PRECISAMOS FALAR SOBRE AUTISMO EM CONDOMÍNIOS

Ambiente condominial precisa ser inclusivo; informação, acolhimento e tolerância são cruciais para um melhor convívio entre pessoas atípicas e seus vizinhos

DOIS DE abril é o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, data instituída pela ONU (Organização das Nações Unidas) para reflexão de uma condição cada vez mais presente. Dados do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) americano apontam que uma a cada 36 crianças tem autismo.  A prevalência dos casos de modo geral pode estar atrelada, entre outros, a fatores como expansão e aprimoramento de critérios diagnósticos do TEA (Transtorno do Espectro Autista) e aumento da conscientização da população.

Nos condomínios, um extrato social, gestores notam um crescente de casos. Importante salientar que a informação é sempre uma boa aliada à coexistência pacífica em construções multifamiliares. “Autismo não é doença, é uma condição do neurodesenvolvimento que impacta em um desenvolvimento atípico. É de início precoce, ou seja, as características já devem estar presentes na primeira infância, mesmo que de forma sutil.  É caracterizada por prejuízos persistentes na comunicação e interação social associados a padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades”, esclarece a neuropediatra Deborah Kerches, autora do best-seller Compreender e Acolher Transtorno do Espectro Autista na Infância e Adolescência.

As estereotipias (repetições vocais ou motoras) que acompanham autistas podem não fazer muito sentido para quem está de fora, mas têm sua razão. Costumam ocorrer em situações de estresse, que causam desconforto, ou na euforia e na ociosidade. Em muitos casos, têm a função de autorregulação ou autoestimulação (quando proporciona uma sensação prazerosa). Pode, ainda, ocorrer vinculada a algum tipo de reforço, como uma maneira, por exemplo, de fugir de determinada demanda.

A psiquiatra Graccielle Rodrigues da Cunha Asevedo, vice-coordenadora do Teamm (ambulatório especializado em atendimento do Transtorno de Espectro Autista), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), elenca características predominantes na criança autista, como não responder ao nome quando chamada, evitar contato visual, não sorrir de volta quando lhe sorriem, e não brincar de faz de conta. Nas mais velhas, podem ser incluídas: dificuldades em entender o que os outros estão pensando ou sentindo; preferência por rotina rígida e atividades solitárias.

Crianças com TEA são submetidas a uma gama de terapias para minimizar o impacto no bem-estar, na qualidade de vida e na funcionalidade. “Estudos mostram que a intervenção precoce pode minimizar alguns aspectos que impactam de forma significativa esses fatores como melhora na linguagem e diminuição de comportamentos agressivos”, pontua a médica Graccielle.

A advogada Carla Bertin é mãe de um pré-adolescente autista e criadora do site Autismo Legal. Ela salienta que embora crianças atípicas sigam uma rotina de terapias, o condomínio jamais pode exigir das famílias uma comprovação de que a criança esteja em tratamento. “Por outro lado, se as pessoas do condomínio sabem que ali existe uma pessoa autista e acreditam ou desconfiam que ela não está em tratamento ou que ela sofre maus-tratos pode fazer uma denúncia no conselho tutelar com base na sua desconfiança”, informa a consultora em direitos da pessoa autista.

Quanto à reclamação sobre barulho em unidades condominiais com atípicos, Carla cita que é grande a incidência de conflito entre vizinhos. “Isso abrange condomínios de todas as classes sociais; o desrespeito ao direito de pessoas autistas é muito grande”, comenta. A legislação assegura os direitos de pessoas atípicas, com a lei 12.764/12, conhecida como Berenice Pina, e a Lei Brasileira de Inclusão, 13. 146/15, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência – o autismo se enquadra aqui e, inclusive, as famílias com integrantes autistas podem usar vagas de garagem PCD.

Carla menciona que as citadas leis são as principais, mas no caso do autista ser criança, são válidos também o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e a Lei de Diretrizes e Base (Bases) da Educação Nacional. A advogada comenta que direitos essenciais (como de autorregulação, ainda que com barulho) estão acima do silêncio e sossego reclamado por condôminos, pois são cruciais à vida do morador atípico.

 

COMPREENSÃO E TOLERÂNCIA

Numa época em que o tema autismo era menos abordado, a síndica profissional Vanilda de Carvalho surpreendeu-se ao saber do que se tratava o barulho de batidas sobre o qual um morador reclamara. “Era um menininho de 4 anos dando cabeçadas na parede! A família tinha acabado de receber o diagnóstico de autismo e estava meio perdida, ainda não tinha adotado estratégias preventivas, o que aconteceu depois. A mãe me autorizou a explicar a situação do filho ao vizinho do andar abaixo, e ele se solidarizou com a dor daquela família, enviando flores e oferta de ajuda”, recorda.

Em outro condomínio, vieram várias reclamações sobre um garoto correndo no corredor. “Fui conversar com a mãe, que tinha acabado de se mudar para lá. Ela me contou que ele era autista, que estava mais agitado porque a rotina dele tinha sido alterada com a mudança de casa e de escola. Demonstrei empatia e pedi autorização para explicar a situação aos vizinhos, e a partir daí alguns começaram a abrir suas portas quando ele corria e a correr junto, e outros, para ajudar essa mãe, faziam barreira na escada para que a criança não fugisse por ali”, relata Vanilda.

Claudvânea Smith Monteiro se deparou com dois casos de meninas autistas em um mesmo condomínio, sendo a menorzinha, filha do zelador. “Quando o diagnóstico foi fechado, concordamos em contar aos pais das outras crianças que brincam com ela no parquinho, não para exclui-la, mas para entenderem o porquê de ela sair correndo ao ouvir um som diferente. Ela participa das recreações da assessoria esportiva, como circo, mas tem atividade que não realiza por falta de coordenação, então as crianças pegam na mão dela, tentam ajudar, de maneira muito natural e acolhedora”, fala a síndica profissional.

Sobre o outro caso, Vânia, como é mais conhecida, conta que abordou a família atípica após ouvir relatos de moradores de que uma criança estava sendo maltratada, porque gritava e chorava muito. “Eu pensava que a criança apanhasse de uma babá, e fiquei até sem jeito quando a mãe me contou a filha era autista, fazia terapias, mas que tinha crises. Porém, como síndica, eu não poderia deixar de averiguar uma suspeita de violência, mas compreendi que nem tudo o que ouvimos são maus-tratos. A dor pode ser outra”, alerta.

SIMBOLOGIA: O cordão para crachá de quebra-cabeça identifica pessoas autistas, enquanto o de girassol é usado por pessoas com deficiências não visíveis, como o autismo. Um terceiro cordão, com símbolo do infinito, foi desenvolvido pela comunidade autista para pessoas neurodivergentes,. Todos têm como objetivo conscientizar, mas não substituem documentação que comprove a condição de quem usa o acessório

 


Matéria publicada na edição 299 abr/24 da Revista Direcional Condomínios

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