Assembleia virtual de condomínio também pode ser impugnada

Os efeitos da pandemia, do isolamento social e da necessidade de evitar aglomerações atingiram toda sociedade, inclusive os condomínios, que passaram a realizar assembleias virtuais.

Essa tendência, que faria parte de um futuro não muito distante, foi antecipada e vários condomínios passaram a realizar assembleias virtuais desde o início da pandemia, para permitir a funcionalidade e operacionalidade da vida no prédio. E, especialmente no início da pandemia, várias decisões, com os mais diversos resultados, passaram a ser proferidas pelo Judiciário, que, de uma forma geral, até em razão das regras de isolamento, passou a autorizar a realização da solenidade virtualmente, desde que, e como condicional obrigatória, o ato fosse realizado garantindo-se sempre o direito aos debates, respeitado o quórum de votação e demais formalidades existentes nas convenções.

Assim, ainda que várias assembleias virtuais tenham sido realizadas e/ou validadas, algumas inclusive refeitas e/ou ajustadas após decisões, é fato que a Lei Federal 14.010/2020 trouxe para o nicho condominial maior segurança jurídica quanto ao uso dos meios virtuais para deliberações assembleares. Vejamos:

“Art. 12. A assembleia condominial, inclusive para os fins dos arts. 1.349 e 1.350 do Código Civil, e a respectiva votação poderão ocorrer, em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, por meios virtuais, caso em que a manifestação de vontade de cada condômino será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial.
Parágrafo único. Não sendo possível a realização de assembleia condominial na forma prevista no caput, os mandatos de síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020 ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020.

Art. 13. É obrigatória, sob pena de destituição do síndico, a prestação de contas regular de seus atos de administração.”

Porém, respeitando opiniões em contrário, o que há nesta Lei é apenas, e tão somente, uma permissão quanto ao uso de plataformas eletrônicas para realização das discussões assembleares. Contudo, tal autorização legal não autoriza e/ou legitima que as assembleias virtuais contrariem a essência do que está previsto no Código Civil, Constituição Federal e na própria Convenção de cada condomínio.

Portanto, questões fundamentais como: Formalidade da convocatória, respeito quanto ao horário de abertura e encerramento da assembleia, cômputo da votação, respeito quanto ao quórum mínimo exigido para os assuntos que serão deliberados, respeito aos assuntos da ordem do dia, conferência inequívoca dos votos e outras situações como eleição do secretário e presidente da mesa continuam absolutamente imutáveis e não foram flexibilizados.

E o fato é que vários condomínios estão realizando votações por intermédio de meios virtuais, relativizando e/ou flexibilizando formalidades, o que poderá culminar com pedidos judiciais para anulação de parte das deliberações ou até mesmo da própria assembleia virtual, e, dentre os principais fatores que poderão causar a sua anulação, temos:

a. Convocação da assembleia sem respeitar o prazo mínimo e as formalidades necessárias para sua ocorrência, não se garantindo que todos os moradores tenham sido efetivamente convocados;

b. Ausência de divulgação de cartilha e/ou informativo orientando os condôminos de como proceder para realizar a baixa de aplicativos, cadastros e outros procedimentos necessários para que tivessem o voto computado e participassem das discussões assembleares;

c. Ausência de oferta e/ou possibilidades de participação de condôminos que não possuíam conhecimento e/ou equipamentos para realização da assembleia virtual;

d. Restrição quanto à eleição do Presidente e Secretário da Mesa;

e. Ausência administrativa de um eficiente sistema do cômputo de presença, que indicasse com exatidão os dados sistêmicos dos participantes do ato e como cada um votou, especialmente o horário da votação;

f. Ausência administrativa eficiente no sistema de validão dos votos, não se respeitando o “peso” proporcional à fração ideal, a restrição ao cômputo da votação dos inadimplentes, a obrigatoriedade de se computar um único voto por unidade adimplente e outras peculiaridades;

g. A restrição quanto ao amplo debate dos assuntos previstos na pauta para discussão, não se disponibilizando, por exemplo, arquivos prévios, como: Planilhas, orçamentos e outros dados relacionados aos itens que seriam votados;

h. Restringir, impedir e/ou bloquear (silenciar) o direito de manifestação de qualquer condômino;

i. Desconsiderar quedas e/ou interrupções sistêmicas operacionais que tenham impedido o acesso e/ou o devido acompanhamento dos debates por parte dos condôminos;

j. Permitir a participação de condôminos inadimplentes, salvo nos casos previstos nas regras legais;

k. Encerrar a assembleia virtual sem informar a votação dos assuntos que foram deliberados ou ter mantido a reunião aberta para o cômputo eletrônico dos votos e dos condôminos que não participaram (logados) das deliberações e/ou que só tenham ingressado no ambiente virtual após esses debates;

l. Aprovar deliberações em desrespeito ao quórum mínimo exigido. 

Desse modo, verifica-se que a assembleia virtual é apenas, e tão somente, uma ferramenta facilitadora para realização das deliberações condominiais, contudo, jamais sua essência facilitadora poderá ser utilizada como meio para desprezar formalidades que continuam vigentes.

Assim, tais inobservâncias poderão implicar na anulação das deliberações, como se presencial fossem.

E, em razão das eventuais irregularidades que, ainda que seja possível a participação por dispositivos moveis (celular), se torna aconselhável o uso de PC para viabilizar essas assembleias, pois o condômino poderá realizar a gravação da tela da reunião assemblear, possibilitando, com isso, demonstrar mais facilmente as eventuais irregularidades no âmbito judicial, quando necessário for.

Já quando o condômino entender que há violação de seu direito e/ou qualquer irregularidade, o requerimento judicial para anular totalmente a assembleia ou algum dos tópicos pode ser realizado por intermédio do advogado ou, salvo casos específicos, diretamente no Juizado Especial.

E, em ambas ocasiões, pedidos liminares para impedir e/ou suspender os efeitos do aprovado são usualmente requeridos.

Destarte, até em razão da grande diversidade de plataformas que estão sendo utilizadas, muitas vezes de forma adaptadas para o ato assemblear, e da gigantesca possibilidade de que até mesmo um simples descuido nas formalidades e/ou decorrente de uma queda de conexão de um único condômino possa causar, o aconselhável, ao menos por ora, é que as deliberações assembleares por meio virtual contemplem em sua pauta do dia única e exclusivamente assuntos de extrema relevância. Se for o caso, que outras deliberações sejam alvo de novas assembleias, evitando-se com isso a somatização dos riscos decorrentes do revés de uma suspensão e/ou anulação de decisões assembleares.

Em outra seara, não podemos negar que a assembleia virtual é uma ferramenta extremamente útil e que certamente será englobada à vida condominial.


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Autor

  • Alexandre Berthe Pinto

    Alexandre Berthe PintoAdvogado membro da Comissão de Direito Condominial da OAB-SP e da Associação dos Advogados de São Paulo. Cursou pós-graduação em Direito das Famílias e das Sucessões (EPD). É pós-graduando em Direito Aplicado aos Serviços de Saúde. Atua nas áreas do Direito Condominial, Fraude Bancária, Direito do Consumidor e Família e Sucessões.

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