Aplicabilidade das medidas provisórias nas relações de trabalhos em condomínios

Com a decretação do estado de calamidade pública, por meio do Decreto Legislativo 06/2020, foram adotadas medidas restritivas como forma de prevenção à disseminação da Covid-19 e estas trouxeram grandes impactos nas relações de trabalho nos condomínios. Com o advento das Medidas Provisórias, os síndicos terão, além das diversas atribuições previstas no Art. 1.348 do Código Civil, a difícil missão de analisar quais medidas deverão adotar em relação aos funcionários próprios dos condomínios.

Diante de tais acontecimentos, inúmeros questionamentos têm sido levantados quanto à aplicabilidade das Medidas Provisórias editadas pelo Governo Federal. Uma delas, a Medida Provisórias 927, que tem como principal objetivo a flexibilização da legislação trabalhista, de modo a garantir a preservação de empregos e postos de trabalho, apresentou algumas alternativas a serem tomadas durante o estado de calamidade pública que, a princípio, tem previsão de duração até 31 de dezembro de 2020. (Nota: A MP 927 acabou perdendo a validade no último dia 19/07, pois não foi votada pelo Senado a pedido do próprio governo.)

Dentre as principais medidas trazidas pela MP 927/2020, atualizada pela MP 928, que revogou o Art. 18, está a possibilidade de alteração do regime presencial para teletrabalho, antecipação de férias individuais ou férias coletivas, antecipação de feriados, formação de banco de horas especial, suspensão de exigências em segurança e saúde no trabalho e diferimento do recolhimento de FGTS.

Novo Coronavírus, doença ocupacional?

Com o objetivo de trazer segurança jurídica ao ato e evitar a sua judicialização, vez que muitos juristas tinham observado a inconstitucionalidade de alguns dispositivos, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a eficácia de dois artigos da MP 927/2020, quais sejam, o Art. 29, que não considerava doença ocupacional os casos de contaminação de trabalhadores pelo novo Coronavírus; e o Art. 31, que ​limitava a atuação de auditores fiscais do trabalho à atividade de orientação. A decisão foi proferida no julgamento de medida liminar em sete Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) ajuizadas contra a referida MP.

Aplicação das Medidas Provisórias e segurança jurídica

Diante de tantas mudanças, com o objetivo de nortear administradoras e condomínios quanto às possíveis medidas que poderão ser adotadas nesse momento, serão feitas algumas considerações sobre os pontos que mais têm gerado dúvidas aos síndicos, de modo a trazer o mínimo de segurança jurídica para as decisões a serem tomadas. Como a maioria dos trabalhadores em condomínio exercem funções consideradas essenciais, entende-se que nem todas as medidas advindas da MP 927/2020 são aplicáveis. Deste modo, destacar-se-á às medidas cabíveis:

Acordo individual (Art. 2º) – empregador e empregado poderão firmar acordo individual escrito, com a finalidade de garantir o vínculo empregatício, o qual prevalecerá sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, desde que respeitados os limites constitucionais.

Antecipação de férias individuais (Artigos 6º ao 10º) – o empregador poderá conceder as férias, inclusive aquelas às quais o período aquisitivo não tenha se completado, desde que seja feita a comunicação com 48 horas de antecedência, por escrito ou meio eletrônico e que o período de férias não seja inferior à 5 dias. O adicional de um terço das férias concedidas neste período poderá ser pago junto ao décimo terceiro salário e, a remuneração de férias concedidas nesse período pode ser feita até o 5º dia útil do mês seguinte ao gozo de férias. Orienta-se que os trabalhadores que pertençam ao grupo de risco sejam priorizados para o gozo das férias;

Regime especial para compensação de horas (Art. 14º) – o empregador poderá, mediante acordo individual ou coletivo, dispensar os colaboradores (sem prejuízo de sua remuneração) durante a interrupção de suas atividades em razão da decretação do estado de calamidade pública e quarentena e quando o trabalho for retomado compensar o tempo de inatividade. A compensação será feita com a prorrogação da jornada em até duas horas diárias, observado o limite diário de dez horas de trabalho, independentemente de acordo individual ou coletivo ou convenção coletiva.

A vantagem da medida é que o prazo para a compensação foi significativamente aumentado. Enquanto a CLT previa que a compensação decorrente do regime de banco de horas teria que ser realizada em até seis meses em caso de acordo individual, e em até 12 meses em caso de acordo coletivo, a MP estabelece um período de até 18 meses, contados do término da decretação do estado de calamidade pública;

Diferimento do recolhimento de FGTS (Artigos. 19º ao 25º) – o empregador terá a possibilidade de suspender o recolhimento do FGTS das competências referentes à março, abril e maio de 2020, podendo fazê-lo parceladamente entre julho e dezembro de 2020, sem impacto na regularidade dos empregadores junto ao FGTS e sem incidência de encargos e multa por atraso, desde que a prestação de informações declaratórias seja feita no prazo definido. Tudo será feito de maneira 100% digital, sem precisar ir à agência bancária.

Importante esclarecer que, neste sentido, a Caixa Econômica Federal publicou em 24 de março de 2020 a Circular nº 897, que possibilita aos empregadores que não prestarem a declaração ao FGTS até o dia 07 de cada mês, independentemente de adesão prévia, realizá-la, impreterivelmente, até o dia 20 de junho de 2020.

Redução proporcional de jornada e salário

Ainda com foco na preservação do emprego e renda, foi editada a MP 936/2020, que prevê a redução proporcional de salário e jornada de 25%, 50% ou 70% e suspensão do contrato de trabalho com pagamento de benefício emergencial. A referida MP foi prorrogada por mais 60 (sessenta) dias em 28 de maio de 2020.

À título de esclarecimentos, importa  mencionar que a liminar concedida pelo ministro relator Ricardo Lewandowski, do STF, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6363, que em suma requeria a declaração de inconstitucionalidade de diversos artigos da Medida Provisória nº 936/2020, em especial, dos artigos que permitem a realização de acordos individuais entre empregado e empregador para redução de salários/jornada e suspensão dos contratos de trabalho, foi cassada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, em julgamento realizado em 17/04/2020. Deste modo, houve decisão favorável à manutenção da eficácia integral da referida MP, sendo autorizada a redução da jornada de trabalho e do salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho, por meio de acordos individuais, com a mera comunicação ao sindicato do trabalhador, independentemente da anuência da entidade sindical.

Ressalta-se que o benefício emergencial, a que faz jus os empregados que sofrem redução no salário e na jornada de trabalho, difere do auxílio emergencial de R$ 600,00 (seiscentos reais). Enquanto aquele trata de uma prestação mensal, paga pelo Governo, para empregados que tiverem redução de jornada/salário ou suspensão temporária do contrato de trabalho, este é destinado a trabalhadores informais, microempreendedores (MEI), autônomos e desempregados. Apresentamos aqui as seguintes medidas da MP 936/2020:

Redução da Jornada de Trabalho e do Salário (Art. 7º) – O condomínio poderá acordar a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário de seus empregados, por até 90 (noventa) dias, nos percentuais de 25%, 50% ou 70%, mediante acordo individual, encaminhado ao empregado com antecedência de no mínimo 2 (dois) dias corridos, com preservação do valor do salário-hora. Celebrado o acordo, a empresa deverá fazer a comunicação para o Ministério da Economia em até 10 dias.

A redução no percentual de 25% poderá ser firmada mediante acordo individual entre empregado e empregador para qualquer dos casos elegíveis. Já os percentuais de 50% ou 70% poderão ser aplicados aos empregados elegíveis, por acordo individual, desde que esses tenham salário igual ou inferior a R$ 3.135,00. De igual modo, os empregados elegíveis que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do INSS (cerca de R$ 12.212,00) e tenham formação em curso superior, também poderão prefixar com seus empregadores quaisquer das porcentagens de redução acima;

Suspensão temporária integral do contrato de trabalho (Art. 8º) – O condomínio poderá suspender por 60 (sessenta) dias, fracionados em até 02 (dois) períodos de trinta dias, o contrato de trabalho dos seus empregados elegíveis, mediante acordo individual escrito, enviado ao empregado com antecedência de 48 (quarenta e oito) horas. Neste caso, a remuneração durante o período caberá ao governo, pagando ao trabalhador o correspondente à parcela do seguro-desemprego (sem prejudicar o recebimento deste direito no futuro), desde que observadas as seguintes condições:

1) Os condomínios que tiverem auferido, no calendário de 2019, receita bruta inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), não terão nenhum ônus decorrente da suspensão do pagamento de salário, pois o benefício emergencial será custeado com recursos da União, no valor de 100% do seguro-desemprego que o empregado teria direito, em caso de demissão sem justa causa. Caso a receita bruta tenha sido superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), o condomínio terá que pagar uma ajuda compensatória de 30% do salário nominal do empregado;

2) Consideram-se empregados elegíveis aqueles que não ocupam cargo ou emprego público, cargo em comissão de livre nomeação e exoneração ou titular de mandato eletivo, ou ainda aqueles que não recebem benefício previdenciário ou de prestação continuada, nem seguro-desemprego, tampouco bolsa de qualificação profissional.

Retomada do contrato de trabalho anterior à pandemia  

O contrato de trabalho será restabelecido à sua forma originária, no prazo de dois dias corridos, contados a partir da cessação do estado de calamidade pública, da data estabelecida no acordo individual como termo de encerramento do período e suspensão pactuados, ou da data de comunicação do empregador, informando sobre a sua decisão de antecipar o fim do período ou redução/suspensão pactuados. Em ambos os casos o trabalhador terá estabilidade por igual período em que teve o seu contrato alterado.

Cumpre elucidar que as Medidas Provisórias editadas pelo Governo Federal possuem caráter transitório e têm validade de 60 dias, prorrogáveis por igual período, o que já ocorreu, cabendo agora ao Congresso Nacional aprovar a medida para sua transformação definitiva em lei. Se dentro do período de vigência da MP não for alcançada aprovação pelo Congresso, a referida norma perde a sua validade, de modo que deverão os parlamentares editar Decreto Legislativo para disciplinar os efeitos jurídicos gerados durante sua vigência.

Rescisão e grupos de risco

No que diz respeito à rescisão de contrato de trabalho, o empregador poderá rescindi-los como em qualquer outra época, desde que as verbas rescisórias sejam integralmente adimplidas. Entretanto, para os trabalhadores pertencentes ao grupo de risco, o que se orienta é a adoção de outras medidas, como antecipação de férias ou regime especial para compensação de horas, pois a dispensa pode ser considerada discriminatória, sendo passível discuti-la judicialmente.

Ainda deve ser levado em conta a dispensa de funcionários em vias de aposentadoria, pois estes têm estabilidade e caso sejam demitidos, poderão pleitear judicialmente indenização pelo período estabilitário a que fazem jus. De todo modo, não se recomenda a rescisão contratual neste momento de crise, pois sendo as demissões em sua grande maioria, sem justa causa, o ônus com encargos trabalhistas será enorme.  

Não menos importante e apenas à título de complementação, está em tramitação na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 2.833/2020, que prevê a rescisão unilateral do contrato de trabalho durante a pandemia, isto porque, para fins trabalhistas, o estado de calamidade pública é considerado motivo de força maior. Caso o projeto seja aprovado, a indenização devida ao trabalhador será custeada integralmente pela União.

Diante do atual cenário complexo, o qual estamos enfrentando, é de suma importância estar amparado juridicamente quando da formalização de um acordo nos termos das Medidas Provisórias supramencionadas, vez que uma análise criteriosa feita por um advogado pode dirimir o risco de futuras demandas trabalhistas e indenizatórias.


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Autor

  • Margareth Pereira Dos Santos

    Advogada sócia do escritório Pinheiro Oliveira, Santos e Rocha Advogados Associados. É graduada em Direito pela Universidade Nove de Julho, atuante na área Trabalhista e Cível, membro das Comissões de Direito do Trabalho e Direito Civil e Processo Civil OAB-SP.

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