de revestimento que o prédio tenha, será deteriorado pela acidez da poluição.”
Fabiana Albano: Engenheira enfatiza que lavagem faz parte da manutenção do edifício
Fabiana comenta também que a limpeza com jato d´água feita no processo de pintura não chega a ser uma lavagem completa. “Apenas retira a camada de poeira para que a aderência da pintura não seja prejudicada.” É comum que os condomínios considerem a lavagem periódica um gasto desnecessário, o que é um erro, segundo a diretora do IBAPE-SP. “Qualquer tipo de providência de preservação do sistema está contribuindo para um aumento da sua durabilidade. Uma manutenção periódica, como a lavagem, aumenta a durabilidade de um sistema. Temos um gasto muito menor, periódico, que faz o revestimento durar mais tempo”, orienta.
“A fachada de um condomínio é o seu cartão de visitas. Mantê-la preservada é necessário. Os serviços de manutenção e recuperação de fachadas contribuem com a vida útil da construção e com a valorização patrimonial.”
(Rezielio Rafael, engenheiro civil, Engenharq)
Mas é preciso estar sempre de olho no manual do síndico. Por exemplo, deve-se lavar o prédio somente com água ou com outro produto, como cloro? Meu prédio é de pastilha ou revestimento cerâmico, como faço a manutenção? As respostas a essas e outras dúvidas estão no manual. E para prédios mais antigos, que não possuem o manual do síndico, o ideal é pedir auxílio técnico. “Com uma inspeção predial feita na fachada com intervalos de três a até cinco anos, o síndico consegue monitorar todas as anomalias que aparecem no revestimento, resolvendo-as prematuramente, antes, por exemplo, de um desprendimento volumétrico. A inspeção é um check-up da edificação, que detecta os problemas, ajuda o síndico a planejar manutenções, mas não busca nexo causal”, resume Fabiana.
No caso de a inspeção acusar algo crítico, é preciso ir mais a fundo e fazer uma perícia, verificando causas e procedimentos corretivos. “A perícia faz a análise da anomalia. No caso de fachadas, é feito um mapeamento, descendo até com balancim. Por exemplo, as juntas de dilatação da fachada, com um material polimérico e flexível, devem ser tratadas e costumam ser ignoradas. Existem outros atributos na fachada que precisam ser verificados”, orienta.
Inspeções Detalhadas
Síndico profissional há mais de 15 anos, Luiz Antonio Vieira, que também é engenheiro civil, tem como uma das pautas do checklist periódico de seus prédios justamente a inspeção detalhada das fachadas. Ele e mais dois engenheiros colaboradores costumam vistoriar as fachadas subindo em apartamentos vazios e até mesmo usando gravações e fotos feitas por drone, identificando fissuras, desgastes ou problemas estruturais. “Não dá para prescindir da inspeção. A falta de inspeção torna a intervenção cada vez pior e mais cara”, diz Luiz.
Recentemente, Luiz cuidou das fachadas de dois condomínios com histórias distintas. Um deles, em Moema, estava com desprendimento das pastilhas das fachadas frontal e dos fundos. “Em assembleia decidimos encobrir as pastilhas com textura e pintar o prédio. O resultado ficou excelente, enquanto recompor as pastilhas é difícil porque há muita diferença de cor na reposição do material”, comenta.
“A lavagem é um dos principais mecanismos de preservação da fachada, pois remove agentes nocivos ao revestimento, proporcionando maior durabilidade e segurança na pintura do prédio.”
(Eduardo Santos, diretor-operacional, Trade Pintura Predial)
Antes da obra (à esq.), fachada de condomínio em Moema com desprendimento de pastilhas; ao lado, novo visual com textura e pintura. No detalhe, o síndico Luiz Antonio Vieira
O outro condomínio, no Alto de Pinheiros, passou por tratamento da fachada em tijolos e concreto. “As vigas em concreto aparente tinham um vício construtivo: quando não é feito o recobrimento adequado das armaduras, com o tempo elas enferrujam e há uma corrosão de dentro para fora, causando o desprendimento do concreto. Tratamos adequadamente a patologia, eliminando o desplacamento e preservando a integridade do prédio. Nos tijolos foi feita uma boa lavagem e após a secagem, foram aplicados silicone e resina acrílica para impermeabilização do material. Assim o tijolinho não absorve mais a água”, esclarece o síndico, que reforça a importância da parceria do zelador nos períodos de pintura. “Zelador não deve sair de férias nessa época e acompanha o dia a dia da obra. Ele é um parceiro do síndico.”
A síndica profissional Cássia Capuzzo concorda. “Pintura de fachada é um trabalho de várias mãos, síndico, empresa, moradores e zelador, que é uma peça muito importante”, afirma. Quando começa uma obra de fachada, a primeira coisa que Cássia solicita para a empresa contratada é o cronograma de execução – além da ART, do seguro da obra e do seguro de vida dos funcionários. Afinal, “o condomínio é corresponsável em caso de qualquer acidente”, avisa.
Com o cronograma em mãos, a síndica sabe quais áreas comuns serão isoladas e em que período. Ela emite também um comunicado aos moradores e repassa a eles cópia do cronograma. E aí entra em cena o zelador, interfonando às unidades para avisar que janelas deverão ser fechadas, verificando se os pintores estão utilizando corretamente os EPIs, cuidando para que as áreas do térreo estejam isoladas, acompanhando retiradas de telas das janelas das unidades, entre outros detalhes. “O síndico deve resguardar a vida de todos. E ele não pode se eximir da responsabilidade por não estar no condomínio todos os dias. Ele tem que delegar essa responsabilidade para o zelador”, sustenta.
“Conforme pesquisas, mais de 70% das pessoas interessadas em adquirir um apartamento consideram como item primordial no processo decisório, o estado de conservação das áreas comuns, em especial das fachadas. Mantê-las em excelentes condições vale a pena.”
(João Milton Rodrigues de Oliveira, sócio-proprietário, Artom Pinturas Prediais)
Na opinião da síndica Cássia, mesmo que o gestor não decida quais materiais ou técnicas serão aplicados, ele deve entender do que se trata a obra. Ela se recorda de um condomínio onde foram trocados brises (quebra-sol) de madeira por outros de ACM (do inglês Aluminum Composite Material). “Estudei muito para entender o que estava oferecendo ao condomínio. E se o síndico não tem condições técnicas, deve contratar um engenheiro para lhe dar suporte”, acredita Cássia, que é síndica há 15 anos e hoje trabalha com condomínios menores, com até 70 unidades.
Edifício Tombado
O condomínio São Thomaz, no centro histórico de São Paulo, é um dos edifícios administrados por Cássia. Tombado pelo Conpresp – Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo e pelo Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, o São Thomaz foi construído em 1949. Os órgãos públicos não aceitam que as fachadas sejam pintadas, mas que seja feito um restauro utilizando a mesma massa que revestiu o prédio na época da construção. “Sou síndica do condomínio há 14 anos. Já fizemos várias reformas, falta apenas a fachada, mas só o projeto de arquitetura custa por volta de R$ 100 mil.”
Ao estudar como obter a verba para a restauração, Cássia descobriu que prédios tombados têm um diferencial, que é a possibilidade de negociar o potencial construtivo, o qual se refere ao direito de transferência de área aprovada para a edificação, mas não utilizada em sua totalidade. “O condomínio pode vender o potencial construtivo no mercado imobiliário e utilizar esse valor no restauro da fachada”, comenta a síndica.
Cássia Capuzzo e a fachada do edifício São Thomaz, cujo restauro terá de ser feito com o mesmo tipo de massa usada na época de construção
Cássia está pesquisando e orçando com escritórios de arquitetura especializados em restauro o custo do projeto, enquanto aguarda o reconhecimento da declaração de potencial construtivo do edifício pelo Conpresp e Condephaat. Segundo a síndica, é um caminho árduo, que exigiu dela muito esforço, estudo e dedicação. “Esse foi o maior desafio em minha trajetória na sindicatura. Aprendi a lidar com os órgãos públicos, e estou aprendendo ainda”, arremata Cássia.
“Assim como demais sistemas construtivos, a fachada predial também deve obedecer a todos os critérios técnicos, dentre eles, a realização das manutenções periódicas, as quais estão correlacionadas à vida útil do sistema, tornando-o mais duradouro e seguro aos condôminos.”
(Leonardo Dauerbach, engenheiro civil, L.Utida)
Matéria publicada na edição 300 mai/24 da Revista Direcional Condomínios
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Jornalista com larga experiência em reportagens e edição de revistas segmentadas. Editora do site e Instagram O melhor lugar do mundo, voltado à decoração, arquitetura e design. Editora da Panamby Magazine, publicação dirigida aos moradores do bairro do Panamby, região do Morumbi, em São Paulo. Desde 2005 também atua na área da educação, com publicações especializadas e cursos para formação de professores.