Mil e uma maneiras de ‘causar’ em condomínios

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Detetive do lixo, sumiço da cobra e morador sem-noção; confira a seguir.

“Iniciei no segmento condominial em 2016 e rapidamente descobri que ‘administrar pessoas’ é muito mais desafiador do que administrar estruturas. 

Day Loppes, síndica profissional

Ao assumir o posto de subsíndica em um condomínio de quatro torres na zona sul de São Paulo, deparei-me com uma moradora superdeterminada a encontrar falhas na gestão. Ela se disfarçava com bonés e lenço e se reunia com um grupinho de moradores para conspirar em comércios do bairro, como a padaria. Quando ocupei o cargo de síndica moradora, a situação evoluiu para perseguição pessoal: ela queria vigiar meus horários, ficando na garagem até altas horas e, não raro, tocava no meu veículo para checar a temperatura do motor. Passou a vasculhar meu lixo em busca de algo que me desabonasse. Depois, foi flagrada escutando atrás da porta da minha unidade e fugiu ao ser confrontada. Diante de tamanha invasão de privacidade, renunciei.  

Com a chegada de um síndico profissional ao condomínio, sugeri que essa moradora fosse subsíndica, acreditando que cessaria a perseguição. No entanto, em pouco tempo ela foi destituída por abuso de poder. A pedido dos condôminos, retornei à gestão, mas não é que surgiu outra assediadora? Esta, bastante hostil. Durante uma reunião com mais de vinte moradores — ou seja, com testemunhas —, ela levantou-se e, em voz alta, afirmou conhecer os horários da minha família e fez uma grave ameaça à integridade física da minha filha. Precisei renunciar para proteger meus filhos, mas ingressei com queixa- crime. Condomínio é terreno fértil para desequilíbrios emocionais e práticas abusivas, onde a figura do síndico se torna alvo quando age com firmeza.  

Ainda assim, investi na sindicatura, me profissionalizei e passei a lidar com outras situações que transcendem à normalidade. Em um empreendimento do tipo estúdio, vivenciei uma delas quando participei da gestão. Localizado em região nobre, esse prédio conta com unidades ocupadas por universitários e algumas poucas por moradores convencionais, mas é predominantemente destinado ao aluguel de curta temporada. Algumas dessas locações, porém, eram problemáticas, especialmente quando feitas para profissionais do sexo. Isso porque muitas insistiam em esperar seus clientes na recepção, quase sempre trajando apenas um ‘tule e saltos altos’. Diversas vezes precisei solicitar que aguardassem nas unidades, e, nesses momentos, mesmo apresentando o regramento, eu invariavelmente era chamada, em alto e bom som, de preconceituosa.  

Mais recentemente, em outro edifício, um locatário passou a assediar moradores e porteiros pelo WhatsApp, valendo-se de número desconhecido e foto falsa. Ele enviava imagens íntimas e oferecia um Pix em troca de favores sexuais dentro do condomínio. Conseguimos identificá-lo e acionamos a Justiça. Este, e os demais casos, me fazem pensar que ser síndica é estar à frente de um laboratório social onde se revela, diariamente, a verdadeira natureza humana.”       

“Percebo que, em condomínios, faltam compreensões sobre os papéis de cada um, inclusive o do gestor. 

Sandra Del Pérsio, síndica profissional

Outro dia, em um dos condomínios que administro na zona sul de São Paulo, um morador me contatou logo cedo perguntando sobre um cachorro que havia latido muito durante a madrugada.   Averiguei que não se tratava de nenhum animal daquele edifício e o informei. Foi então que ele completou a frase, esclarecendo que sabia, pois o som vinha de algumas ruas à frente. O que ele realmente queria era que eu apurasse de onde viera o barulho que lhe tirara o sossego, talvez perguntando de casa em casa. Até entendo que sono é sagrado, mas o outro lado precisa compreender o trabalho do síndico, que certamente não é esse. 

Ainda sobre animais, em outro residencial, fui acusada de desumana. Justo eu, que apoio ações que convertem tampinhas de garrafas PET em ração. A história começou quando o zelador me avisou ter encontrado um pote de ração na garagem. Ao mesmo tempo, recebi reclamações sobre marcas de patas de gato em veículos e arranhões na pintura de um deles. Identificamos a moradora e solicitamos que retirasse o potinho do local. Ela, porém, talvez tenha compreendido (ou não) que o problema fosse o objeto estar na vaga, destinada apenas ao veículo. Portanto, usou um subterfúgio logo relatado a mim pelo zelador: colocou o potinho dentro do veículo, deixando os vidros abertos para o gato entrar. Reiterei à moradora que não era permitido cuidar de animais em áreas comuns. Ela não gostou, foi ofensiva e ameaçou ir à polícia. Aos poucos, voltou a si e levou o bichano para uma ONG.   

Já em outro residencial, fui informada de que a cobra do inquilino da cobertura havia desaparecido. Eu sequer sabia da existência do réptil, apenas dos três cães e do porquinho- -da-índia. Em seguida, soube que a “mascote” havia sido encontrada em uma das unidades. Aliás, o tutor dessa fauna vinha causando transtornos desde que os moradores notaram um movimento recorrente que parecia fazer tremer a tubulação de água, fato que coincidia com os dias em que o piscineiro estava na cobertura. Uma rápida apuração revelou que a situação atípica se devia ao descarte quinzenal da água da piscina, que não era tratada, mas trocada após o banho dos cães. Só um “detalhezinho”: neste condomínio não havia medição individualizada de consumo de água, o que impactava as contas dos vizinhos. E o tal cidadão, indiferente aos excessos… Lamentável.”     

Depoimentos concedidos a Isabel Ribeiro


Matéria publicada na edição 317 nov/dez 2025 da Revista Direcional Condomínios

Autor

  • Jornalista Isabel Ribeiro

    Jornalista apaixonada desde sempre por revistas, por gente, pelas boas histórias, e, nos últimos anos, seduzida pelo instigante universo condominial.