Como agir em caso de morte no condomínio?

A morte faz parte do ciclo da vida, mesmo assim, quando ocorre provoca dor, incredulidade, consternação, entre outros sentimentos, que, muitas vezes, se estendem além do círculo de relacionamentos de quem se vai. Em condomínio, o acontecimento implica curiosidade, pouca ou muita comoção, e participação do síndico – às vezes, mínima, outras nem tanto. “Mas à priori, o síndico, ou quem ele designar, faz um chamado de emergência para a Polícia Militar, pelo número 190, e outro para o Samu, 192, em caso de haver chance de reanimação. Quem se encarregará de trâmites posteriores, como acionar a Polícia Científica, em caso de suicídio ou homicídio, será a Polícia Militar”, resume a síndica profissional Alessandra Santos Pereira Aguero, pós-graduada em Gestão e Direito Condominial, que dá palestras sobre morte em condomínio em cursos de sindicatura e em empresas que prestam serviços em edifícios.

Alessandra destaca que em situações que exijam a presença de peritos, o síndico não precisa esperar por eles junto da Polícia Militar; também não precisa entrar em apartamentos com vestígios de violência, bastando acompanhar autoridades até o hall.
“O síndico tem que se resguardar. Deixe a polícia fazer o papel dela. Até mesmo para dar a notícia a um familiar, delegue para o policial ou socorrista. Conheço síndicos que se envolveram demais e desenvolveram transtorno de ansiedade e depressão”, comenta.

A síndica Alessandra Aguero: Setembro Amarelo nos condomínios

Egressa da administração hospitalar, Alessandra aprendeu a ver a morte com naturalidade, ainda assim, admite que é difícil ficar indiferente quando acontece em seus condomínios. “Se é morte natural, a gente pensa: ‘Deus levou’. Mas quando é induzida, causa impacto emocional, como um caso que aconteceu em um condomínio que administro no ABC. O rapaz morava sozinho e se matou dentro da unidade usando arma com silenciador. Só ficamos sabendo com a chegada da polícia, que estava atrás dele porque, naquele mesmo dia, ele havia tirado a vida da ex-mulher”, conta a gestora.

Existem, ainda, questões práticas mediante morte violenta (acidente, suicídio ou homicídio), como isolar o local e demover curiosos da ideia de registrarem a cena. “Sempre oriento em cursos e nos assuntos gerais de assembleia que essa informação não deve chegar à mídia, pois se a notícia se espalhar, o condomínio pode ficar rotulado, havendo desvalorização dos imóveis”, fala Alessandra. “Pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), é crime divulgar essas imagens; pela ótica da cidadania, é desrespeitoso”, sentencia. Outra dica é quanto a limpeza depois da remoção do corpo. “Delegue essa tarefa para empresas especializadas na limpeza e desinfecção pós-morte, pois há métodos e produtos adequados para que resíduos orgânicos não fiquem impregnados no ambiente”, indica.

SETEMBRO AMARELO

Uma a cada 100 mortes no mundo ocorre por suicídio. Ciente, Alessandra trabalha a campanha Setembro Amarelo, de conscientização sobre a importância da prevenção do suicídio, nos edifícios em que atua. “É importante promover palestras, falar sobre depressão, ansiedade e síndrome do pânico, transtornos cada vez mais presentes no modelo de sociedade que adotamos”, fala Alessandra. “Sugiro aos síndicos que mantenham os barriletes trancados, pois há muitos casos em que as pessoas procuram esses locais com ideação suicida”, acrescenta.

O síndico profissional Carlos Theodoro Martins já lidou com alguns óbitos em condomínios de sua carteira, dois por causa de queda de andares altos, sendo que um destes foi muito marcante porque a condômina sofria de depressão pós-parto. Carlos estava distante do edifício quando soube da queda da sacada. Orientou o zelador para que chamasse a polícia, mas também fez um pedido arriscado: “Eu só conseguia pensar no bebê, que tinha poucos meses de vida. Será que ele precisava de socorro médico urgente? Pedi que o zelador arrombasse a porta do apartamento. O bebê estava bem, o que me deu um alívio imenso”, lembra.

O síndico Carlos Theodoro Martins atendeu ao último pedido de condômina

Para o síndico, é vital interagir com habitantes dos condomínios sob sua gestão, conhecer seus hábitos e necessidades. “Claro que é impossível falar com todos, mas me esforço. Para mim, ser síndico é cuidar de gente. Diante de uma morte, pergunto se a família deseja que os vizinhos sejam avisados, e vou ao velório, tento levar algum conforto. Também envio uma coroa de flores em nome do condomínio; há quem ache um gasto desnecessário, mas vejo como mesquinharia recusar essa última homenagem”, defende.

PÃOZINHO FRANCÊS

A primeira experiência de morte em condomínio não foi traumática para Carlos. “Foi triste, sim, mas carregada de simbolismo”, descreve. Ele conta que um dia, ao chegar a um edifício da Bela Vista, foi informado de que Hanna (nome fictício), uma condômina sexagenária, alegre e muito atuante no condomínio, estava gravemente doente. Subiu para tomar um cafezinho com ela, que falou sobre seu incontrolável desejo de comer um pão francês fresquinho. “Eu prometi que à tarde voltaria com o pão e tomaríamos outro café, e assim o fiz. Ela parecia uma criança comendo! Falou que mesmo não mais sentindo o sabor dos alimentos, estava feliz só de ouvir o som crocante da casca do pão”.

Carlos despediu-se e deixou um cartão de visitas com a enfermeira de Hanna, que lhe telefonou mais tarde, por volta das 23 horas. “Ela disse que a Hanna não parava de chamar por mim. Quando cheguei ao apartamento, ela segurou minha mão com força e faleceu. Sou ex-professor de Educação Física, sei fazer massagem cardíaca e tentei reanimá-la, sem sucesso. Senti muita tristeza, mas sabia que havia lhe transmitido alguma tranquilidade na passagem. Fechei seus olhos e chamei a polícia, pois mesmo quando se trata de morte natural, a polícia vem ao local para constatar se não houve algum tipo de violência”, comenta.

Como Hanna não tinha família em São Paulo, Carlos recorreu a dois amigos dela, cujos contatos estavam em uma caderneta. A dupla fez o boletim de ocorrência na delegacia, e também ajudou a localizar os parentes. Quanto a isso, Carlos conclui que é imprescindível que os condomínios mantenham cadastros atualizados de todos os membros de uma unidade. “Quem mora só, precisa fornecer o contato de um familiar, pois ajuda muito em caso de acontecer alguma eventualidade”.

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Veja as considerações de Rodrigo Karpat, especialista em direito condominial, sobre morte em condomínio:

AUXÍLIO: “Via de regra morte não é responsabilidade do síndico, é dos familiares. O síndico tem de prestar administrativamente o auxílio necessário, caso seja requisitado algo do condomínio, mas não é ele que tem de buscar atestado de óbito, por exemplo. Em situação de risco, o síndico pode pedir uma ambulância ou levar alguém ao hospital, mas como qualquer outro cidadão faria e não em função do cargo.”

IMAGENS: “Quando ocorrem homicídios, a polícia pode solicitar imagens de câmeras, o que não deve ser dificultado. Porém, as solicitações devem ocorrer por meio de um documento formal, ou algo que possa depois preservar a integridade das imagens, porque muitas vezes, elas acabam na imprensa, então deve haver uma comprovação de que foram entregues apenas à autoridade policial.”

COMUNICADO: “Já vi casos onde o prédio inteiro é convidado para o velório, mas sei também de pessoas que preferem preservar a intimidade nesse momento, então na dúvida o síndico pode perguntar se a família gostaria que o falecimento fosse comunicado no condomínio.”

DESCONFORTO: “O síndico deve perguntar ao funcionário se ele se sente confortável para isolar a área onde está o corpo, ou ele mesmo pode fazer. Não precisa nem ter acesso ao corpo, mas isolar minimamente a área com fita é uma medida saudável e necessária para preservar o local.”

DISCUSSÃO: “Existem casos onde os familiares esperam nas áreas comuns e acabam discutindo. Por mais delicado que seja o momento, o síndico precisa prestar socorro necessário e cabível no limite da atuação dele, e não transformar aquele ato numa problemática condominial.”

MAU CHEIRO: “O síndico só pode invadir uma unidade em situação extrema, como um salvamento, e mesmo assim, acompanhado de um chaveiro ou zelador. Se ele detectar mau cheiro e houver suspeita de que alguém tenha morrido, deve chamar a autoridade policial para que juntos possam ingressar na residência.”

Foto Paulo Bareia

Rodrigo Karpat, especialista em direito condominial

Matéria publicada na edição-304-set-24 da Revista Direcional Condomínios

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