Síndica Fernanda Chaves, 40 anos, convive com a doença desde a juventude

Síndica Fernanda Chaves

“Esclerose múltipla não define meu desempenho”

“Minha história seria muito diferente se eu não fosse filha da Dona Mariana, uma mulher de força ímpar, nascida no interior da Bahia, que se rebelou contra o roçado e fez o pai enviá-la à escola. Aos 20 anos, veio sozinha para São Paulo, foi cobradora de ônibus, auxiliar de enfermagem, depois, enfermeira, vindo a se aposentar na maternidade Pro Matre. Fez trabalhos extras, como treinar babás em residências com recém-nascidos. O meu pai era maitre do Baby Beef Paes Mendonça, um homem incrível, que faleceu cedo. A minha mãe era fantástica: construiu a nossa casa no Itaim Paulista e incentivou os três filhos a estudar – tenho um irmão engenheiro e um arquiteto formados em faculdade pública. Ela foi meu suporte quando fui diagnosticada com esclerose múltipla aos 19 anos.

Numa manhã de 2001, acordei cega dos dois olhos, e assim permaneci por seis meses. O que se seguiu foi uma romaria a hospitais e consultórios. Um dos meus irmãos trabalhava e ajudou a custear especialistas não cobertos pelo convênio. Já o caçula me ajudou a conviver com a nova condição em casa. A fé da minha mãe em Nossa Senhora Aparecida, intensa, me deu esperanças de voltar a enxergar. Hoje sou devota e carrego a imagem tatuada no braço.

Passado um tempo, enfrentei outro sintoma da doença: perda de sensibilidade e movimento dos membros inferiores. Além de internações para tomar medicação específica, fiz hidroterapia e equoterapia, terapia com cavalos. Usei cadeira de rodas, muletas, e meses depois, pude andar sozinha. No início de 2023, tive outra crise, que paralisou só a perna esquerda e durou três meses, mas permaneceu um pouco de fraqueza muscular. A esclerose não é igual para todo mundo, comigo foram crises pontuais. Não sei como será a evolução da doença no futuro, então me cuido no presente.

Eu sou plenamente capaz de executar tarefas, dinâmica, e a ideia de ficar parada me aflige. Minha mãe faleceu dois anos após parar de trabalhar; não aguentou ficar em casa. Eu sou assim. Quando tive a visão temporariamente interrompida, tranquei a faculdade de Direito, mas depois me formei – sou graduada também em Designer de Interiores, com especialização em Paisagismo. Apesar dos novos, e duros, desafios, segui em frente. Sonhava ir à Europa, e fui. E pude gerar uma vida! Sou mãe de um garoto lindo e saudável. Conheci o pai do meu filho em um evento da OAB, um gentleman, 22 anos mais velho. Após cinco anos sob o mesmo teto, engravidei. Porém, antes do bebê fazer um ano, nos separamos, mas me alegra ter dado ao meu filho o melhor pai do mundo.

Fui morar em um condomínio de três torres no Brás, perto do Metrô Pedro II. Eu já conhecia o lugar porque tinha amigos lá e gostava daquele espaço com parquinho, churrasqueira e muita área verde, com mais de 50 árvores catalogadas. Quando descobri tratar-se de uma construção classificada como Cohab de alto padrão, achei a denominação engraçada, mas reconheço que é um prédio diferenciado, assim como seus pares do entorno. Eu tinha um bebê, um emprego no jurídico da multinacional Tokio Marine, e ainda assim me tornei síndica para melhor cuidar do condomínio e seus habitantes.

A doença me fez olhar para o próximo. Passei por várias sessões de pulsoterapia, que é quando você recebe uma bomba de corticoide durante horas, na mesma sala da oncologia, então fiz amizades com pessoas da quimioterapia, mas perdi algumas delas para o câncer. Isso é muito doloroso, mas ensina que a vida pode ser breve e devemos viver da melhor forma enquanto estamos aqui. Querer o bem-estar coletivo me levou à sindicatura – e nela me mantém –, bem como o senso de justiça aprimorado em locais em que trabalhei.

O meu primeiro emprego foi no escritório jurídico da família Mascaro, com o dr. Amaury, hors concours do direito do Trabalho, e a dra. Sônia, hoje desembargadora federal. Eu convivia com eles desde criança, porque a minha mãe treinou a babá do filho deles, e acabou convidada para madrinha. Sempre me acolheram com amor e respeito, e eu me espelhei muito na conduta pessoal e profissional deles. No escritório, havia também o dr. Elizeu Alves de Melo, que naquela época presidia o Tribunal de Ética da OAB, e costumava repetir o seguinte: ‘Sempre faça o que é correto, o correto é indiscutível.’ Essa frase nunca saiu da minha cabeça.

Outro emprego marcante foi no jurídico de um sindicato no ABC, que intercedia por trabalhadores que não recebiam seus benefícios, o que desestabilizava qualquer pai de família. Depois, trabalhando no jurídico da Tokio, e também do Itaú, de onde saí para abraçar a sindicatura, comprovei o quanto empresas de valor impactam positivamente a vida dos funcionários. Uso todos esses aprendizados em prol de uma sindicatura mais humana. Brigo muito pelos direitos dos moradores e de quem trabalha nos condomínios. Em minha primeira gestão externa, em um condomínio-clube de São Bernardo, fui colocada numa sala por 15 condôminos, descontentes com a decisão de tirar uma empresa de segurança que poderia acabar implicando o condomínio num passivo trabalhista. Tive medo, mas sou da periferia, não me dobro fácil. Tirei a empresa.

Sou síndica orgânica desde 2015. No começo, eu entendia só de controle financeiro, tanto que peguei o caixa baixo e hoje temos 200 mil reais. Tive professores maravilhosos, o zelador e o administrador. Também fiz curso de síndico profissional no Senac e vários cursos operacionais. Logo que assumi, resolvi a questão do mau funcionamento dos seis elevadores e troquei a iluminação das garagens. Depois vieram AVCB e pintura da fachada. Contratei um projeto de design e o doei ao condomínio, então temos um moderno grafismo na fachada, harmonizando com a pintura nova, o que tira ‘a cara de Cohab’ e valoriza o local.

Por meio de um vizinho com empresa de sindicatura, consegui meus primeiros condomínios, como o de São Bernardo, em esquema de parceria. A esclerose múltipla não define a qualidade do meu desempenho, tanto é que quatro anos atrás abri minha própria empresa, com síndicos ótimos na equipe. Temos 17 condomínios, oito sob o meu guarda-chuva. Durante minha crise em 2023, atuei de modo remoto, e minha equipe, além de subsíndicos e zeladores, contribuiu para nada faltar aos condomínios. Com doença ou sem doença, um síndico deve cercar-se de pessoas proativas e constituir uma equipe sólida.”

Fernanda Chaves, em depoimento a Isabel Ribeiro

Matéria publicada na edição 302  jul/24 da Revista Direcional Condomínios

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