Um bom exemplo é dado pelo Projeto Bons Vizinhos, do Núcleo Permanente de Conflitos de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (NUPEMEC), no município de Pelotas. Ali são aplicados círculos restaurativos com participação de todos os envolvidos no conflito de forma direta e indireta, em um processo dialógico conduzido por um facilitador capacitado, no qual muita escuta é proporcionada e que pode resultar em planos de ações ou combinados de convivências, reparações de danos, restaurações e prevenções.
A Justiça Restaurativa passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro com a Resolução 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que a define “como um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias que visa a conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturado”. A partir desta ampla definição, já acontecem práticas de Justiça Restaurativa no País, em várias áreas e por diversas metodologias.
O contexto de conflitos decorrentes do consumo de drogas requer um olhar atento e muito ampliado para cada realidade. A nossa legislação (Lei 11.343/2006) instituiu o Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas com um viés humanizado, ao prescrever medidas de prevenção, atenção e reinserção social de usuários e dependentes.
Para o estudo deste tema precisamos da lente restaurativa para cada usuário, com a análise de como é o sistema em que ele está inserido que possa lhe ajudar; quem são seus familiares; qual a sua rede de convívio mais próxima, amigos? Qual é a sua comunidade? Perdemos a noção do coletivo, como se o problema fosse sempre do outro, o problema é nosso, a drogadição é uma questão social e de saúde pública. A partir de um enfoque sistêmico, começa-se a pensar no que é a Justiça Restaurativa e qual pode ser a colaboração das suas práticas.
Um bom exemplo que temos é o Projeto Bons Vizinhos, do Núcleo Permanente de Conflitos de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (NUPEMEC), por meio do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Comarca de Pelotas (CEJUSC), em parceria com a Secretaria de Habitação deste município. O Projeto foi implantado desde 2015 por moradores de condomínios populares com altos índices de conflitos e violências constatados, como possibilidade do Poder Judiciário levar conciliadores, mediadores e facilitadores da Justiça Restaurativa ao local, bem como com palestras de conscientização e oficinas de boa vizinhança e de direitos e deveres dos condôminos, como formas de prevenir e tratar os conflitos.
Este exemplo é muito útil para pensarmos no tema da drogadição em condomínios a partir da aplicação da Justiça Restaurativa como realização de círculos restaurativos, em que sejam convidados todos os envolvidos no conflito de forma direta e indireta, em um processo dialógico conduzido por um facilitador capacitado, no qual muita escuta é proporcionada e que pode resultar em planos de ações ou combinados de convivências, reparações de danos, restaurações e prevenções.
Para cada conflito como os que costumam ser reportados pelos síndicos, desde o cheiro da fumaça do cigarro da maconha reclamado por um vizinho aos furtos praticados por dependente químico nas dependências do condomínio, o gestor poderia se utilizar dos Círculos de Construção de Paz, segundo Kay Pranis (2010), uma metodologia:
“(…) com inclusão de todos os envolvidos (vítimas de um crime, os perpetradores e a comunidade) num processo de compreensão dos danos e criação de estratégias para a reparação dos mesmos. Um círculo é uma forma de reunir pessoas em que todos sejam: iguais, respeitados, tenham igual oportunidade de falar e os aspectos emocionais sejam acolhidos.”
Os círculos restaurativos acontecem com a condução de facilitadores e podem ser realizados no próprio condomínio com os moradores envolvidos no conflito e demais interessados que queiram convidar.
Outra possibilidade de resolução extrajudicial seria a realização de círculos restaurativos nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania que desenvolvam o método ou na fase processual, quando há aplicações do método.
Ressalta-se ainda, nos conflitos condominiais por drogadição, a importância do respeito ao contexto, às legislações vigentes e normas internas, como a Convenção Condominial e o Regimento Interno. Por fim, a utilização dos círculos restaurativos propõe roda de conversas sobre o quanto o dano gerado por um usuário de drogas o afeta, afeta seus familiares, o condômino e toda a coletividade, pois vivem em uma comunidade; assim como pode fazê-los pensar em soluções conjuntas colaborativas que favoreçam a todos.
Condomínio: Por um ambiente de convivência
É importante também refletirmos que os conflitos acontecem ainda pela ausência da comunicação e da falta de convivência. Há um distanciamento social entre as gerações, a sociedade compartimentaliza as faixas de idade em cada geração, de acordo com seus próprios interesses (ver em FERRIGNO, 2015).
Como vivem e convivem as gerações? Esta pergunta poderíamos também transpor para o contexto condominial: Como vivem e convivem os condôminos? Em geral, o que vemos é que muito do convívio vem se perdendo, o olhar é sempre individual.
E estas questões refletem quando pensamos em convivência intergeracional. Estamos vivendo mais, a busca pela qualidade de vida é constante. Sabemos que há muitos idosos que moram sozinhos, com autonomia em idade avançada. Mas há muita solidão também em face da não convivência com demais vizinhos, familiares e amigos e isto não acontece somente com os idosos. Em qualquer idade as pessoas estão cada vez mais isoladas e perdendo a conexão com o outro e com a sua comunidade.
Nesse sentido, os conflitos podem se instalar por falta de tolerância e também pelo desrespeito. Podemos pensar no exemplo de uma festa de adolescentes, quando o salão de festas está alugado até um determinado horário previsto no Regimento Interno e o evento ultrapassa com muito barulho o tempo previsto, podendo ter um vizinho do andar de cima com uma criança que não consegue dormir, ou uma idosa também com dificuldades em dormir pelo barulho. Caso não cumprido o combinado ao silêncio, instaura-se um exemplo de conflito intergeracional com os pais dos adolescentes e demais vizinhos, conflito este que também passa a envolver o síndico e administradores quando não tomam as providências necessárias para o encerramento da festa.
Um outro exemplo de conflito intergeracional pode ser gerado pela depreciação de áreas comuns, como brinquedos de um playground, ou computadores da “lan house” do prédio, que afetam as crianças e os demais moradores. Desta forma, vários conflitos surgem em uma comunidade condominial, sendo que o caminho para o diálogo é a melhor solução. Pois como disse Mahatma Ganchi, “não existe um caminho para a paz. A paz é o caminho”.
Referências:
FERRIGNO, FERRIGNO, José Carlos. “A Relação entre o Jovem e o Idoso Fragilizado: um Raro e Sugestivo Encontro de Relações”. In: A Quarta Idade: o desafio da longevidade. Editores Matheus Papaléo Netto, Fábio Takashi Kitadai: coeditoras Renata Freitas Nogueira Salles, Christiane Mandolesi Vilas Boas, Maria Cristina Guapindaia Carvalho- São Paulo: Editora Atheneu, 2015;
PRANIS, Kay. Processos Circulares de Construção de Paz. Tradução de Tônia Van Acker – São Paulo: Palas Athena, 2010.
PROJETO BONS VIZINHOS. Disponível em: https://br.search.yahoo.com/search?fr=mcafee&type=D211BR714G0&p=projeto+bons+vizinhos. Acesso em 13 jun 2017.
RESOLUÇÃO 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça. Dispõe sobre a Política Nacional da Justiça Restaurativa no âmbito do Judiciário e dá outras providências. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/images/atos_normativos/resolucao/resolucao_225_31052016_02062016161414.pdf. Acesso em 13 jul. 2018.
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