Flagrantes de ligação irregular entre cisternas com água da drenagem e a rede potável do prédio, adaptações inadequadas em sistemas de reaproveitamento da chamada água cinza, torneiras de reuso sem travas etc.: Problemas com manejo, desinformação, desorientação e falta de um controle de qualidade periódico se acumulam em condomínios, com riscos à saúde e de responsabilizações penais e civis aos gestores.
A busca dos condomínios por fontes alternativas de água comporta uma boa e uma má notícia. A boa é que, de alguma maneira, o reuso é considerado uma das saídas do homem para preservar as reservas de água doce no mundo, um bem finito e indispensável à vida. A má notícia, porém, é que no caso das edificações residenciais, a maioria tem reaproveitado água de fontes diversas desrespeitando orientações e normas técnicas, com risco à saúde humana.
“Sou cético quanto ao uso indiscriminado de água de reuso que observo hoje nos condomínios em São Paulo. A cidade tem muita contaminação subterrânea e o País ainda não possui normas suficientes que regulamentem o aproveitamento dessa água. Observo dois principais problemas no reuso: O não acompanhamento da qualidade da água pelo síndico e condomínio, e o desprezo em não se comunicar o fato à Sabesp, já que esse é um efluente que será descartado na rede de esgoto”, analisa o engenheiro mecânico José Carlos de Moura Filho. O especialista atua desde 1999 com sistemas de tratamento de água potável e/ou efluentes e de água pura destinada à indústria farmacêutica (para produção de medicamentos, colírios etc.).
Na verdade, mesmo as poucas normas técnicas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) que tratam do armazenamento da água para fins não potáveis (como água da chuva), ou ainda, as portarias vinculadas à Vigilância Sanitária e a órgãos como o DAEE, em São Paulo, são ignoradas em condomínios. O consultor da área de riscos, Carlos Alberto dos Santos, chegou a flagrar, em residencial localizado no bairro do Morumbi, em São Paulo, a ligação do reservatório de água de drenagem com a potável (Foto abaixo). É uma temeridade, como se verá a seguir.
FONTES POTÁVEIS E NÃO POTÁVEIS, CONTROLE & REUSO
Afinal, quais são as fontes alternativas de água, a quem cabe o controle da sua qualidade e o que é o reuso?
1º) As edificações dispõem de uma rede de água potável, destinada ao consumo humano, vinculada à distribuição do sistema público de abastecimento. Os padrões de controle e qualidade de toda água destinada ao consumo humano são definidos pela Portaria 2914/2011, do Ministério da Saúde. Portanto, cabe à concessionária garantir a potabilidade. Mesmo assim, compete aos gestores dos prédios garantirem a integridade das prumadas de distribuição (para evitar contaminações no meio do caminho), além da qualidade do armazenamento. Por exemplo, no Estado de São Paulo, as caixas d’água devem ser limpas a cada seis meses, segundo o Comunicado CVS 36/1991, da Secretaria de Estado da Saúde.
2º) A captação e distribuição de água de poço profundo (artesiano) para fins potáveis também devem atender aos parâmetros da portaria federal. Mas cada Estado tem uma regulamentação própria. Em São Paulo, o DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica) exige autorização de perfuração e também outorga de uso, a qual será expedida apenas se a água estiver dentro dos índices de potabilidade. E no município, o poço deverá fazer parte do “Cadastro do Sistema/ Solução Alternativa de Abastecimento de Água para Consumo Humano”, documento expedido pela Vigilância Sanitária.
Durante o uso, condomínios devem providenciar tratamento e análise físico- -química e bacteriológica periódica, em intervalos variados, afirmam o tecnólogo Washington Rogério Mantovanelli e o biólogo Luca Mantovanelli, que atuam no segmento. Este será de três meses, por exemplo, se o poço estiver próximo a áreas contaminadas. A engenheira civil Sibylle Muller, especializada em sistemas de tratamento de água, destaca, por sua vez, que o poço artesiano terá que atender a exigências relativas, entre outros, à remoção de ferro e manganês, manejo da concentração de carbonatos (seu excesso pode comprometer o sistema e o próprio uso) e desinfecção.
3º) Reuso da água da chuva (para fins não potáveis): Muitas edificações dispõem hoje de cisternas ligadas à sua rede pluvial para fazer a limpeza periódica das áreas comuns e garantir a rega dos jardins. O problema é que falta à maioria um projeto de engenharia e controle, necessários mesmo que a destinação seja restrita, longe do consumo humano. A ABNT NBR 15527/2007 estabelece padrões não apenas para tratamento dessa água quanto de instalação.
A engenheira civil Sibylle Muller destaca alguns cuidados necessários ao reuso da água da chuva. É preciso:
– Evitar a ligação cruzada do sistema com outras fontes do prédio, especialmente a potável;
– Tratar a água em dosagens adequadas, com vistas a combater a presença de coliformes fecais e termotolerantes (ausência a cada 100 ml de água), de turbidez e a garantir índices de pH e cor aparente. Além disso, para efeitos de desinfecção, é necessário que permaneça na água um teor de cloro ativo entre 0,5 a 3 mg/l após a cloração;
– Filtrar antes do uso (A NBR define até a espessura máxima da partícula que poderá passar no processo de filtragem);
– Identificar os pontos de consumo; e,
– Mantê-los bloqueados para usos mais restritivos. “Existe um potencial de contaminação na água da chuva, pois ela pode carrear muita coisa (inclusive contaminação química) e gerar problemas ao funcionário no momento da limpeza ou rega”, alerta. Também o engenheiro José Carlos de Moura recomenda atenção ao tratamento desta fonte, recomendando o descarte dos primeiros fluxos, “afim de descartar possíveis contaminantes que estavam sob as áreas de coleta”.
4º) Reuso da água subterrânea de drenagem do lençol freático (para fins não potáveis): A qualidade da água do subsolo varia conforme a região do condomínio. Por exemplo, há prédios vizinhos ou instalados em antigos postos de gasolina. Outros, no entanto, encontram efluentes com qualidade e conseguem instalar uma estação de tratamento para fornecer a água, através de prumada independente, para os moradores lavarem roupa e limparem a casa, conforme exemplo reportado pela Direcional Condomínios na edição de abril de 2015 (Saiba como acessar a matéria na pág. ao lado). O importante é atender aos padrões mínimos de qualidade, previstos em normas da ABNT comumente empregadas como referência para armazenamento e qualidade da água de reuso: a já citada NBR 15527/2013 e a ABNT NBR 13969/1997, relativa aos tanques da água recuperada (cinza). De outro lado, como esses efluentes compõem o ciclo hidrológico, é preciso licença para captação, armazenamento e distribuição, processo regulamentado, em São Paulo, pelo DAEE (Portaria 2069/2014).
5º) Reuso da água cinza, servida nas unidades e descartada nas redes de esgoto (para fins não potáveis): Nesses casos, condomínios separam a água descartada em lavatórios dos banheiros, ralos de chuveiros, máquinas de lavar roupa etc. (chamada água cinza) para tratá-las em uma miniestação montada no prédio. Existem casos que contemplam até o tratamento da água das descargas (chamada negra), ainda raros. Em São Paulo, empreendimentos lançados nos últimos dez anos com a bandeira da sustentabilidade trazem algum tipo de reaproveitamento da água cinza (também conhecida como servida). Os métodos de captação e tratamento variam muito. Eles envolvem processos químicos, físicos e biológicos.
Em geral, o reaproveitamento da água tratada nessas estações acontece nas descargas dos banheiros das unidades, conforme caso estudado por três pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), os engenheiros Alvaro Nakano, Fernando O. Santesso e Gabriel A. Borges, vinculados ao Programa de Mestrado Profissional em Inovação na Construção Civil, da Escola Politécnica. Eles acompanharam a operação dos Sistemas Prediais de Água Não Potável (SPANP) do Condomínio Edifício Originale, entregue em 2011 na zona Sul de São Paulo. Os dados foram coletados em princípios de 2016.
Com base no que viram, concluíram que, em torno do reuso da água nas edificações, é preciso assegurar o tratamento com tecnologia adequada, “conforme cada finalidade”; manter instalações paralelas e independentes da rede potável, com “responsabilidade” na operação e manutenção; e “respeitar as condições mínimas de projeto e garantir a segurança dos usuários”. “A qualidade da água produzida é de responsabilidade do gestor e operador do sistema e não da concessionária”, enfatizaram os autores (Leia a seguir sobre o residencial estudado).
Matéria publicada na edição – 222 de abr/2017 da Revista Direcional Condomínios
Não reproduza o conteúdo sem autorização do Grupo Direcional. Este site está protegido pela Lei de Direitos Autorais. (Lei 9610 de 19/02/1998), sua reprodução total ou parcial é proibida nos termos da Lei.