A regulamentação versus a profissionalização do síndico profissional

O perfil do síndico vem mudando ao longo dos anos. Até pouco tempo o síndico era costumeiramente um morador que tinha disponibilidade de tempo por ser um profissional liberal ou por estar aposentado, o qual normalmente exercia o cargo de forma graciosa e algumas vezes em troca da isenção da cota condominial.

Porém, com a entrada em vigor do Código Civil (Lei 10.406/2002), que passou a viger em janeiro de 2003, o Art. 1.347 trouxe uma novidade, a de que o síndico poderia ser pessoa estranha ao condomínio; não que antes não poderia, mas a inovação foi a previsão na legislação. Antes do Código, estava em vigor o Art. 22 da Lei 4.591/64, a qual estabelecia que o síndico seria eleito na forma da Convenção, sem qualquer menção de que poderia pessoa estranha ao condomínio. E, via de regra, as convenções não traziam a opção de síndico não condômino e, nas exceções, quando traziam a opção da eleição de pessoa estranha ao condomínio, a situação gerava conflitos de entendimento. Por exemplo: quanto à representatividade perante a administradora e instituições financeiras. 

Atualmente é clara e prática habitual no mercado a possibilidade de eleição de síndico estranho ao prédio. Fato que ocorre mesmo quando a Convenção, norma de direito privado, assim proíba, uma vez que a lei de direito público, Art. 1.347 do CC, permite. Desta feita, a norma de direito público (Código Civil) prevalece sobre a norma de direito privado (Convenção). E quando houver divergência o ideal seria atualizar a Convenção a partir da vigência do código civil de 2002, para não gerar confusões internas.

Esse síndico, pessoa estranha ao prédio, ficou popularmente conhecido como síndico profissional, mesmo que inexista por ora a regulamentação da profissão.

O crescimento da profissão do síndico profissional se deve, ao meu ver, a três fatores: Primeiro, à imparcialidade do profissional, uma vez que esse não mora no prédio; segundo, o profissional exerce a função com qualificação, uma vez que se propõe a fazer deste trabalho a sua profissão; e, por fim, o profissional fica atrelado a um contrato de prestação de serviços. Não quer dizer que não existam excelentes síndicos moradores e síndicos profissionais desqualificados, mas em tese o profissional tem se preparado cada vez mais para substituir o síndico morador, quando o prédio tiver essa necessidade. Lembrando que a maioria dos síndicos profissionais já foi algum dia síndico morador.

Regulamentação

Da profissionalização para a regulamentação da profissão é um caminho longo e precisa ser avaliado se é realmente necessário.  O STF entende que a regulamentação de profissões é legítima quando houver “potencial lesivo” na atividade que ele exerce e o inequívoco interesse público.

Conforme aduzido na Constituição Federal, Inciso XIII do Art. 5º:

“XIII – É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;”

E ainda na Constituição, o Parágrafo único, do Art. 170: “Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

Ou seja, o exercício de uma atividade econômica como a de síndico profissional não requer necessariamente a regulamentação. Atualmente existem mais de 2400 ocupações reconhecidas pela Ministério do Trabalho e pouco mais de 79 profissões regulamentadas. 

E caso seja necessário regulamentar a profissão de síndico profissional, o caminho a seguir passa por: Lei de iniciativa do Congresso Nacional; recomendável que haja o reconhecimento da ocupação pela Classificação Brasileira de Ocupações – CBO; o exercício da profissão deve ser vinculado ao interesse público e deve haver condições para fiscalização do exercício profissional.

Existe uma nota técnica da assessoria jurídica do Senado por solicitação do Senador Hélio José, a qual se manifestou no seguinte sentido:

“É muito comum confundir regulamentação profissional com o reconhecimento da profissão e com a garantia de direitos, quando, na verdade, regulamentar significa impor limites, restringir o livre exercício da atividade profissional, já valorizada, reconhecida e assegurada constitucionalmente. O poder do Estado de interferir em determinada atividade para limitar seu livre exercício só se justifica se o interesse público assim o exigir.

Sobre o tema da regulamentação de profissões, o Ministro Gilmar Mendes, ao relatar Recurso Extraordinário, em que o Ministério Público Federal e o Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo – SERTESP (assistente simples) defendiam a não-recepção, pela Constituição de 1988 (art. 5º, IX e XIII, e art. 220, caput e § 1º), do Art. 4º, inciso V, do Decreto-Lei nº 972, de 1969, o qual exige o diploma de curso superior de jornalismo para o exercício da profissão de jornalista, afirma:

A doutrina constitucional entende que as qualificações profissionais de que trata o Art. 5º, inciso XIII, da Constituição, somente podem ser exigidas, pela lei, daquelas profissões que, de alguma maneira, podem trazer perigo de dano à coletividade ou prejuízos diretos a direitos de terceiros, sem culpa das vítimas, tais como a medicina e demais profissões ligadas à área de saúde, a engenharia, a advocacia e a magistratura, dentre outras várias.

Na mesma ocasião, o Ministro Gilmar Mendes enfatizou ainda que a profissão que não implicar riscos à saúde ou à vida dos cidadãos em geral não poderia ser objeto de exigências quanto às condições de capacidade técnica para o seu exercício. Eventuais riscos ou danos efetivos a terceiros causados pelo profissional não seriam inerentes à atividade e, dessa forma, não seriam evitáveis pela exigência de um diploma de graduação.

Seguindo a linha de raciocínio até aqui desenvolvida, tais entendimentos, que bem apreendem o sentido normativo do Art. 5º, XIII, da Constituição, já demonstram a desnecessidade de regulamentar a profissão pretendida.

Eduardo G. Saad, reconhecido doutrinador justrabalhista, assim define a questão: ‘Percebe-se que ele (o legislador) age sob a pressão de pequenos grupos interessados na proteção de certas vantagens e de certos privilégios, mediante a eliminação de eventuais concorrentes.’ (…) (CLT Comentada, 21ª ed., 1988, pp. 172-3).”

NOTA INFORMATIVA Nº 1.858, DE 2017 – Referente à STC nº 2017-05258, do Senador Hélio José, para avaliar a possibilidade de regulamentação da profissão de síndico, uma vez que já existe o curso de tecnólogo em gestão de condomínios. Consultoria Legislativa, 21 de junho de 2017. José Pinto da Mota Filho. Consultor Legislativo

Precisamos lembrar que asindicância é um cargo/função, sendo que nos termos do Art. 1.347 do Código Civil, ele requer eleição. Então, a sindicância profissional não se trata apenas de contratar um síndico e sim de elegê-lo. Nesse sentido questiono: Os requisitos para ser síndico profissional regulamentado vão de fato trazer gestores mais qualificados ou apenas criar uma barreira para o exercício do cargo?

Essas e outras perguntas somente serão respondidas se de fato tivermos uma regulamentação a qual, por ora, entendo desnecessária pelos motivos acima expostos.

Leia nota sobre a regulamentação da profissão de síndico, assinada pelo CRA-SP (através do seu presidente Roberto Carvalho Cardoso) e pelos membros do GEAC (Grupo de Excelência em Administração de Condomínios). 


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Autor

  • Rodrigo Karpat

    Advogado, especialista em Direito Imobiliário e administração condominial e sócio do escritório Karpat Sociedade de Advogados. É coordenador de Direito Condominial na Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB-SP, palestrante e ministra cursos em todo País, além de colaborar para diversas mídias especializadas. É colunista de sites e mídias impressas, além de consultor da Rádio Justiça de Brasília e do Programa "É de Casa", da Rede Globo. Apresenta os programas "Vida em Condomínio", da TV CRECI, e "Por Dentro dos Tribunais", do Portal Universo Condomínio.