Ainda há tempo de viver melhor

O apartamento é pequeno mas acolhe, generosamente, o suntuoso piano de cauda de Zeila São João, 82 anos, pianista com uma biografia cheia de fatos marcantes e que, certamente, dariam um livro. Venceu as dificuldades de uma paralisia infantil, foi assistente da pianista Magda Tagliaferro, ganhou uma bolsa de estudos, ainda mocinha, para estudar piano em Paris; emocionou-se ao tocar no piano que pertenceu a Frederic Chopin e deu uma audição ao compositor Villa-Lobos. Suas histórias estão guardadas numa memória brilhante e também num livro cuidadosamente encadernado, com seu nome gravado em letras douradas na capa de couro vermelha, e que ocupa lugar de honra na sala de visitas do apartamento. Hoje, Zeïla ainda toca, mas seu principal passatempo é se dedicar às atividades do prédio, onde mora há 14 anos, o Plaza 50, um residencial com serviços, localizado nos Jardins.

Zeïla é conhecida como a “alma” do edifício. “Quando cheguei aqui, havia um grupinho de pessoas que tinha vontade de se reunir para conversar. Mas, mal cumprimentávamos uns aos outros”, indigna-se. O Plaza 50 foi construído em 1985, pela Liga das Senhoras Católicas, e apenas pessoas com mais de 50 anos poderiam adquirir o usufruto de um apartamento. “Hoje, temos também um grande número de moradores mais jovens. Mas, mesmo assim, o prédio tem um ambiente bem tranquilo”, conta Marlene Moreira Caruso, gerente do Plaza 50.

As primeiras reuniões organizadas por Zeïla reuniam 4 ou 5 senhoras. Depois de muitos anos de persistência, os encontros, hoje, têm data marcada e público garantido. Religiosamente na última quinta-feira de cada mês, acontece um chá e, na segunda quinta-feira do mês, a pastoral. No chá, a turma comemora os aniversariantes do mês. Reúnem-se, em média, 22 pessoas no salão, localizado no térreo do prédio. A maior parte são mulheres viúvas, mas há também viúvos e alguns casais de moradores. Carinhosamente, Zeïla oferece um marcador de livro para cada aniversariante. “Há idosos muito sozinhos, que, às vezes, não recebem nem um telefonema.

Eu tenho paciência para ouvi-los”, diz.

Aos poucos, o prédio montou um pequeno acervo de xícaras e talheres. Zeïla costuma levar uma bonita toalha de mesa e até candelabros, para deixar a mesa do chá mais bonita. “Procuramos levar também arroz doce ou pudim de leite condensado, doces que normalmente as pessoas faziam em suas casas e hoje sentem falta”, conta a pianista. Na Pastoral, elas comentam o Evangelho e recebem a comunhão de ministros da Eucaristia. Uma moradora leva um prato de doce e outra um salgado. Festa Junina e Páscoa judaica são outras datas comemoradas no prédio. A missa de Natal, deste ano, já está marcada: será 14 de dezembro, celebrada pelo Frei Adauto do Colégio Sion. Depois da missa, está programado um café da manhã ao som do CD de Zeïla, tocando Jesus Alegria dos Homens, de Bach.

Muito mais do que atividades físicas

A experiência da entusiasmada Zeïla e de seus amigos do Plaza 50 mostra que é possível levar vida à terceira idade do condomínio. Zeïla e sua turma optaram por encontros onde as palavras dos amigos funcionam como terapia para velhinhos que, há muitos anos, moram sozinhos. Outro caminho para oferecer momentos de bem-estar aos moradores idosos é a prática de atividade física. Segundo Jorge Gonçalves, professor de educação física que dá consultoria para condomínios, quanto mais recreativa a atividade voltada para a terceira idade, melhor. “Com pequenos acessórios, como pesos, tornozeleiras e colchonetes é possível até fazer os exercícios no salão de festas”, diz. Não há necessidade de aparelhos como uma estação de musculação. Basta uma esteira para simular caminhadas. “Geralmente, a terceira idade já tem problemas incorporados, como dores articulares ou na coluna e obesidade. Por isso, é preciso ter consciência de que o corpo tem limitações e que é necessário um aval do médico, antes de começar os exercícios”, explica Jorge, que costuma citar uma regra para seus alunos: “Peque pelo zelo, nunca pelo excesso. No lugar de correr, caminhe. Faça poucos abdominais e use pouco peso nos exercícios.”

Mas, como mobilizar os condôminos da terceira idade para uma atividade no condomínio? Jorge acredita numa solução econômica e eficiente: contratar um estudante de Educação Física para montar um plano de atividades no prédio. “Ele pode chamar os moradores para uma caminhada ou para uma aula de hidroginástica, coisa que um síndico não fará”, explica. O professor supervisionará os exercícios, minimizando os riscos à saúde dos idosos e criando uma linha de treinamento.

O médico geriatra Clineu de Mello Almada Filho, da Universidade Federal de São Paulo, concorda que a presença de um profissional é fundamental no trabalho com os idosos. Além do mais, o idoso precisa de uma avaliação clínica detalhada, antes de iniciar qualquer programa de exercícios. “A incidência de doenças cardíacas é muito alta e mais de 50% dos idosos têm pressão alta”, explica o geriatra. Clineu ressalta, ainda, que o espaço deve ser adequado ao trabalho com os idosos: é preciso adaptar o ambiente respeitando as regras de acessibilidade, colocando, por exemplo, corrimãos e fitas antiderrapantes no piso.

Mas, na opinião do médico, além da parte física, é preciso atender também a social. “Mais do que apenas promover a atividade física, é fundamental cuidar das atividades sociais. Os exercícios passam a ter outra função, quando feitos em grupo”, garante. Um recreacionista (que pode ser um professor de educação física ou de educação artística, por exemplo) costuma ter grande aceitação entre o público da terceira idade (pessoas acima de 65 anos, segundo a Organização Mundial de Saúde). “Eles trabalham como os recreadores de um hotel, com atividades, como: pintura, dança ou simplesmente contar histórias. Um idoso, mesmo saudável, às vezes tem preguiça de ler”, aponta o geriatra.

Revista Direcional Condomínios

Matéria publicada na revista Direcional Condomínios – edição novembro/2002

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