“Com a sindicatura, encontrei meu caminho” Amanda Accioli

Foto Almir Almeida

Amanda Accioli, 51 anos, deixou o Direito Condominial
para atuar no front

“Sou paulistana, mas fui criada em Santos, onde estudei desde pequena em colégio católico, tendo aulas de francês e boas maneiras. O colégio era padrão ouro em ensino, mas pecava por não aceitar crianças do sexo masculino, com pais separados ou negras. Sequer Pelé pôde matricular a filha. Eu mesma, com pais ‘amasiados’, só fui aceita por intervenção do meu avô paterno, um advogado influente. Graças a Deus, essa realidade mudou no final dos anos 1980.  Fiquei em Santos até concluir o Ensino Médio.

Em 1992, passei a morar em São Paulo com a minha avó paterna, já viúva, no apartamento dela em Higienópolis, bairro com o qual tenho forte ligação desde que passava as férias escolares na infância e caminhava com meu amado avô por suas ruas arborizadas e com prédios pomposos. Aliás, cursei faculdade de Direito para honrar o legado do meu avô, uma vez que o meu pai se formou advogado à contragosto e não abraçou a profissão. Já o meu avô, além de atuar nas áreas civil e trabalhista, também foi escritor, poeta e clarinetista. E era ligado à política. Foi Secretário Municipal de Educação e Cultura de São Paulo, e recebia em casa políticos como Adhemar de Barros e Jânio Quadros. Hoje, tenho o privilégio de morar com minha filha adolescente nesse espaço repleto de memórias e objetos vintage.

 Já a história da minha família por parte de mãe é muito dura, e influenciou a construção da minha consciência social. A minha avó materna era filha de mãe negra e pai português, que tentou estuprá-la. Para fugir dele, aos 14 anos ela saiu do interior paulista e veio parar na Praça Buenos Aires, que fica, coincidentemente, na mesma Avenida Angélica. Acolhida por proprietários de um dos antigos casarões da avenida, trabalhou como doméstica. Mais tarde, se casou com um soldado, e teve três meninos e a minha mãe. Moraram numa casa na Vila dos Remédios, na zona oeste, onde criavam porcos e galinhas para não passarem fome, porque meu avô gastava o salário com bebida e mulheres, depois ia para casa espancar minha avó. Ele morreu de cirrose quando eu era bebê, e a família buscou um recomeço na Baixada Santista.

Quando meus pais iniciaram um relacionamento, minha avó paterna foi contra devido a diferença cultural do casal, mas cedeu com o tempo.  Até os presentou com um apartamento em Santos, para que pudessem me criar em um bom ambiente, e assumiu os custos da minha educação, o que valorizava muito porque era ex-professora, e filha de educadores. Quando eu tinha oito anos, meu pai saiu de casa, mas continuou presente na minha vida.

Aos 23 anos, formada em Direito, trabalhei por um período no escritório que havia sido do meu avô, no Largo Paissandu, em São Paulo. Contudo, na virado do milênio, busquei novos ares, me tornando sócia de um escritório jurídico, no qual passei a atuar com o Direito Condominial, na verdade, ainda encampado no Direito Imobiliário àquela época.  Fiquei 12 anos em contato com o diversificado universo dos condomínios, no qual não faltava trabalho.

Saí do escritório em 2013, e decidi me dedicar integralmente a uma atividade que eu já exercia em paralelo ao Direito: organizar cerimônias de casamentos. Mesmo já estando separada e em vias do divórcio, não me tornei amarga e continuei a crer na instituição do casamento – tanto que hoje estou noiva de uma pessoa maravilhosa. Na infância, era aficionada pelas noivas que tiravam fotos nos jardins da orla de Santos, e só desenhava noivinhas na escola. Na fase adulta, fui blogueira de casamento, então era natural empreender no ramo. Mas encerrei a empresa cedo, porque meu pai adoeceu, ficou quase três anos internado num hospital e veio a falecer em 2016.  

Ainda enlutada, voltei ao mercado condominial pelas mãos do Dr. Rodrigo Karpat, que viu meu antigo currículo no Linkedin, e me convidou para atuar no escritório dele. Nessa época, fiz bons cursos de sindicatura para entender as necessidades de um síndico profissional, com quem eu teria de lidar. Veio a pandemia e fui desligada da Karpat em maio de 2020 em compreensível contexto de reestruturação. Na sequência, mais uma vez fui acionada pelo Linkedin, agora pelo Dr. Clodoaldo Lima e Dr. Juan Zabalegui, sócios da ZDL Advogados, escritório jurídico condominial em Santos. Eles me contrataram para expandir os negócios para São Paulo. Inacreditavelmente, em plena pandemia, o plano deles deu certo.

Embora feliz na ZDL, no fundo eu queria empreender, ser a responsável pelo meu sucesso de acordo com o meu desempenho e a sindicatura me pareceu excelente opção. Fiz pós-graduação em Administração e Direito Condominial e MBA em Gestão Condominial e Direito Condominial para me preparar melhor na transição de carreira. Conquistei os primeiros condomínios e aí não deu mais para conciliar a ZDL. Atuo no segmento condominial há mais de 20 anos, sendo os últimos quatro na sindicatura. Em alguns prédios trabalho sozinha; noutros tenho parceiras incríveis.

Ainda no início da sindicatura, vivi uma experiência assustadora:  um funcionário muito antigo de um condomínio se exasperou quando o chamei para conversar. Atirou o balde e a vassoura na minha direção e gritou: ‘Mulher não manda em mim; mulher comigo, só na peixeira’. Não bastasse, depois enviou uma foto das suas partes íntimas pelo WhatsApp. Foi demitido, claro. Mas esse caso é exceção, me dou muito bem com os funcionários dos meus condomínios; uso jeans e camiseta para estar mais próxima deles, e adoro tomar café com eles. Eles sabem que podem contar comigo e que viro uma leoa para defendê-los.

“Um funcionário muito antigo de um condomínio se exasperou (…). Atirou o balde e a vassoura na minha direção e gritou: ‘Mulher não manda em mim; mulher comigo, só na peixeira”

Administro prédios de vários perfis, só não aprecio muito as implantações porque as pessoas chegam em um novo empreendimento achando que vão morar na ‘Disney Condominial’. Desconhecem que há um processo de amadurecimento até que o condomínio esteja apto a funcionar perfeitamente. O que me fascina são os prédios de 50 anos para cima, com sua imponência histórica. Mesmo com o fantasma da falta de manutenção, não encaro como um problema, mas sim como uma oportunidade de aprovar obras que contribuam com a melhoria dessas construções.

Com a sindicatura, encontrei meu caminho. Quero me fortalecer enquanto síndica profissional da Santa Cecília, Vila Buarque e Higienópolis. Não só pela praticidade de trabalhar perto de casa, mas por amor genuíno à região. Vou pondo em prática esse projeto aos poucos, com o pé no chão, e Deus ao meu lado. Sem me deixar corromper, sem atropelo, sem pressa.”

Matéria publicada na edição 307 jan/25 da Revista Direcional Condomínios

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