Como assegurar que a edificação não traga risco à segurança dos usuários?

Como o síndico, gestor da edificação, pode prevenir, minimizar as incertezas e os riscos à segurança dos usuários.

1 – Introdução

Não é de hoje que presenciamos prédios ruindo no Brasil. Fato que traz muitas perdas humanas, materiais, ambientais e culturais, além da insegurança psicológica da sociedade. Para ilustrar os fatos, podemos citar os mais recentes casos no Rio de Janeiro  e em Fortaleza. No caso do prédio de Fortaleza, este havia sido submetido à inspeção de estrutura por engenheiro civil dois dias antes do colapso, que avaliou a edificação com grau de risco geral: regular / médio (G1, 2019).

2. Diagnóstico do problema

Estes acontecimentos refletem um problema oculto de nossa sociedade, com diversas edificações irregulares, tanto nos aspectos burocrático, de licenciamento nos órgãos governamentais, quanto no técnico, proveniente de um mercado de venda de ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) e RRT (Registro de Responsabilidade Técnica), sem a realização de qualquer atividade pelos profissionais que as emitem. Uma chaga oculta que está mostrando suas consequências trágicas.

Para esclarecer o problema vale lembrar que as ART e RRT são autodeclarações de responsabilidade de uma ou mais atividades que o profissional exercerá ou exerceu, sendo que vendê-la como um produto se equivale a um médico vender uma receita sem realizar uma consulta (OLIVEIRA, 2017). Esse é mais um tipo de corrupção que devemos combater com muita energia, pois, como se diz popularmente: “Quando o médico erra, resulta numa vítima. Quando o engenheiro civil erra, resulta em diversas vítimas”.

Portanto, entende-se que a causa fundamental do problema seja a realização de atividades exclusivas de profissionais de engenheira e arquitetura por pessoas não habilitadas e/ou capacitadas para tal função, que acabam recebendo a anuência de profissionais negligentes, encobrindo esses rastros da fiscalização.

3. Terapia do problema

Para que o gestor e/ou responsável pela edificação diminua sua incerteza quanto à segurança da edificação é necessário que se realize um processo de atividades de verificação dos indícios do estado aparente de desempenho da edificação, que pode ser feita pela contratação de um serviço de Inspeção Predial. Porém, mesmo na inspeção predial, existem diversas ressalvas a serem consideradas.

A começar pelo escopo da atividade de inspeção predial, que ainda não é normatizada – o projeto de norma específica, a ABNT NBR 16747:2018, está em fase de análise das sugestões recebidas pela consulta nacional. A inspeção predial abre margem a uma maior ou menor abrangência, e maior ou menor aprofundamento das análises, as quais tendem, de certo, a ficarem cada vez mais superficiais diante da principal prática de mercado, da contratação pelo menor preço.

Mesmos dentro do escopo da norma de inspeção predial (ABNT, 2018), que está sendo elaborada pela comissão de estudos da ABNT, existem limitações, tais como:

a) Acesso à verificação de elementos ocultos (por exemplo: condições e quantidade da armadura, do concreto etc.);

b) Acesso a documentos (projetos, memoriais, manuais etc.), normalmente extraviados ou inexistentes;

c) Não obrigatoriedade de realização de ensaios / prospecções aprofundadas;

d) Não abranger a verificação e revisão de cálculos;

e) Não abranger a verificação de critérios de normas técnicas aplicáveis;

f) Limitada pelo conhecimento científico atual, quanto a análises computacionais, ensaios, equipamentos que possibilitem a real análise do comportamento de edificações existentes.

Portanto, a inspeção predial não traz, como o senso comum entende, garantia plena de verificação de conformidade, segurança, estabilidade. Assim como muitas coisas em nossas vidas, a inspeção predial também possui incertezas que devemos gerenciar e com as quais precisamos conviver.

4. Conclusão

Como vimos, a inspeção predial, mesmo que corretamente executada, traz limitações que impedem a certeza da segurança de uma edificação. Por isso, este autor, com formação, especialização e experiência na área de perícias, inspeções, auditorias, análise de patologias de construção, recomenda que se houver qualquer falta de registro que comprove a qualidade de projeto e execução de uma edificação (principais sustentáculos da segurança), deve-se buscar todos os meios técnicos do conhecimento atual para aprofundamento da análise de inspeção. Deixando de ser apenas uma inspeção sensorial, para uma investigação de desempenho.

Esse aprofundamento não será imposto na normatização por razões compreensíveis, de não inviabilizar técnica e economicamente essa atividade, que será aplicada em escala nacional a todos os padrões socioeconômicos existentes. Mas que caberá ao inspetor identificar tal incerteza e informar ao responsável pela edificação de que são necessários mais dados para se avaliar o risco.

Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16747: Inspeção Predial, diretrizes, conceitos, terminologia, requisitos e procedimento. Rio de Janeiro, 2018. (projeto em elaboração)

DIÁRIO DO NORDESTE. Colunas “estouram” e prédio residencial corre risco de desabar na Maraponga. Fortaleza, 2019.

G1. Prédio que desabou foi liberado por engenheiro semana passada: veja laudo. Fortaleza, 2019.

G1 Rio. Cinco pessoas morrem em desabamento de prédios na Muzema, comunidade na Zona Oeste do Rio. Rio de Janeiro, 2019.

OLIVEIRA, Ronaldo Sá. Quanto você cobra por uma ART?. São Paulo, 2017.


Não reproduza o conteúdo sem autorização do Grupo Direcional. Este site está protegido pela Lei de Direitos Autorais. (Lei 9610 de 19/02/1998), sua reprodução total ou parcial é proibida nos termos da Lei.


Autor

  • Marcus Vinícius Fernandes Grossi

    Engenheiro Civil, é doutorando em tecnologia da construção pela USP; mestre em Tecnologia da Construção de Habitações pelo IPT; especialista em Excelência Construtiva e Anomalias pelo Mackenzie; em Gestão e Tecnologia da Construção pela POLI-USP; Inspetor de Estruturas de Concreto pelo IBRACON, ABECE e ALCONPAT. Atua como Perito Judicial, Assistente Técnico da Defensoria Pública e Ministério Público do Estado de São Paulo; professor universitário; palestrante de cursos de perícia e patologia das construções. É sócio-gerente da Fernandes & Grossi Consultoria e Perícias de Engenharia, onde atua com consultoria, perícias de engenharia, inspeção predial, entrega de obras, auditoria de projetos, normatização técnica, desempenho e qualidade das construções. Atualmente é membro da Divisão Técnica de Patologia das Construções do Instituto de Engenharia e associado da ALCONPAT - Associação Brasileira de Patologia das Construções. Lançou a obra “Inspeção e Recebimento de Obras/Edificações Habitacionais” (LEUD Editora, 2020).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

4 + 14 =