DOG HERO + AIRBNB = FÉRIAS DO BARULHO. SERÁ?

Julho está chegando e a hospedagem de caninos e humanos em condomínios, viabilizada por plataformas digitais, pode tirar o sossego de muita gente.  Confira estratégias para melhor acomodar a situação “

AS FÉRIAS do meio do ano vêm aí. Por um lado, pessoas se movimentam em plataformas como Airbnb atrás de hospedagem por curto período. Outras, que precisam acomodar o cão ou gato, aves e porquinhos-da-índia pelo período em que estiverem viajando sem o animalzinho, recorrem a plataforma Dog Hero, que conecta tutores de pets a anfitriões – estes recebem os bichinhos em seus lares pelo tempo que o cliente necessitar. Existe também a modalidade creche, na qual a mascote passa a dia inteiro na casa do cuidador. Por outro lado, os condomínios residenciais se veem às voltas com hóspedes humanos e caninos e têm que lidar com uma realidade que não existia num passado nem tão remoto assim.

A Airbnb desde 2012 concorre com o setor hoteleiro no Brasil. Já a Dog Hero nasceu em 2014 em solo nacional, validada pela ascensão da comunidade pet. “Com as devidas proporções, quem pratica Dog Hero lembra um pouco a dona de casa que cuidava das crianças da rua ou proximidade, para as mães trabalharem fora, e assim adicionavam uma renda extra ao orçamento da família. Nos condomínios, há uma parte de clientes de uma mesma edificação, e outra externa. Isto porque, semelhante ao Uber, que disponibiliza motoristas próximos ao usuário, o aplicativo pet mostra aos tutores os anfitriões mais perto dele, facilitando o processo de hospedagem”, compara o advogado Diego Basse, há 20 anos na área condominial.

O advogado Diego Basse observa que a prática de Dog Hero pede regras claras

Sobre exercer atividade remunerada em residenciais, Diego aponta que no pós-pandemia cresceu a oferta de facilidades em condomínios. “O próprio minimercado, tão em alta, não é um tipo de comércio?”, questiona. Para ele, as reclamações dos condôminos só miram no desvirtuamento de finalidade quando uma atividade passa a incomodar. “Lembro de uma condômina que fez bolos para vender durante anos, todo mundo sabia e comprava! Na pandemia, as encomendas minguaram, então ela se reinventou vendendo pelo iFood. Só que o tráfego de motoqueiros do aplicativo desagradou à massa, que exigiu o fim da atividade. Com Dog Hero, acredito ter muita gente praticando, mas enquanto não gerar desconforto, não vai parar em assembleia”, comenta.

No Edifício Baronesa de Arary, condomínio icônico na Avenida Paulista, composto de 559 unidades, que vão de 37 a 186 m², a questão Dog Hero rendeu discussões acaloradas, como lembra o fotógrafo Ignacio Aronovich, que na ocasião ainda atuava como síndico orgânico no empreendimento. Tudo começou com reclamações recorrentes contra duas moradoras, inquilinas, que recebiam vários pets ao mesmo tempo em suas respectivas quitinetes. “Certa vez uma delas se ausentou de madrugada, gerando uma sinfonia de latidos; noutra, um dos cachorros escapou da guia na garagem. Havia, ainda, urina nas áreas comuns, gente com fobia tendo de conviver com aglomeração de cães dentro do elevador, e o risco iminente de queda de algum pet devido à sacada sem rede de proteção”, enumera Ignacio, que completa: “Convoquei uma assembleia virtual para resolvermos a situação, que atentava contra o sossego, a saúde e segurança na vida da vizinhança”.  

O imbróglio do Baronesa rendeu porque embora se constatassem inconvenientes na atividade, uma expressiva gama de moradores se valia da conveniência de hospedar os pets no próprio condomínio. O caso foi acompanhado pelo escritório de Diego Basse em 2023. “De imediato pensamos em proibir, mas logo entendemos que aquela comunidade queria aquilo, entretanto precisava de regras, por isso criamos um regulamento interno para o tema Dog Hero, que pretendo em breve replicar em um condomínio de São Bernardo”, fala Diego.

O advogado recomenda aos condomínios que forem criar regras para permitir a prática do Dog Hero, que observem a quantidade limite de pets nas unidades, as indicações sanitárias e principalmente o sossego, a salubridade e a segurança dos demais proprietários, destacados pelo artigo 1336 (IV) do Código Civil. “Adicionalmente deve constar expressamente que o condomínio não possui qualquer responsabilidade pelas mascotes hospedadas. Ainda que as mesmas transitem pelas áreas comuns, usem o elevador ou mesmo o pet place, o anfitrião/cuidador, sob o aspecto consumerista, é o responsável pelo pet de terceiro atendido pela plataforma”, observa o especialista em direito condominial.

Em condomínios que tenham pet place, inclusive vale considerar no regramento se esse espaço poderá ser utilizado pelos pets de fora. “Entendo que não, ainda que o pet place esteja ocioso. E se o síndico escutar que se trata de discriminação, poderá argumentar que são as regras do empreendimento. Por analogia, não existem condomínios que proíbem o uso da piscina para não moradores? Para novas conjunturas, costumo adaptar situações que já vivenciamos”, diz Diego.

E quando em vez de pet, é uma criança, hospedada no esquema Airbnb, que vem nas férias com a família visitar a cidade e, entre um passeio e outro, quer ir ao playground? “Tendemos a ser flexíveis com crianças, então acho que deve ser visto caso a caso, e temos de considerar também as regras de cada condomínio para Airbnb, se abordam utilização de outras áreas como, por exemplo, o playground”, pondera Omar Anauate, presidente da AABIC (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo. “Eu tenho pena de uma criança ver que tem parquinho ou piscina e não frequentar, e se depender de mim, ela vai usar, exceto se constar a proibição no regramento. Por isso é importante haver regras, porque não é o síndico que está proibindo, e sim o regulamento”, acrescenta o síndico profissional Sylvio Levy.

 

O síndico profissional Sylvio Levy pontua que quando restrições de Airbnb constam no regulamento evitam constrangimentos

Nos edifícios que permitem locações na modalidade Airbnb, a melhor saída para evitar situações constrangedoras para o síndico é pontuar no regulamento quais áreas estão disponíveis para locações de curta temporada, a exemplo de lavanderia, e dificultar o acesso àquelas que não estão, como academia, piscina, salão de jogos etc. e, se for o caso, recorrer a barreiras do tipo leitor facial nos acessos. Quanto ao perfil dos usuários da plataforma de locação de curta temporada, Sylvio orienta os condôminos para que seja colocado nas regras que o condomínio só aceita hospedagens de, no mínimo, três dias. “Essa estratégia ajuda a excluir quem aluga para praticar atos ilícitos, ou jovens que vêm para assistir um show de fim de semana na capital, e lotam a unidade de pessoas para beber madrugada afora, tirando a paz dos outros”.  

Nos últimos três anos, a maior parte das construções com estúdios residências (R) e não residenciais (NR) traz no DNA a proposta de separar fisicamente a ala de unidades convencionais da ala destinada ao Airbnb e similares (ou a consultório/escritório). “Percebo que há migração das hospedagens de Airbnb para estúdios NR, mas os condomínios mais antigos, bem avaliados pelos usuários da plataforma, ainda têm procura”, diz Sylvio, responsável por dez implantações com essa característica. Entretanto, o síndico profissional, e também Diego Basse, relatam que ainda faltam alguns ajustes para que esses empreendimentos contemplem de modo harmonioso condôminos, investidores e locatários.

O advogado pontua que o condomínio deve respeitar o que cada comunidade local aceita. “Alguns empreendimentos, por sua tipologia, idade da população e localização, tendem a absorver com maior facilidade as novidades tecnológicas e as mudanças de costumes; entretanto é legítimo que outros condomínios sejam mais conservadores. Cabe ao síndico, corpo diretivo, gestores e até assessoria jurídica terem sensibilidade para modular situações que inovam costumes, preferencialmente mediando-as e criando regramentos para acomodar o anseio da maioria”, arremata Diego.

Matéria publicada na edição 301 jun/24 da Revista Direcional Condomínios

Não reproduza o conteúdo sem autorização do Grupo Direcional. Este site está protegido pela Lei de Direitos Autorais. (Lei 9610 de 19/02/1998), sua reprodução total ou parcial é proibida nos termos da Lei.

Autor