A multipropriedade imobiliária e os condomínios

O conceito de multipropriedade imobiliária surgiu nos Estados Unidos em meados dos anos 60 através do termo “time sharing”, que significa em português “tempo compartilhado”. Aquele país estava passando por um momento de recessão econômica em decorrência do período pós-guerra para permitir o uso compartilhado das casas de veraneio.

Origem e conceito

O conceito de multipropriedade imobiliária surgiu nos Estados Unidos em meados dos anos 60 através do termo “time sharing”, que significa em português “tempo compartilhado”. Aquele país estava passando por um momento de recessão econômica em decorrência do período pós-guerra para permitir o uso compartilhado das casas de veraneio.

Gustavo Tepedino conceitou a multipropriedade como a “relação jurídica de aproveitamento econômico de uma coisa móvel ou imóvel, repartida em unidades fixas de tempo, de modo que diversos titulares possam, cada qual a seu turno, utilizar-se da coisa com exclusividade e de maneira perpétua” (Ver em: TEPEDINO. Gustavo. Multipropriedade imobiliária, São Paulo: Saraiva, 1993, página 1).

O instituto da multipropriedade traz a possibilidade de compra de um imóvel por vários sujeitos, diferenciando-se da compra e venda simples pelo fato destes sujeitos gozarem do bem em períodos distintos e pré-determinados do ano, sem que o uso por um afete o direito de fruição pelo outro.

No Brasil, o sistema de multipropriedade imobiliária só passou a vigorar em 2018 com a Lei 13.777, que acrescentou ao Código Civil o Capítulo VII-A, dando ao instituto o seguinte conceito:

“Art. 1.358-C. Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada.”

No Brasil, devido o costume local, ainda há a necessidade de aquisição do imóvel próprio como um ato de necessidade e anseio pessoal da população em geral, ter para si próprio, sem o desejo de compartilhamento. Por este motivo, o instituto demorou tanto para ser aplicado legalmente em nosso país.

Maria Helena Diniz conceitua ainda o instituto como:

“O sistema ‘time sharing’ ou multipropriedade imobiliária é uma espécie condominial relativa aos locais de lazer, pela qual há um aproveitamento econômico de bem imóvel (casa, chalé, apartamento), repartido, como ensina Gustavo Tepedino, em unidades fixas de tempo, assegurando a cada cotitular o seu uso exclusivo e perpétuo durante certo período anual (mensal, quinzenal ou semanal)” (Ver em: DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 4º volume. São Paulo: Saraiva, 2013, página 212).

Natureza jurídica

O direito à propriedade é um direito fundamental resguardado pelo Art. 5°, Incisos XXI e XXII, de nossa Carta Magna. Já seus efeitos são facultados por meio do positivado no Código Civil Brasileiro, reconhecidos como o exercício de direito real sobre uma coisa.

Não obstante, o Código Civil Brasileiro não define a propriedade, mas sim as faculdades competentes àquele que é titular desse direito.

Diante do contextualizado, podemos compreender que a natureza jurídica da propriedade é definida pela competência de praticar sobre determinada coisa a plenitude do direito de usar, frutificar, dispor e reaver a coisa a qual recai a prática desse poder.

Outrossim, a propriedade pode ser definida pela capacidade atribuída ao seu titular de praticar atos que justifiquem a plenitude sobre a coisa, capacidade esta individualizada, resguardando ao senhor deste direito proteção e segurança jurídica contra terceiros.

A multipropriedade, condição nova criada pela necessidade natural das relações condominiais, tem o seu emprego definido no exercício pleno da propriedade, estabelecendo aos condôminos do bem o exercício das faculdades desse direito real dentro de um prazo temporal pré-estabelecido.

Considerações sobre a lei

A Lei 13.777/18 acrescentou o Capítulo VII-A ao Código Civil. A legislação alterou a redação dos Art. 176 e Art. 178 da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), incluindo o instituto da multipropriedade imobiliária como ato de registro.

Como já mencionado, a multipropriedade se conceitua como um regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel.

O Inciso II do Art. 1.358-E do Código Civil estabelece ainda que as instalações, os equipamentos e o mobiliário também serão incluídos no imóvel em multipropriedade.

O Art. 1.358-E do Código Civil estabelece também que a fração de tempo será indivisível e será, de no mínimo, 07 (sete) dias. Neste ponto, o período poderá ser seguido ou intercalado, fixo e determinado no mesmo período todos os anos, flutuante (sendo realizado e definido de forma periódica) ou misto (de forma fixa e flutuante).

O período de uso de cada multiproprietário poderá ser definido entre eles da forma que desejaram, desde que seja levado a termo no documento de instituição da multipropriedade.

O Art. 1.358-F e seguintes do Código Civil definem a forma como será realizada a instituição da multipropriedade imobiliária.

A instituição da multipropriedade poderá ser feita por ato entre vivos ou testamento, registrado no competente cartório de registro de imóveis, devendo constar daquele ato a duração dos períodos correspondentes a cada fração de tempo.

Além das cláusulas estipuladas entre os multiproprietários, conterá ainda a Convenção do condomínio em multipropriedade, que será mais bem definida em tópico específico a seguir.

A legislação estabeleceu ainda os direitos e obrigações do multiproprietário. Dentre eles, destaca-se o direito de uso e gozo no período pré-determinado, o de cessão e alienação da fração de tempo e o direito de participação em assembleias, de forma pessoal ou através de um procurador.

Com relação às obrigações, cada multiproprietário deverá observar as regras estabelecidas na instituição da multipropriedade, na Convenção e no Art. 1.358-J do Código Civil, podendo destacar os seguintes pontos:

– Pagar a contribuição estipulada para fins de rateio e manutenção do imóvel, conforme a sua fração de tempo;

– Responder por danos causados ao imóvel durante a sua utilização;

– Avisar o administrador do imóvel imediatamente acerca de qualquer defeito, avaria ou vício no imóvel durante a sua utilização;

– Usar o imóvel durante a sua fração de tempo conforma a sua destinação: Neste ponto, tratando-se de um imóvel destinado à multipropriedade imobiliária, ressalvado hipóteses de previsão em sua instituição, o proprietário não poderá locar a sua fração de tempo para terceiros ou via aplicativo.

Outro ponto de extrema importância na legislação é o fato de, na multipropriedade imobiliária, não ser necessária a aplicação do direito de preferência, comum na área imobiliária, no caso de transferência da fração de tempo para terceiros, salvo apenas no caso de previsão no instrumento de instituição ou na Convenção do condomínio em multipropriedade.

Neste sentido, o Art. 1.358-L do Código Civil estabelece:

“Art. 1.358-L. A transferência do direito de multipropriedade e a sua produção de efeitos perante terceiros dar-se-ão na forma da lei civil e não dependerão da anuência ou cientificação dos demais multiproprietários.”

Silvio Venosa estabelece ainda que “a transferência do direito de multipropriedade pode acontecer sem precisar da anuência ou cientificação dos demais proprietários, ou seja, se a pessoa que for transferir a sua multipropriedade a terceiro, não precisa avisar todos os multiproprietários que existem naquela unidade e também não precisa que eles aceitem ou não a decisão. Ademais, não há direito de preferência na alienação aos demais condôminos ou ao instituidor, salvo se tiverem estipulado no instrumento de instituição ou convenção” (Ver em: VENOSA, Sílvio de Salvo. Direitos Reais. 3° Ed. São Paulo: Atlas, 1999).

A legislação estabelece ainda a necessidade de nomeação de pessoa indicada para fins de administração do imóvel em multipropriedade, conforme o Art. 1.358-M do Código Civil.

Esta pessoa se equipara ao síndico no condomínio edilício, sendo responsável pela coordenação do imóvel, manutenção, realização de orçamentos, cobrança dentre outras responsabilidades.

Por fim, o Art. 1.358-O do Código Civil prevê a possibilidade de existência do regime de multipropriedade parcial dentro do condomínio edilício, ou seja, parte das suas unidades em regime comum (residencial ou comercial) e a outra parte em regime de multipropriedade imobiliária.

Modalidades existentes de multipropriedade

A multipropriedade imobiliária pode ser subdividida para duas destinações: Fins de lazer e hotelaria.
Na multipropriedade para fins de lazer, podemos considerar a hipóteses de amigos ou familiares que juntos adquirem um bem para divisão de custos e uso em determinados períodos a serem estabelecidos entre eles.

Com relação à multipropriedade com destinação hoteleira, Roberto Paulino de Albuquerque Junior traz a possibilidade de aquisição de unidade autônoma de hotel sob o regime de multipropriedade imobiliária, tornando-se possível “aos multiproprietários usufruírem não apenas do imóvel, mas de todos os serviços próprios da hospedagem no hotel. Esta modalidade se torna ainda mais interessante quando ligada a uma opção de escolha do local onde o direito será exercido, podendo o multiproprietário passar o seu período dominical quer no local de aquisição originária, quer em outro pertencente à mesma rede” (ver em: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino de. “A multipropriedade imobiliária hoteleira e o direito internacional privado”. Revista Jurídica UNIJUS, v. 9, 10, maio/06. Uberaba: Universidade de Uberaba/Ministério Público de Minas Gerais, página 134).

Convenção condominial da unidade sob regime de multipropriedade

O regime de multipropriedade, por si só, resulta na necessidade de amarrar os direitos e as obrigações comuns aos multiproprietários, razão pela qual a Lei 13.777/2018 determina a elaboração de Convenção de condomínio em multipropriedade.

Portanto, obrigatoriamente, a Convenção deve disciplinar matérias como os poderes e deveres dos multiproprietários, o número máximo de pessoas que podem ocupar simultaneamente o imóvel, regras de acesso do administrador condominial, fundo de reserva exclusivo da unidade em multipropriedade, regime aplicável em caso de perda ou deterioração do imóvel e sanções aplicáveis aos multiproprietários na hipótese de descumprimento dos termos da convenção.

Ainda, a Convenção de condomínio em multipropriedade deve prever a forma de rateio das despesas de manutenção e limpeza do imóvel com suas instalações, equipamentos e mobiliário, regras de convivência comum, disposições a respeito do administrador da multipropriedade, a possibilidade de afastamento temporário do multiproprietário antissocial, dentre outras questões de interesse comum.

Importante destacar que a Convenção em multipropriedade não se confunde com a Convenção do condomínio edilício.

Se o imóvel em multipropriedade pertencer a condomínio edilício, os multiproprietários deverão cumprir as regras dispostas na Convenção de condomínio em multipropriedade e na Convenção do condomínio edilício, nos termos do Art. 1.358-P, do Código Civil de 2002.

Por fim, é de suma importância ao adquirente de fração de tempo de condomínio em multipropriedade observar estritamente os termos da Convenção para fins de evitar futuros transtornos.


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Autor

  • Diego Victor Cardoso Teixeira dos Reis

    Advogado atuante nas áreas de Direito Condominial, Imobiliário e Recuperação de Crédito, sócio fundador do escritório Teixeira e Reis Advogados Associados. Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie. Pós-graduado em Direito Imobiliário, Notarial e Registral pela Faculdade Legale. Vice-presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da 56ª Subseção da OAB Osasco.

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