Bem de família indireto: Existe bem de família em imóvel com usufruto ou alugado?

A proteção ao instituto denominado Bem de Família tem crescido no Direito, com expressiva tendência jurisprudencial a seu favor. Protege-se o bem de família, que é aquele imóvel elegido pela lei ou pela vontade de seus proprietários para ficar a salvo de eventuais execuções patrimoniais, a fim de se garantir direitos como o da moradia e o da dignidade da pessoa humana, insculpidos respectivamente nos artigos 1o, inciso III e 6o, caput, da Constituição Federal.

Se a pessoa ou o grupo familiar não tiver instituído nenhum imóvel específico como bem de família, gravando-lhe com a cláusula de impenhorabilidade no Cartório de Registro de Imóveis, nos termos do artigo 1.714 do Código Civil, a lei já garante tal reserva.

Nos termos do art. 1º da lei 8.009/1990, “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas na lei”. Assim, qualquer imóvel nessas características já possui a referida proteção. Trata-se de importante norma de ordem pública, irrenunciável, que protege tanto a família quanto a pessoa humana.

Obviamente, existem exceções a esta proteção, com o fim de não frustrar totalmente demandas executivas justas contra devedores irresponsáveis. Considerando-se isto, tem-se que o instituto do Bem de Família guarda digna proporcionalidade e justeza, de modo a proteger o indivíduo ou a entidade familiar de terminarem sem residência, mas também não abandona o credor exequente de forma absoluta.

Quanto ao mencionado aumento da proteção do bem de família, este se dá principalmente na jurisprudência, que tem adotado, no julgamento de casos não abarcados pela letra estrita da lei, diversas relativizações e interpretações extensivas e analógicas do conceito, pautada sempre na proteção do direito à moradia e na dignidade da pessoa humana.

Como um dos primeiros e mais importantes julgados acerca do tema que conferiu uma extensão à esta proteção, pode-se citar o precedente do Superior Tribunal de Justiça, que acabou originando o enunciado de Súmula 364. Na fundamentação de um dos precedentes, o Ministro Relator lançou mão de frase que emocionou e marcou a comunidade jurídica, tendo sida repetida em aulas, exposições e palestras pelo Brasil afora: “não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão”.

Com este tocante exemplo, percebe-se que o conceito e a proteção do Bem de Família é um objetivo muito precioso ao Direito Pátrio.

No julgamento do Embargos em Recurso Especial 339.766-SP foi decidido que: “É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família”. Tal interpretação também foi sumulada no enunciado 486 do STJ e consagrou o chamado Bem de Família Indireto, pois é protegido mesmo que a família não resida diretamente no imóvel, mas a renda obtida a partir de seus frutos civis seja indispensável à sobrevivência da entidade familiar.

Nesse sentido, outros julgados: conferiu-se a proteção ao bem dado em usufruto para residência da mãe do executado, pessoa idosa, ocasião em que também foi utilizado para corroborar o decisum, os princípios do Estatuto do Idoso (REsp 950.663/SC). Mais recentemente, em ementa generalista, o EREsp 1.216.187/SC: “deve ser dada a maior amplitude possível à proteção consignada na lei que dispõe sobre o bem de família (Lei 8.009/1990), que decorre do direito constitucional à moradia estabelecido no caput do art. 6.º da CF, para concluir que a ocupação do imóvel por qualquer integrante da entidade familiar não descaracteriza a natureza jurídica do bem de família”.

A tutela da moradia também se deu de forma mediata ou reflexa nos recentes casos julgados de imóvel pertencente à pessoa jurídica, mas destinada à moradia de sócio. É o que restou assentado no AREsp 511.486-SC, no qual asseverou-se, de forma surpreendente, que: “A impenhorabilidade do bem de família no qual reside o sócio devedor não é afastada pelo fato de o imóvel pertencer à sociedade empresária”, representando a força da proteção ao Bem de Família, que se apresenta, como podemos ver, como verdadeira quebra de paradigmas processuais.

Também se confere a proteção ao bem imóvel mesmo que se configure em terreno não construído ou local inocupado temporariamente, em razão de fato não imputável ao devedor, o que a doutrina tem chamado de Bem de Família Vazio. Mais uma modalidade protegendo inclusive um “direito à moradia potencial”, nas palavras do civilista Flávio Tartuce (Conforme noticiado em no Portal Migalhas, acesso em 06/09/2019).

Diante desses casos, resta mais do que comprovada a importância do conceito de Bem de Família para o Direito. Mesmo sem ser sabido até onde a Jurisprudência é ainda capaz de alcançar em prol de sua proteção, fato é que diversas interpretações extensivas e analógicas estão sendo aceitas, considerando-se sua base constitucional de proteção à dignidade da pessoa humana e direito à moradia. (Colaborou no desenvolvimento do artigo a advogada Mariá Maynart)


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Autor

  • Thiago Giacon

    Advogado graduado pela FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas) e pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC/SP (Pontifícia Universidade Católica). Atua nas áreas de Direito Cível, do Consumidor, Família e Sucessões, Imobiliário e Tributário.

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