Câmeras de segurança em condomínios: o que diz a LGPD sobre o acesso às imagens

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A presença de câmeras de vigilância em condomínios tornou-se uma realidade incontornável no cenário urbano contemporâneo. Seja pela necessidade de reforçar a segurança patrimonial, seja pela preocupação com a integridade física dos moradores, a instalação de sistemas de monitoramento é hoje prática comum e, muitas vezes, requisito indispensável para a valorização do empreendimento. Contudo, ao mesmo tempo em que oferecem sensação de proteção, esses equipamentos geram complexas questões jurídicas, sobretudo quanto ao direito de acesso às imagens.

Frequentemente, condôminos que se consideram vítimas de ilícitos solicitam à administração do condomínio a disponibilização direta dos vídeos, o que suscita dúvidas quanto aos limites legais dessa entrega. O tema ganhou ainda mais relevância a partir da entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018 – LGPD), que reconheceu as imagens como dados pessoais, sujeitando sua coleta, tratamento e compartilhamento a regras específicas.

Surge, então, um desafio para os condomínios: como conciliar a necessidade de segurança com a observância do direito fundamental à proteção de dados e da privacidade de todos os envolvidos? O presente artigo busca enfrentar essa problemática, analisando a natureza jurídica das imagens, os riscos do fornecimento indevido e o procedimento adequado em casos de ilícitos, sempre à luz da legislação e da jurisprudência.

A natureza jurídica das imagens e a aplicação da LGPD

A primeira questão a ser enfrentada refere-se à natureza jurídica das imagens captadas pelos sistemas de vigilância. Não há dúvida de que tais registros constituem dados pessoais, pois permitem identificar direta ou indiretamente pessoas físicas que circulam nas áreas comuns ou no entorno do condomínio.

A LGPD, em seu artigo 5º, inciso I, define dado pessoal como “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável”, o que se aplica perfeitamente às imagens que revelam rostos, trajes, placas de veículos ou mesmo hábitos cotidianos.
Ao serem qualificadas como dados pessoais, as imagens passam a estar sujeitas ao regime da LGPD, que impõe restrições ao tratamento e estabelece hipóteses específicas em que a coleta e o compartilhamento são permitidos.

O artigo 7º da lei é claro ao exigir a presença de uma base legal para legitimar qualquer forma de tratamento. Entre essas hipóteses, não se encontra a entrega de imagens a particulares sem a anuência expressa de todos os retratados, o que, na prática, é inviável em um ambiente coletivo como o condomínio. Nesse cenário, a disponibilização direta ao condômino que a solicita, ainda que na condição de vítima de um crime, encontra barreiras legais intransponíveis.

Os riscos jurídicos do fornecimento indevido

Ao fornecer imagens a condôminos de maneira direta, o síndico ou a administração expõem o condomínio a riscos significativos. Em primeiro lugar, ocorre a violação de direitos de terceiros que, sem qualquer relação com o fato investigado, terão sua privacidade devassada.

A imagem de uma pessoa que transita pelas áreas comuns, de visitantes eventuais ou mesmo de prestadores de serviço estaria à mercê de divulgação indevida, o que configura dano moral indenizável. Além disso, o condomínio pode ser responsabilizado civil e administrativamente pelo uso irregular de dados pessoais.

O artigo 42 da LGPD prevê expressamente a responsabilização do controlador — que, neste caso, é o condomínio — por danos patrimoniais, morais, individuais ou coletivos decorrentes de tratamento ilícito de dados. Complementarmente, o artigo 52 da mesma lei atribui à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) competência para aplicar sanções administrativas que variam desde advertência até multa de até 2% do faturamento da pessoa jurídica, limitada a R$ 50 milhões por infração.

Embora os condomínios não tenham fins lucrativos e não se equiparem a empresas, a aplicação da LGPD é inequívoca e pode implicar responsabilização severa. A jurisprudência começa a refletir essa preocupação. O Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu em diversas ocasiões que o fornecimento indevido de imagens de câmeras de segurança viola direitos de personalidade, cabendo reparação quando demonstrado o prejuízo.

Ainda que tais decisões não sejam abundantes, há uma tendência crescente em reconhecer que a proteção da privacidade deve prevalecer sobre interesses individuais de obtenção de prova, salvo quando intermediada pelo Poder Judiciário ou pela autoridade policial.

O procedimento correto em casos de crimes

Diante desse cenário, é fundamental esclarecer qual é o procedimento adequado quando um condômino se vê envolvido em situação criminosa e busca acessar as imagens. A conduta correta é que o morador registre boletim de ocorrência perante a autoridade policial competente.

A partir desse ato, será a própria polícia, no exercício de suas atribuições legais, quem solicitará formalmente ao condomínio a disponibilização das imagens. Caso a investigação avance para o âmbito judicial, eventual ordem poderá ser emitida pelo magistrado, também obrigando a entrega.

Esse fluxo garante equilíbrio entre o interesse legítimo do condômino em obter provas e o dever do condomínio de resguardar a privacidade dos demais. Trata-se de solução que preserva a segurança jurídica, evitando que a administração se torne árbitra de pedidos particulares e, ao mesmo tempo, assegura que eventuais ilícitos não fiquem sem apuração.

A responsabilidade do síndico e da administração

Cabe destacar que o síndico, nos termos do artigo 1.348 do Código Civil, é o representante legal do condomínio, incumbindo-lhe praticar atos de defesa dos interesses comuns. Nesse papel, assume também a condição de controlador de dados pessoais, sendo responsável pela gestão segura das informações.

Qualquer fornecimento indevido pode gerar não apenas a responsabilização do condomínio, mas também, em casos de dolo ou culpa, a responsabilização pessoal do gestor. Daí a importância de que o síndico adote medidas preventivas.

Entre elas, destaca-se a elaboração de uma política de privacidade interna, que estabeleça critérios claros para tratamento de dados, o treinamento de porteiros e funcionários para lidar com solicitações de moradores e a inclusão, no regulamento interno, de cláusulas que reforcem a impossibilidade de fornecimento direto das imagens.

Essas práticas fortalecem a governança condominial e reduzem significativamente os riscos de responsabilização.

Conclusão

A análise conduzida permite concluir que a disponibilização de imagens de câmeras de segurança a condôminos não encontra respaldo na legislação vigente e representa grave risco jurídico ao condomínio.

As imagens constituem dados pessoais protegidos pela LGPD, e seu fornecimento direto a particulares viola o direito à privacidade de terceiros, podendo gerar responsabilização civil e administrativa.

O procedimento correto, em situações de crime, é a comunicação imediata à autoridade policial e o atendimento integral às solicitações formais provenientes dessa autoridade ou do Poder Judiciário.

Assim, a postura do condomínio deve ser de absoluta cautela. O síndico e a administração não podem ceder a pressões individuais, devendo sempre agir em conformidade com a lei e em defesa do interesse coletivo.

Ao estabelecer políticas claras de governança e privacidade, o condomínio não apenas evita sanções, como também reforça sua credibilidade perante os moradores. Mais do que uma questão técnica, trata-se de verdadeira missão institucional: assegurar que a busca por segurança não se converta em violação de direitos fundamentais.


Autor

  • Advogado Diego Reis

    Advogado especializado nas áreas imobiliária e condominial; presidente do Núcleo de Direito Condominial da OAB-Osasco.