Como o síndico pode implantar um programa de conscientização e prevenção de dependência química?

Até o presente momento, nos artigos anteriores foram apresentadas aos internautas algumas noções sobre a dependência química: definição, causas, consequências e, principalmente, os malefícios.

Um dos objetivos principais dos artigos anteriores foi o de conscientizar os leitores do crescente aumento que as drogas vêm apresentando em todas as classes sociais, pois sabemos que em qualquer classe econômica e social a droga está presente, seja o álcool, cigarro (drogas lícitas), bem como as ilícitas (maconha, cocaína, crack, etc.). NÃO EXISTE LUGAR ONDE NÃO POSSAMOS ENCONTRAR SUBSTÂNCIAS ILÍCITAS: ESCOLAS, UNIVERSIDADES, BARES, NAS NOSSAS CASAS, E É CLARO, NOS CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS E COMERCIAIS.

E, com certeza, conhecemos pessoas ou parentes que no mínimo já experimentaram algum tipo de substância química ou que estejam passando por este problema. A porcentagem de consumo vem crescendo assustadoramente. Por exemplo, são consumidas, anualmente, nos estados Unidos, 700 toneladas de maconha, onde, em alguns estados americanos, médicos já prescrevem receitas para utilização da maconha como utilidade medicamentosa.

Não é mais possível esconder a ideia de que esse tipo de problema não vai afetar a mim ou a minha família: TODAS ESTÃO SUJEITAS A PASSAREM POR ESTE PROBLEMA DENTRO DO SEU LAR.

Devido a isto, quando lidamos com os dependentes químicos, estamos lidando não só com sua vida, mas diretamente com seu ambiente familiar: marido, esposa, filho, filha, tio, tia, ou seja, uma família inteira acaba envolvida na doença do familiar. A família também fica doente, num fenômenos que definimos como “codependência”, assunto que abordaremos em outro artigo.

E quando moramos em um condomínio residencial, convivemos com centenas de pessoas e famílias e sabemos que este tipo de problema pode atingir algum vizinho ou colega, afetando, consequentemente, outras famílias que são contra o consumo, podendo ocorrer até conflitos entre elas.

Para isso, é preciso que o síndico deste condomínio saiba lidar com o assunto de forma direta e objetiva, mas para isso ele precisa certificar-se de que abordar um tema delicado como este não é tão simples assim, principalmente se ele não souber a dimensão, a definição e de como tratar não só a dependência química, mas como também orientar e ajudar as famílias residentes no condomínio.

Vale ressaltar que a família é a primeira referência de uma pessoa, é como uma sociedade em miniatura. É na família, mediadora entre indivíduo e a sociedade, que aprendemos a perceber o mundo e a nos situarmos nele. Ela pode ser responsável por nossa formação pessoal, porém, não é a única.

“A família e a influência cultural são fatores importantes na determinação do padrão do uso e do consumo do álcool e outras drogas. Há várias evidências de que os padrões culturais têm papel significativo no desenvolvimento do alcoolismo, por exemplo.”

Conceitos importantes aos síndicos

É por isso que para o síndico, faz-se necessário ter amplo conhecimento do significado desta doença, que não tem cura; assim, é importante ele saber:

  1. O que é dependência química;
  2. Causas e consequências;
  3. Quais as principais drogas de consumo;
  4. Quais as drogas mais utilizadas pelos jovens;
  5. Quais as novas drogas existentes utilizadas pelos jovens?
  6. Quais as formas de tratamento;
  7. Saber sobre internação voluntária e compulsória;
  8. Fatores de risco;
  9. Fatores de proteção;
  10. Fatores do próprio indivíduo;
  11. Fatores familiares;
  12. Fatores escolares;
  13. Fatores sociais;
  14. Fatores relacionados às drogas;
  15. Redução de danos.
  16. Ele deve, além de tudo, conhecer as famílias do condomínio, ser assertivo, ou seja, saber conversar com os jovens e os pais destes de forma a orientar adequadamente sobre os caminhos que devem seguir para ter um tratamento adequado. É muito difícil para elas aceitarem a ideia de ter um filho ou familiar que está se tornando um dependente químico;
  17. O síndico precisa também estar amparado de conhecimento através de leitura de livros, assistir vídeos, assistir palestras, conversar com profissionais da área, psicólogos, assistentes sociais, advogados que entendam do assunto, para auxiliá-lo sempre que for necessário.

Além de tudo o que foi colocado até o momento, cabe aqui uma reflexão sobre o trabalho a ser realizado pelo síndico, tendo em vista que o objetivo principal não somente é a conscientização dos moradores, mas também o de prevenção, de que tais situações não venham mais a ocorrer tanto no condomínio, como na família do residente.

E o que significa Prevenção?

Prevenção refere-se a toda iniciativa coletiva visando à sobrevivência da espécie. A humanidade foi se desenvolvendo e conseguindo atualizar algumas formas de preservação.

Assim, junto com a humanidade, o uso de drogas foi se modificando. Com essas mudanças, novos pensamentos e novas pesquisas foram se desenvolvendo para que as ações planejadas pudessem ser efetivas e preservadoras.

As mais sérias pesquisas sobre a questão nos mostram um aumento do uso de drogas, mas, principalmente, mostram-nos a necessidade de planejarmos ações preventivas adequadas ao grupo que desejamos atingir. Prevenir não é banir a possibilidade do uso de drogas, mas, sim, considerar uma série de fatores para favorecer que o indivíduo tenha condições de fazer escolhas saudáveis.

O objetivo da prevenção, segundo a Organização Mundial da Saúde, é reduzir a incidência de problemas causados pelo uso de drogas em uma pessoa em um determinado ambiente.

A prevenção divide-se em três itens:

  1. Prevenção Primária: evitar que o uso de drogas se instale, dirigindo-se a um público que não foi afetado;
  2. Prevenção Secundária: efetuar ações que evitem a evolução do uso para usos mais prejudiciais;
  3. Prevenção Terciária: tratar os efeitos causados pelo uso da droga, melhorando a qualidade de vida das pessoas afetadas.

Cabe destacarmos que a prevenção se organiza focando o indivíduo ou a população, considerando a multiplicidade de fatores envolvidos ao uso abusivo e na dependência de drogas.

Agora, a partir da definição de uma população-alvo, as atividades preventivas passam a ser chamadas de:

  1. Prevenção Global ou Universal;
  2. Prevenção Específica ou Seletiva;
  3. Prevenção Indicada.

                                O que é?

                          Onde se aplica?

Prevenção Universal: programas destinados à população geral, supostamente sem qualquer fator associado ao risco.

Na comunidade, em ambiente escolar, e nos meios de comunicação.

Intervenção Seletiva: ações voltadas para populações com um ou mais fatores associados ao risco de substâncias psicoativas.

Por exemplo, em grupos de crianças, filhos de dependentes de drogas.

Prevenção Indicada: intervenções voltadas para pessoas identificadas como usuárias ou com comportamentos violentos relacionados direta ou indiretamente ao uso de drogas, como alguns acidentes de trânsito.

Em programas que visem a diminuir o consumo de álcool e outras drogas e também melhorar aspectos da vida do indivíduo, como desempenho acadêmico e reinserção escolar.

Fatores da proposta de prevenção

Para fazer uma proposta de prevenção, é preciso que alguns fatores sejam considerados.

Dada a complexidade da problemática do uso de drogas, envolvendo a interação de fatores biopsicossociais, o campo de ações preventivas é extremamente abrangente, envolvendo aspectos que vão desde a formação da personalidade do indivíduo até questões familiares, sociais, legais, políticas e econômicas.

Sabemos que o problema do uso de drogas é sério e importante. Entendemos, também, que só nossas boas intenções não são suficientes para planejarmos uma ação preventiva.

Para tal planejamento, é preciso ter conhecimento científico, e não somente uma opinião sobre a questão. Dentro deste conhecimento, estão a identificação da população a ser trabalhada, a identificação dos fatores de risco e de proteção dessa determinada população, além do planejamento da intervenção que será feita.

Somos seres humanos e, muitas vezes, não enxergamos o problema de forma completa, por isso é muito importante o trabalho em equipe. Na formação da equipe, é importante contar com especialistas e membros da localidade onde se fará o trabalho – a isso se chama apoio.

Os fatores apoio, conhecimento, criatividade e equipe treinada são essenciais para o desenvolvimento de um bom trabalho nessa área.

Se a função do técnico for a de treinar uma equipe local, é preciso que a equipe tenha condições de:

  1. Receber o conhecimento científico e se manter atualizada;
  2. Suportar mudanças lentas e graduais;
  3. Tolerar frustração para conseguir ampliar os próprios limites;
  4. Examinar seus erros e seus preconceitos em relação à questão;
  5. Exercer a própria criatividade para criar ações considerando o próprio grupo identificado;
  6. Trabalhar com outros técnicos em atividades grupais.

Para a implantação de um programa, é preciso que se definam seus objetivos e as estratégias, considerando o grupo onde ele será desenvolvido, além da definição dos recursos físicos locais para que a intervenção não precise ser interrompida. Os processos de mobilização ocorrem mais facilmente se forem iniciados em grupos menores.

Para se fazer prevenção, além da preparação da equipe, da definição de objetivos e do conhecimento de apoio, temos de contar com dados da realidade externa que interferem no nosso trabalho e estarmos atentos a novos fatores que possam interferir nele. Por exemplo, uma nova droga introduzida no mercado ou novos hábitos que venham fazer parte daquele grupo devem ser considerados.

As ações preventivas na comunidade podem ser orientadas por diferentes modelos que não são excludentes entre si. Utilizando como exemplo a escola, podemos dizer que uma intervenção preventiva será mais eficiente quanto mais considerar dados como:

  1. O respeito à cultura da comunidade e do lugar onde ela está inserida;
  2. O planejamento das ações;
  3. O aproveitamento dos recursos já existentes;
  4. A integração das novas atividades ao currículo escolar;
  5. O envolvimento gradual da comunidade escolar;
  6. A preocupação com a possibilidade da continuidade das ações planejadas;
  7. A consideração do fato de que só a informação não basta;
  8. A identificação dos fatores de risco e proteção.

Tanto quanto o planejamento para iniciar a intervenção preventiva, a avaliação dos resultados obtidos é de suma importância.

Bem, meus amigos, acredito que tenha transmitido um pouco do que pode ser feito em termos de trabalho preventivo dentro de um condomínio ou mesmo nos lares das famílias.

Lembrem-se: é muito importante sempre consultar um profissional especializado para esclarecer todas as suas dúvidas quanto à dependência química, como de outras dependências existentes atualmente.

A dependência química é uma doença incurável, porém tratável e preventiva. Por isso faz-se necessário estarmos sempre dispostos a lutar contra este mal dentro dos nossos lares, e você, que é síndico, que é preocupado com esta situação dentro do condomínio que você é responsável, procure um profissional para poder discutir a possibilidade de desenvolver este trabalho de conscientização dos moradores, e de como todos podem lidar objetivamente com este problema.

São Paulo, 5 de agosto de 2014

Autor

  • Nelson Luiz Raspes

    Psicólogo com formação em Dependência Química pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). É especializado em Capacitação em Dependência Química pela Universidade de Santa Catarina. Atuou durante quinze anos junto ao Centro de Tratamento Bezerra de Menezes.

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