Os condomínios, assim como muitos outros setores da sociedade, não estavam preparados para a pandemia que hoje vivemos. Pela primeira vez, os condomínios no mundo se deparam com enfrentamento de questões jurídicas, comportamentais, sociais e, principalmente, políticas, que pedem para a população deixar as ruas e permanecer dentro de casa. E, na maior parte das vezes, a casa fica em “verdadeiras cidades” como se caracterizam inúmeros condomínios.
Após observarmos os primeiros dias do distanciamento e isolamento social, podemos dizer que os condomínios vêm passando por ondas, das quais identificamos cinco (5):
1) Susto e desespero;
2) Decisão;
3) Adaptação;
4) Acomodação;
5) Reflexão e Reflexos.
Neste momento, estamos entre as ondas da Decisão (2) e Adaptação (3), momento que o Poder Legislativo apresenta propostas, ainda que atrapalhadas, tentando, de maneira proativa, prevenir maiores danos.
Não é outra a visão sobre o PL 1.179/2020, que mesmo sendo um tanto atrapalhado, busca encontrar uma saída em um quarto escuro. O Projeto de Lei foi apresentado ao Senado Federal na segunda-feira dia 30 de março de 2020, pelo senador Antonio Anastasia. Em boa hora, mas sem muita familiaridade com a prática jurídica condominial, dispõe um capítulo para este segmento, assim definido:
“Dos Condomínios Edilícios
Art. 15. Em caráter emergencial, além dos poderes conferidos ao síndico pelo Art. 1.348 do Código Civil, compete-lhe:
I – Restringir a utilização das áreas comuns para evitar a contaminação do Coronavírus (Covid-19), respeitado o acesso à propriedade exclusiva dos condôminos;
II – Restringir ou proibir a realização de reuniões, festividades, uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos, como medida provisoriamente necessária para evitar a propagação do Coronavírus (Covid-19), vedada qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor direto de cada unidade;
Parágrafo único. Não se aplicam as restrições e proibições contidas neste artigo para casos de atendimento médico, obras de natureza estrutural ou a realização de benfeitorias necessárias.
Art. 16. A assembleia condominial, inclusive para os fins dos Arts. 1.349 e 1.350 do Código Civil, e a respectiva votação poderão ocorrer, em caráter emergencial, por meios virtuais, caso em que a manifestação de vontade de cada condômino por esse meio será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial.
Art. 17. É obrigatória, sob pena de destituição do síndico, a prestação de contas regular de seus atos de administração.”
Ainda que coberto de boas intenções, o PL “chove no molhado”, sem observar o que já temos no ordenamento jurídico, onde, pelo Art. 1.334 do Código Civil, os condomínios podem se auto regulamentar, cabendo ao administrador/síndico, nos termos dos Art. 1.347 e 1.348, Incisos II e V (todos do CC), adotar medidas administrativas de interesse da coletividade para preservar a saúde, ordem de direito que se encontra protegida na Constituição Federal (que em seu Caput do Art. 5º estabelece a vida antes da propriedade). Os gestores vêm atendendo também às suas responsabilidades penais no tocante às orientações governamentais, com base no Art. 268 do Código Penal, que considera crime eventual afronta.
Tais condições, aliadas à responsabilidade dos proprietários em agir com suas obrigações trazidas pelos Incisos II e IV do Art. 1.336 do CC, dispensariam grande parte do estabelecido neste PL do Senado.
O PL confunde ainda as obrigações do Art. 1350 do CC (Convocação de assembleias ordinárias de prestação de contas, previsão orçamentária, escolha de síndico e alteração de Regimento Interno), que são de caráter interna corporis, e passiveis de adiamento, inclusive com interferência judicial. É possível inclusive a antecipação de tutela (liminar) nos termos do §2º do mesmo artigo, com o Art. 1.349 do mesmo códex, que trata de destituição de síndico em decorrência de uma convocação de assembleia para transferência de poder a pedido do síndico (§2º do Art. 1.348 do CC).
Perde uma oportunidade de estabelecer regras mais claras e com mais segurança jurídica perante terceiros, quando desconsidera o que já existe na assembleia virtual, muitas vezes pouco usada, tais como a utilização de atas notariais, que em reuniões on line por aplicativos (tal como usado no Senado Federal) podem ser gravadas e levadas a registro. Da forma como apresentado o Projeto de Lei em relação às assembleias virtuais, se fragiliza a segurança jurídica em modus operandi tão informal quanto frágil.
Neste sentido, a iniciativa do Senado Federal acaba usando a oportunidade para penalizar e trabalhar com o instituto da má-fé em lugar de considerar a regra da boa-fé da gestão.
Também no campo das locações o PL é insuficiente, suspendendo liminares de despejo, observando certas restrições, determinado a possibilidade do adiamento de pagamento, se assim definir o locatário, sem possibilidade de negociação direta entre locador e locatário, em contrário censo aos ditames da livre negociação contratual.
Determina, por fim, o adiamento da entrada em vigor da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) para o dia 31 de outubro de 2020, ainda que o setor de proteção de dados tenha sido considerado atividade essencial.
Em relação ao que prevê a matéria em relação aos pagamentos, vale lembrar que não cabe a suspensão de rateios aos condomínios, ora por este não ser Pessoa Jurídica nos termos do PL, ora por ser a natureza do pagamento um rateio de despesas, pois, para haver a continuidade de todas as atividades essenciais existentes no condomínio (segurança/portaria e limpeza), carece de ratear essas despesas aos condôminos.
Em resumo, temos mais uma vez para o setor condominial um PL escrito com atropelos e que não reflete a realidade prática da gestão nesse segmento.
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