A convivência entre condôminos está cada vez mais difícil. Muitos síndicos acabam mediando conflitos mas há outras alternativas para solucionar brigas envolvendo vizinhos.
Fatores como o estresse cotidiano, a falta de paciência e o temperamento explosivo de muitos condôminos têm transformado os condomínios num verdadeiro campo minado. Discussões entre moradores explodem a todo distante. Barulho, vagas de garagem e vazamentos estão entre os principais estopins das brigas entre vizinhos. Invariavelmente, os embates resvalam no síndico, que acaba fazendo papel de mediador. O síndico Maurício Jovino acredita que o gestor se transforma num apaziguador do condomínio, evitando que as discussões acabem no Judiciário. No Residencial Guignard, onde é síndico há oito anos, as desavenças são motivadas quase sempre por barulho nos apartamentos, como arrastar móveis, brincadeiras de crianças e som alto fora do horário tolerado. “Nesses casos, o reclamante liga para a portaria e acha que o síndico deve resolver o caso, porque não quer tocar a campainha do vizinho e reclamar. Cheguei a ter uma reunião por semana, colocando frente a frente os dois vizinhos, que muitas vezes nem se conheciam”, conta. Maurício reconhece que as reuniões resolveram muitos problemas (apenas um acabou chegando ao tribunal de pequenas causas). Apesar dos casos de discussões entre vizinhos terem diminuído em seu condomínio, Maurício acredita que a intolerância das pessoas e os condomínios cada vez maiores têm se transformado em motivo de preocupação para os síndicos. “O ser humano está cada vez mais violento e isso está se refletindo dentro dos edifícios, infelizmente”, avalia.
Mariza C.A. de Mello é síndica do prédio onde mora e em mais cinco condomínios exerce o cargo de síndica profissional. Coleciona inúmeros casos de problemas entre vizinhos e costuma intervir em alguns. “Quando chego a intermediar uma conversa entre os moradores é porque a situação está em um estágio complicado”, diz. Em um dos casos, o vizinho reclamava de barulho da vizinha de cima, que tem duas crianças. “Como o apartamento dele tem janelas antirruído, qualquer som o incomoda mais. Na verdade, o morador criou uma rixa com a vizinha. Percebi isso claramente no dia em que ele reclamou que as crianças estavam brincando com o cachorro e fazendo barulho. Disse a ele que quem tem cachorro é o apartamento abaixo do dele”, conta a síndica. Marisa chegou a levar a vizinha do andar superior ao apartamento do reclamante para que ela escutasse os barulhos produzidos em sua casa e hoje acredita que a situação entre os dois está mais equilibrada. “O barulho realmente é um problema muito grande nos prédios porque é difícil para o síndico comprovar. Há barulhos eventuais, como os de reformas, mas os apartamentos realmente não têm isolamento para o problema do barulho cotidiano”, acredita. Em outra situação Marisa também reuniu duas moradoras: uma, com uma filha especial, reclamava do barulho que a outra fazia de madrugada. Na reunião, a moradora barulhenta confessou ser hiperativa, e pediu que a vizinha sempre interfonasse para ela quando se sentisse incomodada. “É uma situação difícil de resolver mas consegui que as duas conversassem. O síndico deve ter muito jogo de cintura. É claro que quando um dos moradores não quer conversar, peço que o reclamante registre a queixa no livro e envio uma notificação por escrito”, aponta.
O síndico André Luiz de Oliveira e Silva também adota uma conduta de colaborador nas discussões entre vizinhos. Para André, síndico do Condomínio Condominium Club Moema há quatro anos e meio, o trabalho profissional que realiza a frente do empreendimento leva ao respeito das regras e ao reconhecimento de que o síndico está ali para solucionar os conflitos. “Se as partes envolvidas concordam com uma reunião, converso com todos juntos. Mas, às vezes percebo que a questão é pessoal. Nesse caso recomendo que procurem uma mediação, porque não há síndico que resolva. É como briga de marido e mulher, o síndico deve tomar muito cuidado ao interferir”, opina André, que comanda o condomínio com 282 apartamentos e 68 funcionários, administrado por autogestão.
Para o administrador de condomínios Marcelo Mahtuk, que atua na área há 25 anos, o administrador, e não o síndico, deve absorver as questões de desavenças entre moradores. “Em muitos prédios que administro existe a figura do gerente de facilities interno. Em condomínios que não têm esse funcionário, oriento que o síndico não se envolva. É preciso preservar o síndico, senão ele perde sua vida pessoal. Infelizmente os moradores não separam o síndico do condômino”, avalia. Marcelo completa que, se ouvir todos, o síndico acaba atuando como psicólogo, se deixa envolver pelos problemas e passa a fazer parte deles, o que não recomenda.
Existe ainda uma outra forma do síndico se blindar das brigas entre vizinhos: a instituição de um conselho de ética no condomínio. É o que ocorre no Condomínio Saint Paul Ville, com 136 apartamentos, do síndico Paulo Romani. “O conselho de ética funciona como uma barreira para que esse tipo de discussão não sobre para o síndico”, explica Paulo. No Saint Paul Ville, o conselho, instituído na alteração da convenção, é composto por seis moradores. Hélio Gonçalves Marques atua como coordenador do conselho. Na opinião de Romani, o órgão deve ser composto por pessoas de bom senso. Moradores que se sentem injustiçados por advertências e multas (muitas vezes ocasionadas por barulho e reclamações de vizinhos) recorrem ao conselho de ética. “Nunca entramos em discussão com os moradores. Mostramos que há um regulamento a ser cumprido. Discussão só leva a confusão e atritos”, acredita o conselheiro Hélio.
O advogado Michel Rosenthal Wagner conta que tem sugerido e implementado, em alterações de convenção ou de regulamento interno dos condomínios, o conselho de ética e recursal. Ou seja, o conselho funciona também para apreciar recursos de multas. Michel lembra que para alterar a convenção é necessário quorum de 2/3 dos proprietários, enquanto que para modificar o regulamento basta o voto da maioria absoluta dos presentes em assembleia. “O objetivo do conselho é ter um caminho para o diálogo dentro do condomínio, que não seja só o síndico. É preciso que o condomínio tenha uma instância interna mais ágil, além das assembleias, para apreciar e ponderar questões envolvendo discussões entre moradores”, sustenta o advogado. “É uma alternativa para uma administração saudável”, completa. Michel frisa, porém, que não basta simplesmente criar um conselho de ética e votá-lo em assembleia. “Nesse caso, as decisões ficam fracas e deixam de ter força”, finaliza.
Matéria publicada na edição 135 mai/09 da Revista Direcional Condomínios
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