Leis e normas federais, além das municipais, dão aos responsáveis pelas edificações (de construtoras a condomínios) um amplo quadro referencial de intervenções e equipamentos indispensáveis à mobilidade e circulação dos portadores de necessidades especiais e idosos. Falta cumpri-las.
O quadro é um tanto confuso . A chamada Lei da Acessibilidade, referente ao Decreto Federal 5.296/2004, determina, em seu artigo 18, que “a construção de edificações de uso privado multifamiliar e a construção, ampliação ou reforma de edificações de uso coletivo devem atender aos preceitos da acessibilidade na interligação de todas as partes de uso comum ou abertas ao público, conforme os padrões das normas técnicas de acessibilidade da ABNT”. No caso, trata-se da NBR 9050/2004, da Associação Brasileira de Normas Técnicas.
O mesmo artigo inclui, em parágrafo único, que devem ser acessíveis as “piscinas, andares de recreação, salão de festas e reuniões, saunas e banheiros, quadras esportivas, portarias, estacionamentos e garagens, entre outras partes das áreas internas ou externas de uso comum das edificações de uso privado multifamiliar e das de uso coletivo”.
Entretanto, um artigo anterior, o de número 11, obriga a adaptação à acessibilidade somente de “edificações de uso público ou coletivo”, deixando os de natureza multifamiliar em uma espécie de limbo. Assim, quando se fala na aplicabilidade da legislação federal, em geral o entendimento comum seria o de que os condomínios residenciais estariam de fora de grande parte das obrigações (exceto pelo artigo 18).
Também o Decreto Municipal 45.122, em vigor na cidade de São Paulo desde 2004, reserva pouco espaço aos condomínios residenciais. Torna imperioso, por exemplo, o cumprimento do artigo 3º, o qual determina a instalação de “rampa para vencer o desnível entre o logradouro público ou área externa e o piso correspondente à soleira de ingresso às edificações, com largura mínima de 1,20m (um metro e vinte centímetros) e inclinação até a máxima admissível na NBR 9050 da ABNT”. No mais, reserva aos edifícios comerciais, de serviços, além dos públicos, o atendimento total à acessibilidade. Entretanto, o Código de Edificações da cidade, instituído pela Lei 11.228/92, prevê que edificações residenciais aprovadas a partir desta data cumpram sim com quesitos de acessibilidade e atendam às normas vigentes (o que por extensão, incluiria a atual NBR 9050). Desta forma, se as leis parecem não se entender, o que dirá os síndicos e condôminos!
Segundo o advogado Cristiano de Souza Oliveira, o decreto federal deixou a critério de cada município regulamentar a questão junto dos edifícios residenciais. E quando chegou a vez de São Paulo decidir o que fazer, acabou gerando um decreto que abrange amplamente edificações de uso coletivo (cinemas, teatros, casas de espetáculos, agências bancárias, locais de reunião, estádios, restaurantes, lanchonetes, serviços de saúde, educação, hospedagem etc.) e “deixou um vácuo para o residencial” (exceto pela questão da rampa, prevista no artigo 3º). A própria Prefeitura do município ainda não definiu como fazer cumprir com toda essa legislação, bem como suprir as lacunas existentes, a despeito de contar com antigo parecer da Procuradoria do Município determinando o cumprimento da Lei da Acessibilidade. Um processo administrativo tramita entre várias de suas secretarias com vistas a definir os parâmetros de implantação das regras. Recentemente, a Comissão Permanente de Acessibilidade (CPA) concluiu estudo definindo diretrizes e técnicas para a aplicação da legislação, mas ainda não houve uma decisão do Executivo municipal em torno da questão. E a Câmara Municipal de São Paulo instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para também analisar a questão.
Na Prefeitura, houve “uma ação entre secretarias”, afirma a arquiteta Silvana Cambiaghi, secretária da CPA, lotada na Secretaria da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (SMPED). De qualquer maneira, Silvana explica que se levado em conta tão e somente o Código de Obras, os empreendimentos construídos na cidade de São Paulo após 1992 teriam que vir cumprindo com normas de acessibilidade, federais ou municipais, que foram instituídas desde então, especialmente a NBR 9050. Conforme explica Silvana, a CPA tem exigido o atendimento a essas regras antes de liberar a aprovação de novas plantas pela Prefeitura. O grande vácuo ficaria reservado, portanto, aos edifícios com data anterior, para os quais, porém, caberia, no limite, a aplicação do direito constitucional “de ir e vir”.
Em outras palavras, moradores de prédios antigos, que venham a ter necessidades especiais de mobilidade decorrentes de acidentes ou problemas de saúde, como Acidente Vascular Cerebral (AVC), por exemplo, poderiam requerer judicialmente adaptações de acessibilidade. “A maior reclamação que a CPA recebe é de pessoas que não conseguem entrar nesses prédios anteriores a 1992, pois a população vai envelhecendo e começa a apresentar dificuldades de mobilidade”, avalia Silvana.
AUTONOMIA NA MOBILIDADE
“Temos muitas leis e se estivessem aplicadas, seria muito legal. Mas têm que ser implantadas em conjunto, nos condomínios residenciais, nas escolas próximas, no bem público, entre outros, pois as regras são feitas para dar autonomia e a acessibilidade deve estar integrada ao planejamento urbano”, analisa, por sua vez, Guiomar Leitão, coordenadora do Grupo de Trabalho de Acessibilidade e Sustentabilidade do Instituto dos Arquitetos de São Paulo (IAB SP).
Ex-representante do órgão junto à CPA, Guiomar observa que “mais do que adaptar banheiro”, dotando-o de peças sanitárias, barras e espaços para uso de cadeirantes, é preciso garantir acesso até ele. Ou ainda, ao se colocar piso tátil que sirva de orientação para o deslocamento de pessoas com deficiência visual, é necessário dispor de um mapa tátil informando sobre as características do local. “Falta sinalização que indique para onde ele está caminhando, que complemente o piso tátil”, situação essa, portanto, que “não dá autonomia” à pessoa.
Para a arquiteta Guiomar, a acessibilidade precisa transcender ao imperativo das leis e normas e dar prioridade ao atendimento às necessidades diferenciadas de circulação dos moradores e dos usuários de serviços, públicos e privados. “Isso iria melhorar a qualidade de vida para todo mundo, facilitaria desde a circulação de carrinhos de bebês até de idosos”, defende. Já o advogado Cristiano de Souza pondera que a acessibilidade extrapola o campo legal e envolve um dever moral e social. “Nos condomínios residenciais de São Paulo a acessibilidade está inerente pelo Código de Obras e pelo Decreto de 2004, mas o problema da acessibilidade entra na verdade no interesse social.” Ou seja, conforme avalia o advogado, envolve responsabilidades de todos, desde os projetos e projetistas, passando pelo CREA e os cursos de formação superior de engenheiros e arquitetos, às autoridades, construtoras, cidadãos, síndicos e usuários.
O QUE DIZEM OS DECRETOS
DECRETO FEDERAL 5.296/2004
Art. 11. A construção, reforma ou ampliação de edificações de uso público ou coletivo, ou a mudança de destinação para estes tipos de edificação, deverão ser executadas de modo que sejam ou se tornem acessíveis à pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida.
§ 2º – Para a aprovação ou licenciamento ou emissão de certificado de conclusão de projeto arquitetônico ou urbanístico deverá ser atestado o atendimento às regras de acessibilidade previstas nas normas técnicas de acessibilidade da ABNT, na legislação específica e neste Decreto.
Art. 18. A construção de edificações de uso privado multifamiliar e a construção, ampliação ou reforma de edificações de uso coletivo devem atender aos preceitos da acessibilidade na interligação de todas as partes de uso comum ou abertas ao público, conforme os padrões dasnormas técnicas de acessibilidade da ABNT.
§ Único. Também estão sujeitos ao disposto no caput os acessos, piscinas, andares de recreação, salão de festas e reuniões, saunas e banheiros, quadras esportivas, portarias, estacionamentos e garagens, entre outras partes das áreas internas ou externas de uso comum das edificações de uso privado multifamiliar e das de uso coletivo.
DECRETO MUNICIPAL 45.122/2004 (São Paulo)
Art. 1º – As Leis nº 11.345, de 14 de abril de 1993, nº 11.424, de 30 de setembro de 1993, nº 12.815, de 6 de abril de 1999, e nº 12.821, de 7 de abril de 1999, que dispõem sobre a adequação das edificações à acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, ficam regulamentadas, de forma consolidada, nos termos deste decreto.
Art. 2º – Deverão atender às normas de adequação à acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, as edificações, novas ou existentes, destinadas aos seguintes usos:
I – cinemas, teatros, salas de concerto, casas de espetáculos e estabelecimentos bancários, com qualquer capacidade de lotação;
II – locais de reunião, com capacidade para mais de 100 (cem) pessoas, destinados a abrigar eventos geradores de público, tais como:
a) auditórios;
b) templos religiosos;
c) salões de festas ou danças;
d) ginásios ou estádios;
e) recintos para exposições ou leilões;
f) museus;
Art. 3º – Para a aprovação das edificações residenciais com categorias de uso R2-02, R3-01 e R3-02*, bem como daquelas destinadas aos usos referidos no artigo 2º deste decreto, será obrigatória a execução de rampa para vencer o desnível entre o logradouro público ou área externa e o piso correspondente à soleira de ingresso às edificações, com largura mínima de 1,20m (um metro e vinte centímetros) e inclinação até a máxima admissível na NBR 9050 da ABNT.
* Dizem respeito às habitações multifamiliares consideradas de interesse social
DIFICULDADES MAIS COMUNS DE ACESSO AOS RESIDENCIAIS
Professor universitário da área da saúde, consultor e palestrante, Humberto Alexandre Genari tornou-se cadeirante há 24 anos. Nesse período, aprendeu que para entrar nos condomínios residenciais é preciso ter a companhia de outra pessoa que o ajude a transpor degraus ou descer as rampas das garagens, bastante inclinadas e inadequadas aos cadeirantes ou até mesmo pedestres. Mas é uma das poucas chances que tem de acessar os elevadores. “Não existe condomínio acessível em São Paulo, pois quando há rampa, em geral está fora de padrão”, explica.
Segundo ele, é “remota” sua possibilidade de entrar em um prédio sem o auxílio de terceiros. As dificuldades começam pela portaria. “É inacessível entrar pela portaria principal, ou por não ter nenhuma condição de alcançar o interfone para falar com a guarita, ou simplesmente porque sempre tem algum degrau. Imaginar uma acessibilidade para deficiente visual então, nem pensar”, desabafa Humberto. Que acrescenta: “O fato é que muitas construtoras acreditam que acessibilidade se baseia única e exclusivamente em rampas, então, colocam-se rampas nos lugares e pronto, parece resolvido. Mas não é bem assim e geralmente rampas servem apenas para carga e descarga e hoje alguns condomínios têm um acesso secundário para carrinho de feira, de bebês e compras, porém, a pessoa que utiliza cadeira de rodas não é uma carga! Geralmente essa rampa não permite subir ou descer sozinho, sempre se faz necessária a ajuda de outra pessoa. Porque isso acontece? Geralmente porque não querem utilizar um espaço maior para que a rampa possa ser adequada, as pessoas preferem o jardim ou algo que irá embelezar o prédio, aí sim, todos vão reparar no prédio bonito, inacessível, mas bonito.”
A síndica Ana Josefa Severino, do Condomínio Piazza Di Toscana, localizado na Vila Alpina, zona Leste de São Paulo, conhece bem a necessidade de garantir o acesso a cadeirantes. Na entrega do empreendimento de cinco torres e 248 apartamentos, ocorrida há cerca de sete anos, uma das proprietárias se deu conta que não havia uma única rampa de acesso aos blocos, o que lhe traria dificuldades para circular com o filho, cadeirante. “Solicitamos que a construtora providenciasse o reparo”, lembra a síndica, destacando ainda que seu condomínio dispõe de ilha de embarque e desembarque de passageiros de automóveis, já próxima dos elevadores, além de uma cadeira de rodas para situações emergenciais. Também o elevador disponibiliza botoeira em braile (conforme determina lei municipal), além de barra de apoio.
Mas Ana Josefa desconhece demais regras de acessibilidade previstas na NBR 9050, como aquelas relativas à sinalização, por exemplo. “Se há uma lei a ser cumprida, temos que fazer as adaptações. No entanto, precisamos conhecer bem as exigências e ter um tempo para adequar o condomínio”, diz. Segundo o advogado Cristiano de Souza, a legislação é omissa em relação à adaptação dos prédios anteriores a 1992. Para aqueles que foram entregues há pouco tempo e ainda se encontram dentro do prazo de garantia de cinco anos, estipulado pelo Novo Código Civil, os síndicos devem exigir os reparos às construtoras. Já para os que perderam o prazo, Cristiano orienta providenciar a adequação, sob o risco de serem autuados, pois compete aos síndicos cumprir e zelar pela Convenção, o Regulamento Interno e as leis.
O DESENHO UNIVERSAL E A LEI PARA CALÇADAS DE SÃO PAULO
O escopo legal em torno da acessibilidade é bastante amplo e, no caso do município de São Paulo, engloba ainda algo já bastante consolidado, como a exigência de botoeiras com informações em braile nos elevadores (Lei 11.859/95). Existe também uma lei mais recente, a das calçadas, que determina responsabilidades aos proprietários dos imóveis, condomínios ou não, pelo passeio público lindeiro às suas edificações.
De forma geral, o que leis e normas pretendem abarcar é o conceito de desenho universal para edificações e equipamentos, aplicado em nível mundial e que propõe dotá-los de requisitos como: uso equiparável para pessoas com diferentes capacidades; uso flexível; óbvio (de fácil entendimento); conhecido (informação perceptível); seguro (que diminui riscos de ações involuntárias); sem esforço; e abrangente (Leia mais na cartilha “Desenho Universal, um conceito para todos”, produzido pela deputada Mara Gabrilli, de autoria da arquiteta Silvana Cambiaghi e de Ana Claudia Carletto, acessível no endereço eletrônico http://www. vereadoramaragabrilli.com.br/files/universal_web.pdf).
Na lei das calçadas, baixada em São Paulo pelo Decreto municipal 45.904/2005, o padrão arquitetônico dos passeios ou praças públicas deve assegurar a acessibilidade a pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Conforme ressalta a Cartilha Passeio Livre, editada pela Prefeitura da cidade com orientações sobre o decreto, “a conquista da acessibilidade, que a princípio serviria para atender a pessoas com deficiência, beneficia a população, sendo portanto, uma conquista de toda a sociedade”. Entre as exigências do decreto, está a necessidade de instalação de piso tátil de alerta ou direcional, que “devem ter cor contrastante com o resto do pavimento”.
Conforme o decreto, o piso tátil de alerta deve ser instalado diante de “obstáculos suspensos entre 0,60 m e 2,10 m de altura do piso acabado, que tenham o volume maior na parte superior do que na base. A superfície em volta do objeto deve estar sinalizado em um raio mínimo de 0,60 metro”; e também diante de “rampas para portadores de deficiência, com largura de 0,25 a 0,50 m e afastada 0,50 m do término da rampa” (Confira a íntegra do decreto e a Cartilha Passeio Livre no endereço http://ww2.prefeitura.sp.gov.br/passeiolivre/pdf/cartilha_passeio_livre.pdf ).
Matéria publicada na Edição 161 – set/11 da Revista Direcional Condomínios.