Tipos imaturos são recorrentes na vida condominial, mas recursos como ampla comunicação, práticas educativas e boa convivência ajudam o síndico a lidar com a situação; advertências e multas não estão descartadas.
Inspirados pelo mês de volta às aulas das creches e escolinhas, traçamos um paralelo da questão comportamental nesses ambientes com a de construções edilícias. Seriam os condomínios a creche dos adultos? A síndica profissional e psicanalista Mari Sobral esclarece que todos nós transitamos pelo comportamento infantil e maduro; o primeiro nos permite, por exemplo, burlar uma dieta restritiva e vez ou outra tomar um sorvete; o segundo nos segura de soltar aquela piada infame, já na pontinha da língua, durante uma reunião de trabalho. O segredo de conduta está em reconhecer o momento de cada coisa, o que denota amadurecimento emocional, algo nem sempre presente na vida condominial.
Mari explica que ao contrário do adulto, a criança pequena está em contato com o novo a todo instante e ainda não desenvolveu estrutura para tal, então ela berra, esperneia, exige ser atendida. A falta de estrutura faz também com que, mesmo sabendo que existem regras (horário de comer, dormir, escovar os dentes), a criança precisa de alguém dizendo para ela executar essas atividades até que consiga ter autonomia. “É o caso da pessoa adulta que decide morar em condomínio e não consegue seguir regras. Aí comete infrações, o síndico conversa com ela, não adianta. Daí notifica, multa, mas ela ainda insiste que não sabia, fala que deveria ter sido avisada de que seria multada, enfim, quer se esquivar de todas as maneiras. Aliás, a frase que mais ouvimos em condomínio é: ‘eu não recebi nada, ninguém me avisou’”, diz Mari, ressalvando que mesmo em face à infantilização, as normas e convenções têm de prevalecer.
Pirraça e teimosia
O síndico profissional Carlos Miranda abraçou a sindicatura dez anos atrás, quando os filhos, Matheus e Thomas, eram crianças, e conta que imediatamente identificou semelhanças no comportamento dos meninos e dos condôminos. “Eu via situações de briga, disputa, teimosia, coisas típicas da infância, acontecendo nos condomínios”, relata, citando moradores que se recusavam a diminuir o volume da música, sem compadecerem de vizinhos idosos ou com recém-nascidos em casa, ou se negavam a endireitar o carro na garagem de modo que não avançasse sobre a vaga do lado. “Em ambas as circunstâncias, quando confrontados esses moradores diziam algo como ‘o problema não é meu’, numa absoluta falta de empatia e maturidade”. Outro tipo de infantilização comum em condomínios, observa Carlos, é ‘a criança crescida’ que testa limites. Durante a gestão de um condomínio, ele se deparou com um marmanjo de 35 anos, que morava sozinho, reclamava de tudo, e enviava mensagens e e-mails incessantemente. “Eu perdia horas com os e-mails, mas deixar de respondê-los seria como oferecer munição para que o morador me atingisse”. Segundo Carlos, essa pessoa exigia resolução imediata para qualquer intercorrência. “Eu tenho por hábito nos meus condomínios responder de imediato as mensagens e manter uma boa relação com os moradores, o que geralmente funciona muito bem na gestão. Com esse morador, nada funcionou. Eu explicava que nem sempre uma prestadora conseguia resolver um problema de imediato, precisava de tempo hábil para isso, mas não adiantava”, completa o síndico. A gota d’água foi quando o condômino passou a distorcer as explicações do síndico em grupos de moradores, insinuando inaptidão da parte do gestor. “Como esgotei todos os meus recursos, tive de recorrer à mãe dele, que morava em outra unidade e era uma pessoa sensata. Ela puxou a orelha do filho, o que amenizou a situação das cobranças descabidas”.
Infantilização desmedida
Para a assessora condominial Vânia Reis, que dirige e leciona em escola de sindicatura, a analogia de condomínios e creches é bastante apropriada. “O que não falta em condomínio é infantilização. Tem o birrento, o teimoso, o reclamão. Este, se não tiver do que reclamar, joga uma bolinha de algodão no corredor e fica observando em quantos dias a faxineira irá recolher. Até fotografa a bolinha dia após dia para provar que constatou uma falha na equipe de limpeza”, ilustra Vânia.
A versão condominial da criança sabichona é outro tipo presente em condomínios. “É o doutor sabe tudo, aquele que tem opinião sobre tudo e se porta com arrogância. Noutro extremo, tem o condômino passivo, que se assemelha àquela criança caladinha da creche, que ao chegar em casa mente: ‘mãe, ninguém me deu nada pra comer hoje’. A professora nunca sabe o que vai sair da boca daquela pessoa calada; o síndico, também”, compara.
Mais um comportamento infantil pode ser visto na ‘turminha do sim’ dos condomínios. “Assim como existe a turma do não, há a turma do sim, composta de condôminos que encorajam o síndico em suas ideias, demonstram entusiasmo, mas na hora da assembleia, em público, decidem se abster de votar para não ficar mal com os demais. Essa atitude lembra a de crianças que ensaiam animadamente para a festa junina, durante meses, mas no dia da apresentação desistem de dançar a quadrilha e pedem em casa para faltar na escola”.
Estratégias de convivência
A fim de que o síndico possa conviver melhor com a creche dos adultos, Vânia recomenda investir massivamente em comunicação clara e ágil; manter bom relacionamento nos condomínios; e usar palavras estratégicas para conseguir dialogar com os vários ‘tipos de crianças’. “Com o doutor sabe tudo, por exemplo, é preciso ressaltar que a opinião dele é muito bem-vinda, porque tudo o que ele quer é ser ouvido, mas vale esclarecer que cada condomínio tem um público diferente e será preciso considerar, portanto, se a ideia, muito valiosa, que ele deu, vai ao encontro daquela coletividade”, ensina Vânia.
Um gestor nunca pode sucumbir ao jeito explosivo ou egoísta das ‘crianças da creche’ por temer confrontá-las. “O síndico precisa ter o poder de aplicar uma multa para corrigir o infrator, que muitas vezes só vai mudar de postura quando sentir no bolso, mas esse deve ser o último caminho”, diz o advogado condominialista Rodrigo Karpat. Ele destaca que o síndico tem um papel crucial de orientar o condômino com base no regimento interno e na convenção, mas sempre com muito cuidado. “Nós temos problemas causados também por gestores que muitas vezes extrapolam no tratamento, não conhecem os seus limites, podendo prejudicar ainda mais uma situação que requer justamente um síndico ponderado para equilibrá-la. Um gestor habilitado para efetuar as correções e aplicação das multas sem criar atritos é essencial para o convívio harmônico do condomínio”, finaliza.
Matéria publicada na edição 297 fev/24 da Revista Direcional Condomínios
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