Assembleia no condomínio e o voto eletrônico

A crescente adoção de novas tecnologias e a necessária adaptação às demandas do cotidiano do ser humano trazem em si mudanças que têm contribuído para facilitar e ampliar o conforto, o acesso, a distribuição de bens e serviços de modo nunca vivenciado pela sociedade.

Os condomínios não ficam fora destas novidades. São inúmeras as ofertas hoje disponíveis para melhoria dos sistemas de segurança, de operação e de facilitação da vida de quem mora em condomínios.

A tecnologia traz assim muitas possibilidades, em que os condôminos, mais a mais, do seu apartamento ou escritório acessam informações, comandam sistemas, agem e interagem com o que lhes importa nas áreas e coisas comuns do condomínio com facilidade, segurança e conforto. Agora surge a opção e assim a proposta já em trâmite pelo PL 548/2019, hoje no Senado Federal, em que, por mais um meio eletrônico e tecnológico, os condôminos poderão exercer seus direitos e praticar atos da vida civil.

É o voto eletrônico que é agora proposto para que as assembleias condominiais ampliem seu leque de participação e representatividade. A proposta é válida, útil e interessante, porém, o voto como exercício da democracia, este ato de cidadania merece a proteção legal e jurídica necessária a preservar a lisura, a contemporaneidade e o registro do ato sem máculas ou possibilidades do mau uso para auferir interesses, que não aqueles pertencentes a cada proprietário de uma unidade condominial.

O voto eletrônico merecerá todas as proteções tecnológicas e que o mundo digital dá como garantias da inviolabilidade do ato. Mas a proteção tecnológica tão somente não resolve esse “sagrado” exercício de cidadania.

O voto eletrônico muito mais do que sua proteção no mundo virtual precisa da merecida proteção jurídica não só porque comanda a vontade expressa de um cidadão, mas porque esta vontade deverá ser comprovadamente livre, desimpedida e poder por si só demonstrar que é válida.
E o que precisamos para que isso aconteça? Primeiramente, o voto é a manifestação oficial da vontade do cidadão, logo, constitui-se como ato formal a ser preservado como a expressão da vontade de cada cidadão. Essa vontade expressa é livre no seu expressar, mas não é livre a ocorrer sem formalidades, sem requisitos e sem uma agenda determinada na qual ocorrerá a manifestação livre, referente a um ato ou intenção em dia, data hora, meio e local, sob pena do ato ser eivado de vícios, estar à disposição das intenções que não aquelas legitimadas pelo direito de propriedade do condômino.

Assim sendo, primeiramente em discordância ao próprio projeto que prevê o voto eletrônico, nos soa como uma temeridade não exercer esse direito sob os auspícios de certos requisitos, um deles é dia, data, hora e local para que o condômino vote com segurança e essa segurança inicia-se na forma pela qual saberá que tanto ele como votante, como todos os demais, praticaram o ato em iguais condições e iguais meios. Queremos mostrar que não existirá lisura em votações eletrônicas se estas não ocorrerem ao tempo da convocação da assembleia, ou seja, a nosso ver o voto somente poderá ser computado como válido se ocorrer ao tempo do transcurso da assembleia e não a partir dela e para os próximos trinta dias como quer o projeto apresentado.

Colher votos fora do ato formal já foi e ainda é considerado em inúmeras mesas julgadoras como fraude e dado como inválido o ato que não resultou da presença do votante na assembleia. Como a ideia do projeto e do resultado é buscar o voto dos ausentes em assembleia que o seja, que aconteça, mas será ao tempo que se instala a assembleia até seu encerramento. Fora desse lapso temporal é a nosso ver uma temeridade e não permite aos participantes da assembleia a certeza que junto ao seu ato de votar os demais votantes exerceram o ato de igual forma em iguais condições.

O voto eletrônico nasce neste contexto para contribuir e contribui sim, mas deverá ser exercido e colhido ao tempo da assembleia, que terá seu trâmite legal exercido da mesma forma que hoje acontece, conforme os requisitos da lei e da própria convenção condominial.

Há outra opção já acontecendo em alguns condomínios que se dá por meio das assembleias virtuais, que assim já usam desse expediente, mas voltamos à tese que o ato de votar deverá necessariamente acontecer com dia, data, hora e local previstos na convocação. Já vem com esse parágrafo a pergunta: “Como local, se aqui falamos de voto virtual?”. Bem, a nosso ver, nada impedirá que o condômino, apesar de votar por Internet, manifeste ou não de onde pratica o ato, mas isso será algo a ser debatido como necessário e útil ou não.

Ao superarmos a formalização do ato de votar diante de certos requisitos, sobra a nós a tarefa de exigir como cidadão que a coleta dos votos eletrônicos siga um sistema certificado e controlado por identificações, que será “aberto e fechado” às votações com dia, hora e local, muito semelhante aos sistemas eletrônicos já implantados em votações públicas.

Portanto, o tema é atual e necessário à dinâmica da vida em condomínios, mas é primaz a tarefa de garantir sua proteção, seriedade e registro. Como ato oficial merece a validação e a confiança especialmente de quem o exerce como cidadão, o próprio condômino.


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Autor

  • Walter Trebitz

    Advogado e Assessor Jurídico da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (Aabic). Formado pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e pós-graduado em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor para cursos e treinamentos em administração condominial, relações locatícias e Direito; professor de Direito do Trabalho e Relações Trabalhistas e Sindicais, e de Direito do Trabalho para o curso de Gestão de RH, para pós-graduação em gestão de pessoas, controladoria e MBA. Advogado atuante nas áreas cível, trabalhista e imobiliária. Sócio do Escritório Kuntz Cardoso Alves e Trebitz – Advogados.

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