A síndica profissional Vanilda de Carvalho e o poder feminino

“Na sindicatura e na vida, mulheres precisam se ajudar”

Vanilda de Carvalho, 52 anos, luta contra o machismo e a violência doméstica em condomínios

Síndica profissional Vanilda de Carvalho

Sou síndica há 20 anos, comecei como orgânica, depois me especializei e fiz carreira como síndica profissional. A minha vida deu uma guinada com a sindicatura, pois me trouxe realização pessoal e profissional, e um salto financeiro, fruto de preparo, disposição e comprometimento. Não foi fácil, há um custo em tudo isso, mas vieram tão boas surpresas! Alguns colegas muito queridos do setor brincam comigo, me chamam de ‘a rainha do centro’ porque atuo bem mais nessa área da cidade: são oito condomínios, quatro deles tombados, os meus xodós! Cuido dessas edificações paulistanas com todo zelo às particularidades arquitetônicas.

Hoje eu vivo no centro de São Paulo, me apropriei da região (risos). Nasci em Salvador, mas cheguei menininha em Taboão da Serra, perto da capital paulista. Fui criada com três irmãos, estudei em escola pública e ganhei a minha primeira boneca aos 11 anos. Meu pai era pedreiro, mas inconstante com o trabalho devido ao alcoolismo. Para não faltar o arroz e o feijão, minha mãe arregaçou as mangas e foi fazer faxinas. Ela pagava as dívidas do meu pai nos bares. A minha força para lutar vem dela.

Ainda jovem, eu abri uma escola de datilografia perto de casa, mas veio o confisco da Poupança no Plano Collor e deixou os pais sem dinheiro para cursos. Eu criei folhetos, panfletei nas ruas e consegui novos alunos, mas aí veio novo confisco e fechei as portas. Prestei concurso para a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) e passei. No início, eu monitorava avenidas de São Paulo com binóculos, do topo de edifícios. Via graves acidentes em tempo real e toda aquela violência despertou em mim forte sentido de precaução. Evito situações que possam me colocar em perigo, inclusive na sindicatura. Não toco a campainha de morador, nem entro em apartamento desacompanhada.

Trabalhei na CET por 18 anos, a maior parte deles de uma sala de rádio, coordenando 60 ‘marronzinhos’. Era um trabalho tenso, porém a jornada de seis horas diárias permitiu que eu me graduasse em Administração de Empresas no contraturno, e que ingressasse no mundo condominial. Eu me casei nova e, a essa altura, morava com meu então marido e nossa filha, Lídia, em um apartamento alugado em Pinheiros. Eu era muito curiosa, quis entender o que era fração ideal e acabei síndica. Depois, adquirimos nosso imóvel, e mudamos para um condomínio no início da Rodovia Raposo Tavares. Mais uma vez, virei síndica.

Fui indicada para gerir um predinho de três andares de Osasco e topei. A administradora gostou do meu desempenho e me indicou para os predinhos vizinhos. De repente, eu estava com quatro deles, que foram uma escola para mim. Saí da CET para ser síndica profissional em tempo integral. Nos dois anos iniciais encontrei muitas portas fechadas, talvez por ser mulher. Hoje, faço questão de acolher síndicas iniciantes para que não passem pelo que eu passei. Eu posso não conseguir um prédio para elas, mas indico caminhos. Sempre atuei sozinha, mas há seis meses trabalho com a Marcela Volpato, uma síndica trans com menos tempo de sindicatura, mas muito competente. Na sindicatura e na vida, mulheres precisam se ajudar.

Em 2012 para 2013, abri a minha empresa para poder emitir nota fiscal. Depois assumi a sindicatura de dois condomínios de porte médio em Perdizes, na zona oeste, e de um deles saiu a indicação para me candidatar à gestão do Vilma Sônia, o primeiro edifício comercial da minha carteira, no centro da cidade. Com apenas um mês de atuação, o síndico do condomínio em frente, que estava para se aposentar, ouviu referências sobre o meu trabalho e me convidou para assumir o residencial Ouro Preto, o primeiro dos tombados. Aí começaram a ‘pipocar’ prédios no entorno.

O meu case de sucesso maior é o Vila Rica, na República, um prédio lindo, tombado. É um residencial com 60 quitinetes que havia sido um hotel. Quando assumi a gestão, havia dívidas, risco de corte de água e gás, insetos, uma situação lastimável! Agora está em ordem, com 82 mil reais de saldo e AVCB. Tenho um sentimento especial por ele, mas eu não me apego aos condomínios porque síndico tem prazo de validade. Depois de um tempo, podemos não ser reeleitos. Já ‘arrumamos a casa’, aparece gente de olho no cargo. Os moradores que acompanharam as benfeitorias não moram mais ali ou se esqueceram, então os condôminos acabam achando os honorários caros. Eu já fui ‘dispensada’ e chamada de novo seis meses depois. Voltei, sem mágoas.

Sou durona, mas por dentro meu coração é molinho (risos). Cresci cercada por machismo e violência verbal, então sou solidária com as mulheres.

Se encontro uma brecha nas assembleias, costumo brincar que homem comigo está sempre errado, e que tem de apanhar todo dia! Claro que eu não falo a sério, não defendo violência contra ninguém! Mas quando digo isso, as pessoas riem, porém a mulher que sofre violência em casa entende que tem em mim uma aliada. Uma vez fui procurada para ajudar uma condômina a se mudar do prédio às escondidas. Ela contou que apanhava, que já tinha colocado o marido para fora, mas que ele rondava o condomínio. Comuniquei ao conselho e providenciamos para que ela se mudasse de madrugada, sem que o tal marido soubesse de seu paradeiro.

Eu relatei esse episódio, numa versão menos resumida, em um evento para síndicos no extremo da zona leste há poucos meses. Dias depois, eu estava participando de um evento contra violência doméstica nos condomínios, na Câmara Municipal de São Paulo, e fui abordada por duas mulheres. Uma havia me visto naquele evento e trouxe a outra, a vítima. O marido havia surrado a filha dela e esperava por ambas no apartamento do casal, com uma faca. Por sorte, eu estava cercada de advogados e autoridades que puderam acolhê-la. Também já recebi pedidos de ajuda nas redes sociais. Eu não sou especialista, mas não deixo ninguém no vácuo porque tenho uma rede de contatos. Não podemos ficar impassíveis ao sofrimento dessas mulheres”.

Vanilda de Carvalho, em depoimento concedido a Isabel Ribeiro


Matéria publicada na edição 287 março/2023 da Revista Direcional Condomínios

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