Cobrança de cotas condominiais de imóvel com mais de um proprietário: Procedimento e recomendações

Caro(a)s colegas síndico(a)s! Alguns entendimentos sobre a cobrança de cotas condominiais já estão pacificados perante os tribunais superiores, no entanto, ainda existem situações que geram dúvidas inclusive para os advogados.

Quando existem boletos em aberto no condomínio, muitas vezes o imóvel devedor possui mais de um proprietário. Situação muito comum pelo fato de a compra do apartamento ser feita por casais, ter sido transmitido por herança ou mesmo ter sido adquirido em multipropriedade (Lei 13.777/2018).

Após determinação em 2018 da Febraban e do Banco Central, todos os boletos devem ser registrados, ou seja, é necessário constar o CPF/CNPJ do emissor (credor), o CPF/CNPJ do pagador (devedor), a data de vencimento e o valor. Mesmo existindo mais de um proprietário para o mesmo imóvel, costuma-se informar apenas um número de CPF/CNPJ vinculado ao boleto da cota condominial.

A obrigação fundamental dos condôminos perante o condomínio é a de pagar a contribuição mensal, pois o valor do boleto de cada unidade é calculado, na maioria dos casos, sobre a fração ideal do imóvel, salvo disposição em contrário da Convenção ou de eventuais rateios e cobranças extras deliberados de modo diverso em assembleia. Esta obrigação do pagamento das cotas condominiais, também denominada obrigação propter rem (própria da coisa), é considerada indivisível perante o condomínio, ou seja, o síndico poderá cobrar a integralidade da dívida de um ou de todos os coproprietários. Todos serão devedores solidários perante o condomínio.

Devedores solidários

A solidariedade significa que cada um dos coproprietários responde pelo valor total da dívida vinculada ao mesmo imóvel, de forma que a cobrança poderá ser realizada em face daquele que reside no imóvel ou é mais fácil de ser citado, por exemplo. Imaginem a dificuldade de citar um coproprietário que mora fora do País. Decidindo pagar a integralidade do débito, o coproprietário poderá acionar os demais para que lhe restituam as partes que lhe cabem, seja 25%, 50% ou qualquer outro porcentual.

Destarte, se nenhum dos coproprietários quitar a dívida, é possível ocorrer a penhora do bem por determinação judicial, ainda que somente um dos coproprietários tenha sido citado no processo, pois é o imóvel que permanece vinculado ao débito condominial e deverá garantir o pagamento da dívida.

Posse sobre o bem

Outro ponto importante a ser analisado é o fato de que muitas vezes a aquisição de um imóvel ocorre por meio de um “compromisso de compra e venda” que não é levado a registro perante o Cartório de Registro de Imóveis. O vendedor ainda irá constar como proprietário na matrícula do imóvel, no entanto, não deverá mais ser responsabilizado por eventuais débitos em aberto após a realização da venda. Ao cobrar judicialmente as cotas condominiais em aberto, muitos advogados não confirmam se a pessoa que consta no registro de imóveis como proprietário é efetivamente quem reside no local e está na posse do imóvel (o nome que consta no boleto do condomínio pode ser diferente do que consta na matrícula do imóvel). Independentemente de ter registrado a compra na matrícula do imóvel, a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais será de quem comprou o imóvel, desde que o condomínio tenha ciência sobre esta transação e de que o comprador exerça a posse sobre o bem. Este é o entendimento dos tribunais superiores. Por isso, é importante manter os cadastros dos moradores devidamente atualizados.

Penhora & Alienação fiduciária

Também é comum a situação em que o condomínio esbarra na alienação fiduciária. É quando ele executa judicialmente os débitos de uma determinada unidade, ganha a ação e, no momento em que iniciar o que denominamos “cumprimento de sentença”, para receber o que lhe é devido, o condômino inadimplente não procede ao pagamento, de modo que o próximo passo será a penhora do imóvel, mas, neste momento, o síndico toma ciência que sobre o imóvel existe uma alienação fiduciária (a propriedade do imóvel é da instituição financeira). Neste caso, infelizmente, o condomínio não conseguirá penhorar o imóvel para levar a leilão, conforme entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo no seguinte acórdão:

Despesas de condomínio. Cobrança. Cumprimento de sentença. Decisão que indefere a penhora da unidade condominial geradora das despesas objeto da lide. Pretensão à penhora da unidade condominial. Impossibilidade. Imóvel dado em alienação fiduciária. Réus que não possuem a titularidade do imóvel, que é da instituição financeira, credora fiduciária, que não compõe o polo passivo da lide. Credor fiduciário que preserva a propriedade resolúvel do bem e não integra a lide. Impossibilidade de penhora do imóvel de terceiro para o pagamento da dívida. Decisão mantida. Recurso improvido. (Agravo de Instrumento nº 2190397-26.2016.8.26.0000, Rel. Des. Francisco Occhiuto Júnior, 32ª Câmara de Direito Privado, j. 20.10.2016).

Nunca é demais o síndico tentar negociar a dívida, inclusive quando existe mais de um proprietário do imóvel. Pois é melhor receber de apenas um proprietário parte do valor em aberto ao invés de permanecer intransigente e ficar sem receber valor algum. O pagamento parcial não desobriga os demais responsáveis pelo pagamento do restante da dívida, que também poderão ser cobrados judicialmente.

Conforme mencionamos, a cota condominial é uma obrigação indivisível, no entanto, estando um dos coproprietários de boa-fé e disposto a quitar a sua parte na dívida, o meu modesto entendimento é de que não existe proibição legal para que o síndico aceite receber um porcentual do crédito referente à cota parte deste coproprietário.

O síndico deve ser flexível em relação às necessidades de cada condômino para evitar conflitos desnecessários, pois nem sempre uma questão condominial soluciona-se apenas com um “sim/não” ou “pode/não pode”. Espero que as informações tenham sido úteis para todos!


Matéria complementar da edição – 255 – abril/2020 da Revista Direcional Condomínios

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Autor

  • Irina Uzzun

    Advogada sócia do escritório Irina Uzzun Sociedade de Advogados, professora universitária, pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD) e mestranda em Soluções Alternativas de Controvérsias Empresariais pela EPD. Irina Uzzun foi síndica orgânica do Condomínio The Spotlight Perdizes, em São Paulo, durante 5 mandatos seguidos. Atuou como síndica profissional.

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