Caro(a)s colegas síndico(a)s! Nos últimos dias um dos assuntos mais comentados nas redes sociais e nos demais meios de comunicação foi a postura de um porteiro que se manteve inerte diante da agressão física cometida pelo estudante de medicina Yuri de Moura Alexandre contra o ator Victor Meyniel Rocha. O crime ocorreu no dia 2 de setembro no hall social de um condomínio em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro.
As imagens foram registradas pelas câmeras de segurança do edifício, onde o agressor dividia o apartamento com uma amiga.
Para entendermos a situação de forma pormenorizada, acessamos diversas reportagens, assistimos vídeos e lemos parte do processo visando saber o relato policial do caso.
Encontramos até mesmo algumas comparações em relação a um suposto crime de omissão de socorro que também ganhou as mídias este mês, por coincidência em episódio que se deu no mesmo Rio de Janeiro, na mesma madrugada, porém na Barra da Tijuca, zona oeste da cidade. Falamos aqui do atropelamento do ator Kayky Brito, e da postura adotada pelo amigo, o ator Bruno de Luca, que se encontrava próximo ao local do acidente, mas não prestou assistência.
Configuração do crime de omissão de socorro
Primeiramente vamos fazer uma breve análise sobre o que dispõe o Código Penal sobre omissão de socorro:
“Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro de autoridade pública:
Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.”
Essencialmente, a legislação penal determina que é um dever humanitário prestar assistência à pessoa ferida ou pedir socorro de autoridade pública para pessoa em grave perigo, existindo tal possibilidade sem colocar a própria vida ou integridade física em risco. Ninguém quer um herói, que se coloque à frente de um desconhecido para salvá-lo de uma agressão injusta, por exemplo.
O simples fato de ligar para a autoridade pública, como o SAMU ou polícia militar, por exemplo, já faz com que a pessoa não incorra no crime de omissão de socorro.
Neste caso ocorrido dentro de um condomínio, a única pessoa que presenciou as agressões e poderia ao menos ter acionado a polícia, era, efetivamente, o porteiro.
Já no caso do atropelamento do ator Kayky Brito, o próprio motorista prestou socorro, parando o veículo e acionando as autoridades, portanto, o amigo Bruno de Luca não poderia ser indiciado pela omissão de socorro devido ao fato de que é um “crime instantâneo”, ou seja, naquele momento em que poderia ser prestada qualquer tipo de assistência e quem estava próximo nada fez, eis que o próprio motorista parou o veículo e acionou as autoridades, ao contrário do porteiro.
Lamentavelmente verificamos que a falta de treinamento aos funcionários que trabalham nos condomínios também pode fazer com que condutas similares ocorram. É imprescindível investir em treinamentos, cursos de capacitação e reciclagem não somente para o zelador, mas para todos os funcionários, sejam registrados diretamente pelo condomínio ou terceirizados.
Há poucos anos vemos campanhas de conscientização para os moradores dos condomínios e gestores prediais sobre os casos de violência doméstica e familiar, sobre a necessidade do apoio às vítimas e a obrigação em denunciar para as autoridades policiais, mas essa postura humanitária não deve se restringir aos moradores do próprio condomínio.
Desenvolvimento do caso
Nas imagens que foram transmitidas em diversos meios de comunicação assistimos ao porteiro do condomínio sentado, apenas olhando o Victor ser brutalmente espancado pelo Yuri e após, ele toma uma xícara de café, aparentando tranquilidade.
Interessante que antes do início das agressões na frente do porteiro, Yuri havia empurrado Victor para dentro do elevador, que bateu a cabeça no espelho. Quando o elevador desceu, a porta ficou emperrada e o porteiro Gilmar foi abrir a porta com uma ferramenta, presenciando nova discussão entre o agressor e a vítima.
Após os socos proferidos contra Victor, que desmaiou, Yuri deixa o local e o porteiro Gilmar Agostini puxa Victor pelos braços para tirá-lo da “passagem” e volta a sentar, acionando o síndico, que ligou para a polícia.
No depoimento prestado às autoridades policiais, o síndico descreveu o porteiro Gilmar como sendo uma pessoa simplória, que tem medo das coisas, que é diabético e cuida do irmão que está internado, por isso não teria feito nada para auxiliar Victor.
O síndico, por sua vez, sabendo da situação do porteiro, ou até mesmo outros moradores, não poderiam primeiramente ter lhe oferecido algum tipo de auxílio?
São alguns questionamentos que podemos fazer diante de tantas cenas absurdas.
As filmagens das câmeras, ademais, registraram os crimes, sendo que o Yuri de Moura Alexandre foi preso em flagrante por homofobia, agressão e também poderá responder por falsidade ideológica, pois disse que era militar da Marinha. Sua prisão foi convertida em preventiva.
Já o porteiro, devido ao fato de que o crime de omissão de socorro é considerado de menor potencial ofensivo, certamente responderá em liberdade.
Conclusão
Quando iniciamos na área condominial, os casos de violência dentro de condomínios eram pontuais, mas lamentavelmente assistimos o impressionante aumento no número de tais ocorrências, pois certamente não temos acesso ou informações sobre outros crimes que ocorrem diariamente.
As campanhas de conscientização aos funcionários e condôminos são essenciais, de modo que tais assuntos podem ser abordados até mesmo em uma assembleia geral ou em comissões formadas para tal finalidade.
Vivemos em sociedade e os grandes condomínios são pequenas cidades nas quais devem existir normas, punições e o mínimo de civilidade para que todos possam viver e conviver em harmonia.
Costumamos dizer para que os moradores sejam os vizinhos que eles gostariam de ter e pensem na máxima “eu gostaria que fizessem isso comigo?”.
Evidente que nem todos se conscientizam, mas pensar que o sofrimento do nosso semelhante não nos afeta é de um egoísmo extremo, não obstante muitos acharem que o simples fato de pagarem a cota de condomínio lhes confere o direito de fazer o que bem entendem dentro de suas residências.
Não sejamos omissos com alguém em situação de vulnerabilidade ou ao presenciar uma injustiça pois desta forma será possível formar uma sociedade melhor.
Sempre destacamos que é imprescindível que os síndicos contratem assessoria jurídica especializada para evitar transtornos e prejuízos à coletividade condominial. Esperamos que as informações tenham sido úteis para todos!
Irina Uzzun
Advogada proprietária do escritório Irina Uzzun Sociedade de Advogados e professora universitária. Atua na área de Direito Imobiliário e Condominial há 18 anos, pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD) e mestre em Soluções Alternativas de Controvérsias Empresariais também pela EPD. Leciona em cursos de formação de síndicos profissionais. Atuou como síndica profissional durante dois anos, como síndica orgânica durante 12 anos e atualmente é síndica em dois condomínios residenciais, um na zona oeste de São Paulo e em outro na região central. Mais informações: irina@irinauzzun.adv.br
Eduardo Steganha
Advogado consultor no escritório Irina Uzzun Sociedade de Advogados. Atua na área de Direito Imobiliário, Condominial e Penal. Pós-graduado em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito (EPD) e em Direito Público pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI. Autor de artigos em periódicos especializados. Trabalhou no Ministério Público de São Bernardo do Campo. Leciona em cursos de formação de síndicos profissionais. Presta consultoria direcionada para condomínios residenciais e comerciais. Mais informações: eduardosteganha@adv.oabsp.org.br
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