Ciclo de vida de edificações habitacionais: Um guia aos síndicos

Esse texto apresenta, de forma didática, o ciclo de vida das edificações, a vida útil de seus sistemas e as ações de reparo, recuperação, restauro, retrofit e reforço. Seu objetivo é orientar os síndicos, demais gestores e condôminos em relação ao planejamento das medidas de preservação das edificações e do patrimônio imobiliário.

1 – Vida Útil

As edificações, assim como qualquer outro produto, têm um prazo de durabilidade, o qual chamamos de vida útil, que segundo a NBR 15575-1 (ABNT, 2013) é a “capacidade da edificação ou de seus sistemas de desempenhar satisfatoriamente suas funções ao longo do tempo, sob condições de uso e manutenção especificadas”.
Isso significa que mesmo com as atividades de manutenção haverá um momento no qual a edificação ou parte dela precisará ser restaurada, reabilitada ou demolida, conforme demonstra a Figura 1.

Figura 1 : Ciclo de Vida de Edificações

Devido a isso, é imprescindível que o gestor da edificação planeje, além das atividades de manutenção, também as de restauro e reabilitação. Porém, tal tarefa é bastante complexa até mesmo para os profissionais da área, pois envolve aspectos da ciência dos materiais que às vezes ainda não são bem compreendidos pelos profissionais (CIB, 2014) e é um assunto relativamente recente, trazido pela NBR 15575-1 (ABNT, 2013) que entrou em vigência para edificações com projetos protocolados em prefeitura depois de 19 de julho de 2013. Essa norma indica os prazos de vida útil de projeto mínimos, conforme mostra a Tabela 1.
Vale ressaltar que tais prazos são teóricos, e podem não coincidir com a realidade, uma vez que dependem de diversas variáveis de exposição e uso não controláveis e, principalmente, dependem da periodicidade e processos de manutenção.

Tabela 1 : Vida útil de projeto

Sistema Vida Útil de Projeto

Estrutura

≥ 50

Pisos internos

≥ 13

Vedação vertical externa

≥ 40

Vedação vertical interna

≥ 20

Cobertura

≥ 20

Hidrossanitário

≥ 20

Fonte: NBR 15575-1 (ABNT, 2013)

2- Anomalias

Os prazos de vida útil comentados na seção anterior indicam o desgaste natural dos materiais e elementos da edificação, considerando que eles se comportem de maneira adequada, porém, muitas vezes nos deparamos com anomalias construtivas que surgem muito antes do desgaste natural dos materiais, sendo normalmente decorrentes de erros no processo de execução da edificação. Em termos gerais, as principais causas de anomalias estão associadas a fatores humanos e naturais, conforme mostra a Tabela 2, e irão diminuir a durabilidade dos sistemas associados se não reparados corretamente.
Tabela 2 : Causas gerais de manifestações patológicas em edificações

Causas

Tipo

Agente

Ações humanas

Projeto

Método de cálculo errado ou inadequado, insuficiente informação técnica e/ou nível
de detalhamento, considerações/premissas de projeto inadequadas (cargas, uso, exposição, condições locais, compatibilidade entre diferentes aspectos funcionais, etc.)

Execução

Uso de materiais de má qualidade, pessoal sem capacitação ou experiência, ausência de fiscalização/controle, interpretação errada dos projetos, máquinas e equipamentos não calibrados etc.

Uso

Uso inadequado, ausência ou falha na manutenção, mudanças na utilização, carga excessiva, reformas etc.

Ações excepcionais

Incêndio, explosão, impacto etc.

Ações naturais

Físicas

Efeitos do vento e da chuva, neve, fluência, movimentos pela variação térmica ou de umidade etc.

Químicas

Oxidação, carbonatação, chuva ácida, sais etc.

Biológicas

Vegetação (raízes, fungos, algas etc.), animais (cupim, formiga, insetos, etc.)

Desastres

Terremoto, ciclone, furacão, avalanche, inundação, erupção vulcânica etc.

Fonte: Adaptado de PAIVA (1985)

3 – Inspeção Predial

Como apresentado, a edificação está sujeita a defeitos decorrentes de falhas humanas, agentes externos naturais ou desgaste natural, os quais necessitam ser identificados logo no início de sua manifestação, para que não comprometam grandes áreas ou afetem outros elementos da edificação.
Tal atividade é de responsabilidade do gestor, porém, requer o conhecimento técnico de engenharia que muitas vezes ultrapassa a qualificação até de profissionais graduados, por isso, é de extrema importância que sejam realizadas inspeções prediais periódicas na edificação, por profissional especialista, para que sejam identificados logo no início da vida útil da edificação, trazendo muitas vantagens para todos os envolvidos.
Outra vantagem da inspeção predial é a eventual identificação de alguns vícios não manifestos, que podem comprometer o desempenho da edificação e, se identificados tardiamente, tornar inviável a reparação, muito onerosa (Figura 1), ou estar fora do prazo de garantia, como por exemplo:

  • O diâmetro de um cabo da malha do SPDA, inferior ao estabelecido pela norma, conforme demonstra a Figura 2 abaixo; e,
  • A fixação de antenas na laje de cobertura, perfurando a impermeabilização sem calafetação adequada (confira na Figura 3), que só se manifestará após algum período de ocorrência de chuvas e consequente infiltração de água.

Figura 2 : Vista de antena de TV aterrada ao SPDA com cabo de bitola inferior ao permitido pela NBR5419 (ABNT, 2005)

Fonte: Eng.º Marcus Vinícius Fernandes Grossi

 

Figura 3 : Vista de elemento de fixação do mastro da haste Franklin possivelmente furando a manta de impermeabilização.

Fonte: Eng.º Marcus Vinícius Fernandes Grossi

4 – Restauro / Reabilitação / Reparo / Retrofit/ Reforço

Apesar de não haver norma técnica que trate do assunto, as atividades de reabilitação de edificações são inevitáveis, tanto pela obsolescência dos sistemas, como nas edificações antigas que não possuem eletrodutos para os sistemas de dados (internet) ou até mesmo o sistema elétrico ( o qual não previa tantos equipamentos eletroeletrônicos que possuímos hoje), como pelo desgaste natural da edificação como mencionado anteriormente. As definições dos termos envolvidos nas atividades de reparação são importantes para entender o objetivo de cada uma delas.

  • Reparo: Atividade de conservação / reparação em locais ou ambientes pontuais da edificação;
  • Restauro: Atividade de conservação / reparação que tem por objetivo manter a integridade física e desempenho originais da edificação, respeitando ao máximo as características e materiais originais. Aplicado obrigatoriamente em edificação tombadas, com valor ao patrimônio histórico;
  • Reabilitação: Atividade de reparação que tem por objetivo recuperar o desempenho da edificação, normalmente visando à valorização do imóvel e aumento da vida útil;
  • Retrofit: Atividade de modernização/atualização da edificação ou de algum sistema, através da incorporação de novas tecnologias e conceitos, normalmente visando à valorização do imóvel, mudança de uso, aumento da vida útil e/ou eficiência operacional e energética (adaptado ABNT NBR15575-1, 2013);
  • Reforço: Atividade de reparação que tem por objetivo o aumento do desempenho, ou características funcionais de determinado sistema da edificação, podendo visar à preservação da integridade física (reforço estrutural), ao aumento do conforto (reforço da isolação acústica) etc.

5 – Conclusão

Assim, podemos concluir que todo gestor de edificações deve planejar as atividades de reabilitação, e o quanto antes fizer isso, menos impacto haverá aos envolvidos, principalmente o impacto financeiro, pois os custos são bastante elevados. Sempre tendo como base as atividades de inspeção predial periódicas, que irão identificar a urgência e quais sistemas precisam de maior atenção e urgência.

Referências
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15575-1: Edificação Habitacional – Desempenho. Parte 1: Requisitos gerais. Rio de Janeiro, 2013.
CIB – International Council for Research and Innovation in Building and Construction. Defects in Masonry Walls. Guidance on Cracking: Identification, Prevention and Repair”. Netherlands. 2014. 79 p.
JESUS, C.R.M.; BARROS, M.M.S.B. Reabilitação de edifícios: a importância dos sistemas prediais. Téchne Pini: São Paulo, ed. 156, 2010.
PAIVA, V.; et al. Patologia da Construção. 1º Encontro sobre Conservação e Reabilitação de Edifícios de Habitação, Documentos Introdutórios, LNEC, Lisboa, Portugal, 1985.


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Autor

  • Marcus Vinícius Fernandes Grossi

    Engenheiro Civil, é doutorando em tecnologia da construção pela USP; mestre em Tecnologia da Construção de Habitações pelo IPT; especialista em Excelência Construtiva e Anomalias pelo Mackenzie; em Gestão e Tecnologia da Construção pela POLI-USP; Inspetor de Estruturas de Concreto pelo IBRACON, ABECE e ALCONPAT. Atua como Perito Judicial, Assistente Técnico da Defensoria Pública e Ministério Público do Estado de São Paulo; professor universitário; palestrante de cursos de perícia e patologia das construções. É sócio-gerente da Fernandes & Grossi Consultoria e Perícias de Engenharia, onde atua com consultoria, perícias de engenharia, inspeção predial, entrega de obras, auditoria de projetos, normatização técnica, desempenho e qualidade das construções. Atualmente é membro da Divisão Técnica de Patologia das Construções do Instituto de Engenharia e associado da ALCONPAT - Associação Brasileira de Patologia das Construções. Lançou a obra “Inspeção e Recebimento de Obras/Edificações Habitacionais” (LEUD Editora, 2020).

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