Gestão “privada” na medição individualizada de água no condomínio

A individualização é um processo que vem ganhando força ano a ano. Porém, há todo tipo de experiência no mercado, na maioria boas. As más podem ser evitadas.

Aqui irei tratar apenas da “individualização privada”, onde o condomínio compra um sistema de uma empresa de serviços, que também realiza a leitura. Nesse caso, o rateio é feito internamente inserido no boleto do condomínio. Algumas destas empresas enviam um demonstrativo de consumo. Portanto, este artigo não abordará o sistema de individualização no padrão da concessionária.

Da contratação

O processo de individualização tem alto custo e o problema está, em boa parte, no contrato. Os condomínios estão habituados a pagar suas maiores despesas em parcelas, porém, na engenharia, temos algo completamente diferente e por isso o mercado deve evoluir.

Na engenharia civil todo serviço contratado é pago “sob medição dos serviços executados”. Ou seja, se o contratado executou 23% da obra ele receberá o valor correspondente. Também deve ser aplicado um percentual de retenção (de 10% a 20% do contrato) pago somente ao final da obra e aceitação por parte do cliente. A retenção deve ser negociada, mas serve para cobrir os prejuízos (ou maior parte) de uma nova contratação.

Quando se tenta transportar essa metodologia para dentro de um condomínio, esbarra-se na primeira parcela de “entrada” que as empresas precisam para fazer a mobilização e comprar os primeiros insumos. Como é um contrato de alto valor e as empresas normalmente são pequenas, elas não possuem capital de giro para suportar o primeiro mês e os subsequentes sem um aporte inicial. Elas dependem desse aporte para evitar pegá-lo no banco e repassar o custo para o condomínio. No entanto, é justamente essa prática que atrapalha muito a gestão do contrato e leva em alguns casos a brigas intermináveis. Os prejuízos podem ser tão grandes que seria mais barato ter começado investindo em um consultor para fazer um bom planejamento ou fazê-lo junto com um corpo diretivo com habilidade para tal.

Para melhorar o problema da parcela de entrada é possível faturar os equipamentos (hidrômetros, equipamentos de leitura remota) direto do fabricante ao condomínio de forma parcelada, respeitando os totais a serem pagos mensalmente. Assim, evita-se a bitributação e o prestador fica apenas com o peso dos serviços e produtos correlatos à sua atividade. O mais importante é ter equilíbrio entre o “valor pago” e o “valor executado”.

Ainda tomando alguns cuidados como exposto acima, a melhor solução é ter um processo de individualização seguindo as seguintes etapas:

  • Desenvolver o projeto hidráulico* sempre que for alterar a hidráulica ou ter obras civis. A maioria das empresas faz orçamentos com valores diferentes baseados em seus próprios critérios de montagem, usando materiais e diâmetros de acordo com suas vontades. Aqui mora a qualidade final do que será comprado;
  • Realizar orçamentação em cima do projeto (ou desenho técnico*) para poder equalizar as propostas. É impossível equalizar propostas sem saber o que será feito, é preciso uma base de comparação. Isso ajuda a boa concorrência e evita “as margens de erro do proponente”. Um projeto e uma boa especificação evitarão má qualidade de materiais e procedimentos;
  • Fazer a contratação com critérios de medição bem definidos e aceitos por todos. Nada deve começar sem as devidas assinaturas.

 (*) OBS.: Instalações simples onde apenas se coloca o hidrômetro no ramal existente devem apresentar pelo menos um desenho técnico da montagem e o dimensionamento do hidrômetro junto com a ART. Este desenho deve ser apresentado por todos os proponentes para saber o que está sendo orçado.

Se haverá obra civil para realizar a individualização vale a regra de ouro: Não existe obra sem projeto. A falta de projeto gera o maior impacto no custo e tempo de execução, portanto, o barato certamente sairá caro.

O condomínio deve procurar empresas inscritas no CREA e deve emitir seu cadastro atualizado (quitado) e a forma de vínculo do responsável técnico – pode ser funcionário ou engenheiro contratado para a obra.

Obrigações da contratada

Algumas obrigações da contratada sobre a parte técnica e execução que devem constar no contrato são:

  • Enviar o cronograma e atualizar sempre que houver alguma alteração;
  • Fazer a programação de instalação juntamente com o condomínio para melhor fluidez e produtividade;
  • A empresa contratada deve prover mão de obra e equipamentos (EPI, ferramentas etc.) adequados aos serviços;
  • Manter a limpeza do local (todos os dias) e organização dos materiais e equipamentos;
  • Informar com antecedência os dados dos funcionários que irão trabalhar no condomínio, assim como enviar a documentação de registro dos mesmos;
  • A conduta dos profissionais também deve ser respeitosa quanto às pessoas e uso do espaço no condomínio;
  • A contratada deve entregar a planilha de medição do mês até uma data firmada entre as partes, que deve constar no contrato;
  • Caso o condomínio contrate uma empresa que irá fornecer o projeto somente depois da contratação, então deve haver uma cláusula onde o condomínio poderá avaliar e recusar o projeto caso este não atenda às condições técnicas mínimas normativas ou que não tenham todos os critérios avaliados para dimensionamento. Além disso, não deve haver ônus ao condomínio já que a empresa propôs um orçamento sem projeto. Isto serve, por exemplo, para evitar situações onde é necessária a instalação de uma bomba pressurizadora, mas que não foi considerada no orçamento porque não havia projeto ou para ganhar a concorrência;
  • Cada instalação deve ter a aprovação de um funcionário do condomínio (Por exemplo, o zelador) ou o próprio morador;
  • Os materiais (tubulações, acessórios, equipamentos) devem ser instalados obedecendo às recomendações de cada fabricante;
  • A contratada deve sempre seguir as normas de segurança para evitar acidentes; e,
  • Se houver trabalho em altura devem ser consideradas as normas vigentes.

O caderno de especificações de materiais deve ser anexado ao contrato ou, no caso de não o ter, inserir o projeto com memorial descritivo ou ainda o desenho técnico com as especificações e dimensionamento. Este anexo deve ser rubricado e aceito por todos.

Obrigações do condomínio

Quanto ao condomínio, também há obrigações que devem ser consideradas para o bom desenvolvimento dos trabalhos:

  • Controlar a entrada e saída dos funcionários;
  • Prover um espaço para a guarda dos materiais e equipamentos, uma vez que não seria simples alocar um contêiner numa garagem de condomínio;
  • Garantir acesso aos sanitários e vestiário para uso dos funcionários;
  • Gerir a comunicação interna do cronograma e aviso aos moradores para evitar problemas de acesso às unidades; e,
  • Exigir que os funcionários da contratada usem EPIs e tenham condições de trabalho em segurança.

Caso tenha problema de acesso a alguma unidade que impeça a finalização dos serviços, a contratada poderá incluir no contrato uma cláusula para desmobilização e custos com uma nova mobilização.

Caso exista apenas uma ou mais unidades que impeçam o término dos serviços, a contratada poderá requerer o pagamento da retenção do contrato referente ao que foi executado. Entenda-se que o acesso às unidades quando é necessária é uma responsabilidade atribuída ao condomínio.

Operação, leitura e cobrança

As empresas de individualização operam instalando e realizando o serviço de leitura. Este serviço tem custo, afinal a empresa tem que manter funcionários, equipamentos e acesso à web para que o cliente possa consultar seu consumo. O valor cobrado varia no mercado e o condomínio deve considerar a qualidade das informações que serão enviadas. Algumas empresas já fornecem consulta através de aplicativos no celular. O mínimo que o consumidor deve ter é a leitura anterior e atual (para calcular o volume) e o histórico. Com esses dados, o consumidor é capaz de verificar se houve erro nas leituras. É uma forma de fiscalizar a prestadora.

Quanto à cobrança, há dois modelos de cálculo mais aplicados no mercado.

  • Valor proporcional: Aqui, o valor da conta da concessionária é dividido pelo consumo total do condomínio e cria-se um valor que chamamos de “fator por m³” daquele mês.
    • Este valor é usado no cálculo de todos os apartamentos;
    • O volume da área comum é calculado subtraindo a soma dos individuais da entrada da concessionária. Aplica-se o “fator por m³” e o valor é então dividido por todos de acordo com a fração ideal.

Vantagem: Todo o valor da conta é rateado, eliminando a possibilidade de sobras de arrecadação;

Desvantagem: O fator muda mês a mês e fica mais difícil de gerir erros de leitura de um mês para o outro.

  • Tabela da Concessionária: Como exemplo vou usar a tabela SABESP – neste caso, existe o valor de taxa mínima equivalente e aplicada até 10m³. O excedente é calculado de acordo com a tabela da concessionária. A fração da área comum entra como um valor a ser somado no consumo individual.

Vantagem: É mais fácil de calcular e entender;

Vantagem/Desvantagem: Na cobrança pela tabela da concessionária pode haver uma arrecadação maior que a conta paga para concessionária (como se houvesse um refaturamento). Os apartamentos vazios acabam pagando sem usar o insumo (água ou gás) e isso pode gerar reclamações. Mas esse valor positivo na arrecadação pode ser visto como um valor a ser utilizado em melhorias.

Independente do modelo, a questão deve ser levada à assembleia para aprovação.

Se houver falhas no sistema, o que fazer?

Em qualquer um dos modelos de cobrança, a maior atenção deve ser dada a casos de erros ou falhas nos sistemas de leitura, pois volumes acumulados de um mês para o outro irão gerar valores de conta ainda maiores, já que o morador poderá pagar num mês onde o fator é mais caro ou, se for pela concessionária, entrar numa faixa de preço maior. Para evitar ou reduzir problemas, o condomínio deve ser avisado de imediato pela empresa que realiza a leitura e realizar uma das seguintes ações:

  • Se o hidrômetro fica em área comum (shaft), um funcionário do condomínio deve realizar a leitura visual imediatamente para evitar acúmulos de volume e reportar à empresa de leitura para que insira em seu sistema;
  • Se o hidrômetro fica dentro da unidade, o condomínio deve procurar o morador de imediato para realizar a leitura visual. Caso seja impedido, deve documentar as tentativas (três pelo menos) para que evite reclamações posteriores. Aqui a leitura também deve ser reportada à empresa que presta o serviço.

É oportuno lembrar que não há sistema de leitura infalível. Todas as empresas têm problemas de leitura, inclusive as concessionárias. Então a decisão e aprovação da individualização deve passar por uma análise de empresas. Tivemos em 2016 a falência de uma empresa multinacional que operou no Brasil por muitos anos e deixou seus clientes sem alternativas. Quem tinha o hidrômetro em área comum passou a fazer leitura visual ou contratou uma nova empresa que reinstalou tudo. Para aqueles que têm os medidores dentro dos apartamentos, restou a alternativa de trocar tudo também (reinvestir em novo sistema) ou voltar ao rateio pelo condomínio.

Portanto, é necessário avaliar as empresas também por sua saúde financeira, buscar informações do balanço e responsáveis em caso de falência. Existem empresas que são nacionais ou pertencem à outras de maior porte ainda que podem dar maior tranquilidade na escolha.


Matéria complementar da edição – 236 – julho/2018 da Revista Direcional Condomínios

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