Drogas lícitas no condomínio – Álcool (Parte 2)

O texto a seguir é a continuação do material apresentado no artigo anterior referente aos efeitos do álcool no organismo humano.

Vale lembrar que o material apresentado está diretamente relacionado aos estudos executados pelo SENAD (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas), em conjunto com a UNIFESP (Universidade Federal do Estado de São Paulo) e o SUPERA (Sistema para Detecção do Uso Abusivo e Dependência de Substâncias Psicoativas).

Sono e álcool

É verdade que o álcool ajuda a dormir?

Embora o álcool acelere o início do sono, ele pode causar muitos problemas, afetando os padrões de sono normais e reduzindo algumas de suas fases mais importantes, como o sono REM (rapid eye movement), fase restauradora na qual ocorrem movimentos rápidos dos olhos, sonhos e intensa atividade cerebral.

O álcool também interfere no pós-sono, levando ao cansaço e a um sono não reparador, devido a sua fragmentação. Além disso, pode agravar problemas como o da apneia do sono por causar relaxamento da musculatura da garganta, provocando também ronco.

Durante a síndrome de abstinência, no caso de pessoas que são dependentes de álcool, podem ocorrer diversos problemas de sono, principalmente a insônia.

Dieta e álcool

O álcool é uma droga que, quando metabolizada pelo organismo, produz calorias, portanto, engorda. Essas calorias são “vazias”, ou seja, não fornecem ao organismo nenhum tipo de nutriente.

Para você ter uma ideia:

  • Um copo de caipirinha tem 250 calorias, ou seja, o equivalente a um pãozinho francês (135 calorias) com um ovo frito (110 calorias);
  • Uma dose de uísque tem 240 calorias, o equivalente a um prato de espaguete (233 calorias).

Álcool e bebidas energéticas

Comercializados visando especialmente à população jovem, as “bebidas energéticas” chegaram ao Brasil por volta de 1996 e logo se popularizaram.

Os fabricantes dessas bebidas dizem que elas podem revigorar diminuir a sonolência, aumentar a atenção e até mesmo melhorar o desempenho físico. Devido à sua composição (cafeína, taurina, glicose e vitaminas do complexo B), elas podem provocar efeitos estimulantes, mas esses efeitos dependem também da sensibilidade de quem as ingere.

Embora inicialmente essas bebidas fossem sugeridas como estimulantes, por exemplo, para quem vai dirigir por várias horas ou praticar atividades físicas, muitas pessoas passaram a fazer delas em combinação com as bebidas alcoólicas e rapidamente esse novo modo de uso se difundiu pelo mundo todo.

Ao misturar bebidas energéticas com bebidas alcoólicas, algumas pessoas sentem uma redução nos “efeitos depressores” do álcool, enquanto outras relatam aumento do efeito estimulante ou euforizante do álcool.

Estudos realizados pela UNIFESP mostraram que as bebidas energéticas reduzem a sensação subjetiva do sono e deixam quem bebe mais acordado, mas elas NÃO reduzem os efeitos prejudiciais sobre a coordenação motora. Há também estudos em animais de laboratório mostrando que, apesar de os animais ficarem mais estimulados (aumento da locomoção), quando testados em relação à coordenação motora e aos efeitos tóxicos do álcool no organismo, se encontram tão prejudicados quanto ao grupo que recebeu apenas o álcool.

É importante alertar os usuários sobre esses efeitos e mostrar que, ao tornar o sabor das bebidas alcoólicas mais agradáveis, as pessoas acabam bebendo mais do que poderiam, aumentando as chances de terem problemas devidos aos efeitos do álcool.

Portanto, é importante evitar o uso excessivo de bebida alcoólica, seja combinado ou não com bebidas energéticas, e se alguém for ingerir a mistura deve redobrar os cuidados, pois pode achar que “está bem”, quando na verdade estará tão embriagado quanto estaria se tivesse ingerido apenas a bebida alcoólica.

Álcool e trânsito

O consumo de álcool, mesmo que em pequenas quantidades, diminui a coordenação motora e os reflexos. Vários estudos indicam que grande parte dos acidentes é provocada por motoristas alcoolizados. Mesmo que a pessoa preste muita atenção e tome cuidado, seu organismo estará com os reflexos retardados, ou seja, sua reação para brecar ou desviar o carro de um obstáculo será mais lenta. A quantidade de álcool no sangue pode variar de pessoa para pessoa, mas em geral esse nível é atingido meia hora após o consumo de 2 a 3 doses padrão.

De acordo com o novo Código Brasileiro de Trânsito (Lei 12.760), em vigor desde dezembro de 2012, todo motorista que apresentar qualquer quantidade de álcool no sangue estará cometendo infração gravíssima. O condutor também está sujeito à suspensão do direito de dirigir por um ano e a retenção do veículo. É isso mesmo, agora a tolerância é ZERO para o uso de álcool por motoristas.

O corpo humano só consegue eliminar cerca de 1 dose por hora.

Quem beber 3 doses precisa esperar cerca de 2 a 3 horas para que seus níveis de álcool no sangue se aproximem do zero.

Segundo o II LENAD (II LEVANTAMENTO NACIONAL de ÁLCOOL e DROGAS), em 2012, 34% dos brasileiros foram parados em fiscalizações nas estradas e 11% foram submetidos ao teste do bafômetro. Pode-se observar que houve uma redução de comportamento de Beber e Dirigir de 2006 para 2012, o que pode ser devido ao aumento das penalidades legais e da fiscalização.

Álcool e níveis de glicemia

Deve-se administrar glicose a pessoas embriagadas?

O álcool pode afetar a glicemia de diferentes formas, dependendo da alimentação da pessoa.

  • Em pessoas normalmente alimentadas, ele pode aumentar a glicemia porque provoca aumento da liberação de catecolaminas, que estimulam a glândula suprarrenal.
  •  Em pessoas que estejam há mais de 24 horas em jejum, ele poderia diminuir a glicemia, mas isso só acontece raramente, em geral em crianças pequenas, que beberam álcool acidentalmente, ou em moradores de rua, que estejam sem comer há muitas horas, por impedir um processo chamado neoglicogênese.

Por essas razões, o álcool é contraindicado para pessoas diabéticas porque afeta o equilíbrio dos fatores responsáveis pela manutenção dos níveis de glicose.

A glicose só deve ser administrada a pessoas alcoolizadas quando for comprovado que elas estão hipoglicêmicas, o que pode ser facilmente testado no pronto socorro, através de um exame com uma única gota de sangue, usando uma fita para dosagem da glicemia.

Níveis de glicemia e alcoolemia em pacientes que chegaram embriagados a um pronto socorro

Em um estudo realizado com mais de 80 pessoas que chegaram embriagadas a um pronto-socorro, apesar de altos, os níveis de glicemia estavam na faixa de normalidade, com poucas pessoas apresentando níveis abaixo de 80 mg por 100 ml (ainda não considerada uma hipoglicemia com consequências clínicas significativas).

Meia hora após a administração de glicose (endovenosa) ou medicação placebo (soro fisiológico), os dois grupos apresentaram o mesmo nível de melhora, provavelmente em consequência da interrupção do consumo do álcool.

Tratamento da intoxicação alcoólica

Tomar café ou banho frio ajuda a ficar sóbrio?

Como o café contém cafeína, que é uma substância estimulante, ele pode reduzir os efeitos de sonolência do álcool, mas não reduz os problemas de coordenação motora. Portanto, no máximo, a pessoa embriagada ficará mais acordada. O banho frio, da mesma forma, apenas ajuda a “acordar”, devido à sensação desagradável que provoca.

Ressaca

Em um curto período (8 a 12 horas) após a ingestão de grande quantidade de álcool, pode ocorrer a “ressaca”, que se caracteriza por: dor de cabeça, náusea, vômitos, sede intensa, dor muscular, vertigem, aumento da sensibilidade à luz e aos sons, ansiedade, irritabilidade, tremores e sudorese.

A ressaca pode decorrer dos efeitos desidratantes do álcool e ser considerada uma síndrome de abstinência leve. Seus sintomas estão relacionados ao acúmulo de acetaldeído no organismo.

Qual é o tratamento para a ressaca?

Poucos tratamentos ajudam. Não beber em excesso é a melhor ajuda, mas para algumas pessoas mesmo pequenas quantidades já causam ressaca. Bebidas mais “puras”, com menor quantidade de outras substâncias, costumam causar menos ressaca do que bebidas com muito congêneres, como vinho tinto e uísque. Consumir líquidos, como suco e água, também ajuda a evitar a desidratação característica da ressaca.

Medicamentos como aspirina e outros anti-inflamatórios podem ajudar na redução dos sintomas, como dores de cabeça ou dos músculos.

Fique de olho, porque alguns medicamentos podem piorar os problemas gástricos.

Bebidas alcoólicas melhoram o desempenho sexual?

As bebidas alcoólicas podem levar ao aumento do desejo sexual, porque ajudam a desinibir, mas podem também piorar o desempenho. É importante lembrar que um drink pode ajudar alguém a relaxar e a se sentir desinibido, mas não pode ser considerado um afrodisíaco ou uma poção mágica. Lembre seu paciente de que o interesse que ele desperta em outras pessoas depende de quem ele é e que, na realidade, ninguém acha uma pessoa bêbada mais sedutora ou interessante.

Efeitos nocivos no organismo, principalmente devido ao uso crônico.

Muitas vezes o paciente não percebe a ligação entre seus problemas e o uso de álcool. Conhecendo melhor essa relação você poderá ajuda-lo a perceber isso e propor mudanças.

Como o etanol é uma molécula muito pequena atinge facilmente todos os órgãos e tecidos, causando várias doenças em quem faz uso abusivo ou em dependentes de bebidas alcoólicas.

Efeitos nocivos associados ao consumo crônico de álcool

Sistema nervoso: Distúrbios neurológicos graves, alterações de memória e lesões no Sistema Nervoso Central;

Sistema cardiovascular: Arritmias cardíacas agudas, aumento da pressão arterial, hipertensão com risco consequente de infarto;

Sistema gastrointestinal: Gastrite, úlceras, cânceres de boca, de esôfago, de laringe e de faringe, esteatose hepática, hepatite, cirrose hepática, pancreatite aguda.

Embora em doses baixas o uso do vinho possa reduzir o risco de morrer por problemas cardíacos, em altas doses pode provocar cardiomiopatias. Além disso, ainda não está provado se esse possível efeito “benéfico” do vinho é devido ao álcool ou a outras substâncias, como taninos e flavonoides, ou ainda ao estilo de vida das pessoas. Estas conclusões surgiram a partir de estudos epidemiológicos e como o uso do álcool aumenta a chance de acidentes ou morte precoce por violência ou outras doenças, a redução de mortes cardíacas (que em geral ocorrem em pessoas mais idosas) pode ser reflexo disto.

Por ser metabolizado no fígado, este é um dos órgãos mais afetados pelo consumo de álcool, sendo a cirrose hepática um dos problemas mais graves.

A dosagem de enzimas hepáticas como a GGT, TGO, TGP pode ajudar no acompanhamento de pessoas dependentes de álcool. A enzima GGT é uma das mais sensíveis aos efeitos do consumo de álcool. Quando os pacientes percebem “melhora” em seus exames alterados tendem a manter a redução do uso.

Álcool e gravidez

O consumo de álcool durante a gravidez expõe o feto aos seus efeitos, principalmente nos primeiros meses.

Mulheres que consomem de 2 a 3 doses de bebida alcoólica por dia tem 11% de chance de ter uma criança com a Síndrome Fetal pelo Álcool.

A criança com essa síndrome, em geral, apresenta alterações dos traços faciais, anormalidades labiais, retardo do crescimento, dificuldade de socialização, problemas cardíacos e alterações globais no desenvolvimento e funcionamento intelectual, gerando problemas de aprendizado, de memória e de atenção. O consumo de quatro ou mais doses diárias aumenta o risco para 20%.

A Síndrome Fetal pelo Álcool pode ser detectada em aproximadamente um terço dos bebês de mães que fizeram uso excessivo de álcool durante a gravidez. Os recém-nascidos apresentam sinais de irritação, mamam e dormem pouco, além de apresentarem tremores (sintomas que lembram a síndrome de abstinência).

As crianças severamente afetadas e que conseguem sobreviver aos primeiros momentos de vida podem apresentar problemas físicos e mentais, que variam de intensidade de acordo com a gravidade do caso.

É importante pontuar que mesmo a ingestão de baixas doses de álcool durante a gravidez pode afetar o desenvolvimento do bebê e causar déficits cognitivos menores, assim alertar mulheres que possam engravidar sobre os riscos de beber, principalmente nas primeiras semanas de gestação, quando elas nem sabem que estão grávidas. Muitas crianças podem ter problemas mentais devido ao uso de álcool pela mãe. Se detectar um caso é mais importante alertar a mulher para que não aconteça o mesmo em uma próxima gravidez e oferecer ajuda (tratamento) para ela.

Interação com outras drogas e medicamentos

Como o álcool é metabolizado no fígado, por enzimas que também metabolizam outras substâncias, ele pode retardar a eliminação dessas drogas ou medicamentos, alterando seus efeitos. A combinação com cocaína, tranquilizantes, barbituratos, benzodiazepínicos, ou anti-histamínicos pode levar ao aumento do efeito sedativo ou depressor, dependendo da quantidade, chegando até mesmo à morte. Alguns antibióticos como metranidazol, furazolidona e medicamentos antimaláricos podem causar reações adversas ou ter sua efetividade reduzida.

Tolerância e dependência de álcool

O uso regular do álcool torna a pessoa tolerante a muitos dos seus efeitos, sendo necessário aumentar o consumo para o indivíduo obter os mesmos efeitos iniciais. A dependência ocorre com o uso regular de álcool e pode se desenvolver após anos de uso contínuo, porém quanto mais jovem é a pessoa, quando inicia o uso de álcool, menor será o tempo necessário para que se instale a dependência.

A dependência pode ser definida poeticamente como a “perda da liberdade de escolha”, isto é, a pessoa não escolhe mais se vai beber e o quanto vai ingerir. Ela perdeu o controle sobre essa decisão. As pessoas dependentes, como já estão adaptadas à presença constante do álcool no organismo, podem sofrer sintomas de abstinência quando param de beber, ou mesmo quando apenas diminuem drasticamente a quantidade ingerida diariamente.

Os sintomas de abstinência podem variar de intensidade, desde um leve nervosismo ou irritação, insônia, sudorese, diminuição do apetite e tremores, podendo chegar a um quadro muito grave, com febre, convulsões e alucinações (o chamado delirium tremens – que não deve ser confundido com simples tremores, também comuns nas fases iniciais da síndrome de abstinência). Nesta fase grave, a pessoa pode ter visões de animais e se não tratada a tempo (com benzodiazepínicos) pode morrer.

Dependência de álcool

A pessoa que ingere bebidas alcoólicas de modo excessivo pode desenvolver, ao longo do tempo, a dependência do álcool.

Existe um padrão de beber sensato, isto é, com baixo risco?

Existe sim. Entretanto, é importante lembrar que sempre há algum risco associado ao uso de álcool. O ideal é beber de modo que isso não afete a saúde, as ocupações diárias (escola, relações familiares e trabalho) e a segurança de quem bebe ou a de outras pessoas.

Não é aconselhável beber em várias situações:

  • Quando houver algum compromisso ou tarefa em que o uso do álcool possa atrapalhar ou ser inconveniente (por exemplo: dirigir, trabalhar, operar uma máquina);
  • Para enfrentar situações desagradáveis (por exemplo: quando se está deprimido, chateado, ansioso, triste ou sozinho);
  • Para fazer coisas consideradas difíceis (isso depende muito de cada pessoa; por exemplo: falar com pessoas estranhas ou em público, abordar alguém do sexo oposto, etc.);
  • Para se embriagar (procurar conscientemente “ficar de fogo”).

Uso abusivo de álcool / Para evitar intoxicações, é importante:

  • Servir a bebida em forma de doses – assim é possível controlar a quantidade;
  • Diluir a bebida, ao invés de bebê-la pura, e beber pausadamente (bebericando), ao invés de beber tudo de um só gole (virando). Isso torna a absorção mais lenta;
  • Alternar bebidas alcoólicas com não alcoólicas;
  • Evitar beber de estômago vazio;
  • Não beber diariamente.

Quem tem problemas de uso excessivo de álcool deve:

  • Desenvolver atividades que sejam prazerosas, mas que não envolvam o uso de por bebidas;
  • Substituir o tempo empregado em beber por atividades agradáveis;
  • Evitar estar frequentemente junto a pessoas que o (a) encorajam a beber ou a se embebedar;
  • Evitar locais onde o consumo era realizado.

Autor

  • Nelson Luiz Raspes

    Psicólogo com formação em Dependência Química pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). É especializado em Capacitação em Dependência Química pela Universidade de Santa Catarina. Atuou durante quinze anos junto ao Centro de Tratamento Bezerra de Menezes.