Animais de estimação: moradores muito especiais

É inevitável: cães e gatos ocupam lugar de destaque em inúmeras residências brasileiras. Mas, nos condomínios, eles também devem seguir regras de convivência.

Quando assumiu o cargo de síndica num edifício com 28 apartamentos no bairro do Paraíso, Denise Sahyun Levy percebeu que precisava disciplinar o trânsito dos cachorros pelo condomínio. Os maiores problemas eram o transporte de animais pelo elevador social e sujeira pelas áreas comuns. Denise teve o cuidado de levar o tema para uma assembleia – “Nada de ditadura”, comenta – e hoje comemora a convivência pacífica com os cães e seus proprietários. “Temos sete apartamentos com cachorros aqui. E os cachorros, desde que convivendo dentro das normas, são muito bemvindos em nosso prédio!”. Os pets passaram a usar apenas o acesso de serviço (entrada e elevador de serviço) e não se vê mais sujeira deles pelos jardins, elevadores e halls. “Agora, 100% dos proprietários respeitam as regras.” A poodle Mel, de seis anos, é um dos exemplos de cães que convivem em harmonia com a comunidade condominial. Sua proprietária, Monica Antoniazzi, vizinha da síndica Denise, conta que o bichinho está acostumado a fazer suas necessidades no jornal, não late e não sai com frequência para passear. “Como não gosto que ela faça xixi pela minha casa, também não deixaria que ela fizesse pelo prédio. Acredito que se o cachorro causa algum transtorno, o responsável é o morador que o conduz pela coleira. Se ela fizer xixi fora do lugar, vou assumir e avisar o faxineiro”, admite. Mas Monica considera Mel quase “imperceptível”. A síndica Denise complementa: “Mel está sempre arrumada e limpinha, e se comporta como uma lady.” É claro que nem todos os cães – e seus donos – se comportam como Mel e Monica. Sujeira nas calçadas, nas áreas comuns, animais soltos pelo prédio, cachorros de raças que podem se tornar violentos sem focinheiras são situações enfrentadas por síndicos no dia a dia dos condomínios. 

Para a advogada Evelyn Roberta Gasparetto, é esperado que os animais convivam de forma tranquila com os moradores. “Muitas convenções de condomínios proíbem a existência de animais. Entendo que este assunto deve ser tratado em regimento interno, que tem uma mobilidade maior para as alterações da vida cotidiana. No entanto, existindo a proibição em convenção, ela pode ser alterada, precisando ser cumprido, no entanto, o quórum respectivo para a alteração, que é de 2/3 das frações ideais.”

Evelyn frisa que para que esta alteração ocorra, além do cumprimento do quórum, a convocação tem que estar explícita quanto à alteração a ser feita, sob pena de anulação da votação. Para a advogada, diante da crescente demanda por animais domésticos, o condomínio deve atualizar o seu regulamento, não deixando dúvidas quanto ao assunto. “E caso o dono do animal não haja de acordo com as normas de segurança e boa vizinhança, o síndico deve advertilo por escrito. Se, mesmo assim, o morador não modificar a sua atitude, o condomínio pode aplicar-lhe multa, de acordo com o que determina a sua convenção ou regimento”, completa. No caso de ocorrências envolvendo inquilinos e seus animais de estimação, Evelyn orienta que o proprietário do apartamento deve ser comunicado do ocorrido. “O proprietário pouco pode fazer para solucionar a pendência, a não ser colaborar com o condomínio para que se dê um fim àquela situação. Não há qualquer lei que determine a atitude do proprietário, no entanto, ele pode colaborar com o condomínio de várias formas: notificando o inquilino, marcando reunião para ouvir o que ele tem a dizer, e ainda comunicar à administradora ou imobiliária, para que todos em conjunto possam solucionar a situação. O que se deve buscar é a solução, e não a aplicação de culpa para um ou para outro. Na verdade, a intenção é que se viva em paz e harmonia com os demais moradores.” Harmonia certamente é a busca constante dos síndicos. Ester Aizenstein é síndica há oito anos de um condomínio em Moema. Administrar conflitos, acredita Ester, é uma tarefa cotidiana do síndico. Ela reconhece que as discussões e reclamações acontecem muitas vezes pelos menores motivos. “Um cachorro latindo já é motivo de briga”, diz. É claro que Ester procura ser rígida no cumprimento das normas internas, especialmente no que diz respeito aos animais. Se o cão faz sujeira nas áreas comuns, a síndica conversa com o morador e costuma ter sucesso. “Um cachorro fazia xixi do lado de dentro do portão do condomínio toda vez que saía para passear. Pedi ao proprietário que o pegasse no colo até a calçada, e nunca mais tivemos problemas. Há casos em que é preciso advertir, como a proprietária de três bassets que ficavam trancados na varanda. A moradora saía o dia todo para trabalhar e não sabia da atitude da empregada. Ela acabou trocando de empregada.” Mas a situação mais inusitada que Ester já viveu envolvendo animais no condomínio foi um problema de relacionamento entre dois cães vizinhos. Uma moradora tem um filhote de sharpei, e outra, um cachorro de porte pequeno. A segunda alegava que a primeira deixava a porta da área de serviço aberta e o filhote poderia machucar seu cãozinho. “Felizmente, as duas chegaram a um acordo: os cães são mansos, mas não descem mais juntos no elevador. As pessoas precisam saber conviver em condomínio”, diz a síndica. 

Animais silvestres em condomínios: é legal?
Nem só de cães e gatos vivem os condomínios. Há peixinhos, passarinhos, e até outros animais silvestres, menos comuns, morando em edifícios como animais de estimação. A questão é complexa pois envolve a lei ambiental vigente no País. A Lei 9.605/98, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, prevê como crime não apenas a caça, a captura e o comércio de animais silvestres, mas também a manutenção em cativeiro.

Vincent Kurt Lo, biólogo e analista ambiental da pisão Técnica e de Fauna da Superintendência do Ibama no Estado de São Paulo, explica que animais silvestres brasileiros são os nativos que ocorrem naturalmente no país, e estes são os protegidos pela lei (art. 29 da Lei 9.605/98). “A definição de silvestre, portanto, não considera se o animal está manso, isto é, domesticado. Continua sendo silvestre, por definição da espécie. Por sua vez, animais domésticos são as espécies que foram selecionadas para uso ou interação com o ser humano. Da mesma maneira, são domésticas por definição, mesmo se forem mansas ou bravas. Uma jibóia, por exemplo, mesmo mansa ou ‘domesticada’, continua sendo silvestre.” O Anexo I da Portaria 93/98 do Ministério do Meio Ambiente lista os animais considerados domésticos, entre eles, coelho, canário-do-reino ou canário-belga, porquinho da índia, hamster, calopsita, além dos óbvios cães e gatos. Espécies exóticas, isto é, provenientes de outros países (e que não ocorrem no Brasil), se não forem domésticas, também devem ter documento de origem legal e autorização de entrada no país, explica o biólogo do Ibama. “Portanto, uma cacatua, uma cobra píton, uma girafa ou um elefante devem ter autorização para entrada no país, após avaliação. Se não tem, o proprietário deve ser autuado.”

No caso dos condomínios, se o síndico tem conhecimento de que há um animal silvestre em cativeiro em alguma unidade, o fato deve ser denunciado às autoridades ambientais, caso da Polícia Ambiental ou Ibama. A menos que o proprietário comprove a aquisição do animal em criadouros comerciais registrados pelo Ibama. São animais reproduzidos em cativeiro, com acompanhamento técnico e com regras para a comercialização – entre elas, a exigência de ser fornecido manual de orientações ao novo proprietário sobre os cuidados a serem tomados com o animal. “Se não há documentos, significa que esse animal foi traficado. Algumas espécies, como papagaios, araras e saguis, podem ser adquiridas legalmente, com nota fiscal, de criadouros legalizados. O síndico deve verificar a situação do animal.” Para denúncias de animais irregulares, a Polícia Ambiental do Estado de São Paulo possui o disque ambiente: 0800-113560, de 2ª a 6ª feira, das 7 às 19h. O Ibama atende pelo 0800-618080.

O analista do Ibama complementa que o síndico deve denunciar a presença de animais silvestres irregulares no condomínio porque está tendo conhecimento de um crime ambiental. “A pessoa que está com o animal será autuada, mas talvez até o síndico ou o condomínio possa ser responsabilizado, caso haja alguma fiscalização.” Há outros aspectos envolvidos na questão, reforça Vincent, como o incômodo aos vizinhos, por barulhos, como gritos de papagaios e araras, risco de fuga dos animais, risco de ferimentos, especialmente em crianças, e a possibilidade de transmissão de doenças (zoonoses) para as pessoas.

Ele cita a psitacose, transmitida principalmente por papagaios e araras, que pode ser fatal, a salmonelose, em tartarugas e cobras, que pode gerar problemas gastrointestinais, e a raiva, que pode ser transmitida por macacos.

O biólogo destaca ainda o efeito deseducativo de manter um animal ilegal em cativeiro, estimulando outros a fazerem o mesmo. “O tráfico de animais silvestres, uma das principais causas para perda da biopersidade e extinção de espécies no Brasil, é alimentado pelo mercado consumidor desses animais. Animais isolados em cativeiro doméstico estão mortos para a natureza e não cumprem seu papel biológico importante, sendo necessária a reversão desse quadro.”


Matéria publicada na edição Nº 138 em agosto de 2009 da Revista Direcional Condomínios

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