Água: um insumo que vale ouro

A cultura da abundância cede lugar à preocupação com a sustentabilidade ambiental e com a saúde financeira dos condomínios. Confira algumas das soluções existentes.

Já há algum tempo a água começou a pesar no bolso, especialmente em São Paulo, onde o consumo elevado obriga à busca de soluções de engenharia muito caras, como, por exemplo, fazer a captação em bacias hidrográficas distantes e em nível inferior de relevo. Órgãos governamentais, de pesquisa e indústria se associam então para assegurar o abastecimento de outra forma, por meio da difusão de um uso mais racional do bem. Para isso, vale desenvolver e lançar no mercado os chamados equipamentos economizadores, monitorar a intervalos de tempo cada vez menores as curvas de consumo, no sentido de se identificar vazamentos, e atuar sobre a conscientização dos consumidores.

“O Brasil precisa combater a cultura da abundância”, costuma orientar o professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Ivanildo Hespanhol, doutor em engenharia ambiental pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e em Saúde Pública pela própria USP. Segundo ele, na vida doméstica o consumo maior ocorre na bacia sanitária, principalmente em válvulas de descarga, que levam para o esgoto dois litros de água por segundo. As caixas acopladas não gastam tanto, “mas ainda há dificuldades para que sejam aceitas pela nossa cultura”. O consumo médio das caixas que estão no mercado é de seis litros por acionamento, mas a indústria já desenvolveu modelos que consomem quatro litros, afirma o professor. Em fase de estudos encontra-se ainda uma caixa com dois botões de acionamento, para três e quatro litros, conforme a necessidade do usuário. De outro lado, o consumidor já tem disponíveis válvulas dotadas de contemporizadores, que cessam a descarga assim que registram uma vazão de seis litros.

Como segundo maior vilão do consumo, prossegue Ivanildo, está a máquina de lavar roupas, com gasto em média de 160 litros a cada operação. O banho não demanda tanto, observa, exceto alguns modelos de duchas. O professor conduz uma pesquisa que pretende mapear o perfil do banho do brasileiro, identificando quanto se gasta de água, energia elétrica e gás. Iniciado em 2008 e com término previsto para o início de 2010, o projeto monitora o banho diário de 20 pessoas, em chuveiros elétricos, aquecidos a gás, placa solar, boiler, aquecimento central e sistema híbrido, e coleta dados de consumo via internet. O objetivo é fornecer subsídios à indústria, para o desenvolvimento de chuveiros mais econômicos e eficientes.

O uso dos equipamentos economizadores é o carro-chefe de programas que pretendem estimular um padrão de consumo “adequado, consciente e sustentável” da água. Esta é a base, por exemplo, do Programa de Uso Racional da Água do Município de São Paulo, estabelecido pela lei nº. 14.018/2005 e regulamentado pelos decretos nº. 47.279/2006 e 47.731/2006. Desde 1º de junho de 2006, o dispositivo obrigou os órgãos ligados à administração direta e indireta da Prefeitura a reduzirem em 20% o consumo em suas instalações, tomando como referência a média apurada nos 12 meses anteriores. Também em relação aos imóveis privados existe a intenção de tornar a redução obrigatória, mas o assunto ainda se encontra em estudo por um grupo gestor.

Na Prefeitura, 500 escolas implantaram o Programa de Uso Racional da Água (PURA) da Sabesp, com medidas que envolvem a identificação de vazamentos, a troca de vasos sanitários, a instalação de torneiras com temporizadores e arejadores, entre outros, além de ações sócio-educativas.

De acordo com o responsável pela área comercial do PURA, Ronaldo Gonçalves, outras 755 escolas estão aderindo ao programa, além de 28 prédios administrativos da Prefeitura. “Hoje o foco não é aumentar a produção de água, mas combater o desperdício”, observa Ronaldo.

O PURA atende também a órgãos do governo estadual, como o Centro de Formação dos Soldados, localizado em Pirituba, zona norte de São Paulo. No local, a economia atingiu o patamar de 64,5% em relação ao padrão anterior, destaca o administrador da Sabesp, informando que houve um investimento de pouco mais de R$ 200 mil, recuperados em cinco meses e meio pela diferença a menos verificada na conta da água. No Hospital das Clínicas de São Paulo o programa foi implantado em 1995, mas desde então a instituição mantém o sistema de gestão do consumo e consegue atingir uma economia de 25% sobre 1995, a despeito de toda a ampliação de atendimento e de infra-estrutura ocorrida nos últimos 14 anos.

Para os condomínios, o administrador sugere a realização de um pré-diagnóstico, com vistas a identificar os “ralos” potenciais do desperdício. Eles podem vir do tipo de torneira utilizada, dos equipamentos instalados em jardins e piscinas e até mesmo do paisagismo. A Sabesp recomenda, por exemplo, o plantio de espécies xerófitas, que sobrevivem até 20 dias sem rega ou água da chuva. Mas outras medidas estruturais são indicadas pela empresa, como a medição individualizada do consumo e a telemedição, esta última uma novidade que chegará ao mercado em princípios de 2010. A individualização, quando acompanhada de ações de educação ambiental, traz reduções significativas, afirma o engenheiro da Sabesp Marcelo Fornaziero de Medeiros, gerente do Departamento de Desenvolvimento Operacional e de Medidores. É que o valor da conta corresponde exatamente àquilo que cada condômino gastou de água.

O sistema é viável mesmo em edificações de baixa renda, como um bloco do CDHU em que a Sabesp está emitindo contas individualizadas. Localizado em Francisco Morato, na região metropolitana de São Paulo, o prédio possui 16 apartamentos e sofria com a falta de água em alguns andares. “Até havia individualização, mas os hidrômetros estavam mal calibrados”, conta Marcelo. Depois da implantação de um novo sistema e da adequação hidráulica, os moradores passaram a receber  contas menores, equivalentes aos seus gastos, e a correr atrás de uma economia ainda maior. “Muitas vezes eles querem, mas não sabem como economizar”, comenta o engenheiro.

No condomínio Edifício Adesso, localizado no Parque da Mooca, zona leste de São Paulo, o síndico Norberto Legrazie verificou uma redução de até 10% do consumo após a individualização.

Segundo Norberto, quando recebe uma conta justa, sem o rateio de um valor comum para todos, o morador fica mais sensível e atento a eventuais vazamentos em descargas e procura adotar novos hábitos, como lavar roupas a cada dois dias.  

Em meados do próximo ano, a Sabesp lançará o sistema de telemedição, por meio do qual os condomínios poderão gerenciar as curvas de consumo da edificação a cada minuto, recebendo sinais de alertas em caso de anormalidades. O engenheiro Marcelo Fornaziero explica que o sistema é economicamente “viável, pró-ativo e não reativo, antecipa falhas ou vazamentos e possibilita ao síndico tomar medidas imediatas, que assegurem a saúde financeira do condomínio”. Outra opção de combate ao desperdício está nas políticas de reuso. Mas para tanto são necessários projetos de engenharia que permitam o armazenamento de uma água não contaminada e garantam usos restritos, como lavagem de calçadas e irrigação de jardins. Autora de um estudo de mestrado realizado na USP sobre o reuso da água no Condomínio Residencial Valville I, em Santana do Parnaíba, região da Grande São Paulo, a engenheira civil Andrea Françoise Sanches de Sousa propõe as seguintes diretrizes para o reaproveitamento: uso somente para fins não potáveis; levantamento sócio-econômico do público alvo do sistema; estudo dos tipos mais apropriados de tratamentos disponíveis, de acordo com a aplicação desejada; realização do balanço de massa (concentração de sais no efluente tratado) em caso de vários ciclos de utilização da água de reuso; verificação das características necessárias para o sistema de reservação e rede de distribuição (água potável e água para reuso); restrições de acesso ao sistema de reuso; adição de corante na água para reuso; determinação dos perigos e pontos críticos de controle; elaboração do plano de monitoramento e implantação das medidas de controle; seleção e treinamento dos operadores do sistema; e orientações e informações aos usuários.

Matéria publicada na edição 139 – set/09, Revista Direcional Condomínios

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