Condômino antissocial e a aplicação das sanções previstas

O síndico tem à sua disposição meios de coibir o condômino infrator, podendo até mesmo se valer do Judiciário para a cobrança das multas, além das cotas condominiais.

Dispõe o Código Civil acerca do condômino antissocial:

“Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de 3/4 (três quartos) dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao 5x (quíntuplo) do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.

Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao 10x (décuplo) do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia”.

O condômino antissocial é uma pessoa em perfeitas condições intelectuais, consciente de todos os atos que pratica. É o seu comportamento que torna insuportável a convivência com os demais condôminos. Cita-se, como exemplo, o caso do condômino que realiza festas em seu apartamento todos os dias da semana, sem se preocupar com o barulho, incomodando os vizinhos. Mesmo que receba várias multas, continuará abusando de seus direitos como proprietário. Atitude esta incompatível com as normas condominiais.

Logo, o condômino “barulhento” está em perfeitas condições intelectuais, não há qualquer patologia psicológica, ao contrário, ele sabe exatamente o que está fazendo.

Pois bem. Como aplicar a multa prevista no art. 1.337 do Código Civil ao condômino antissocial?

Inicialmente, o síndico deve aplicar uma advertência e, posteriormente, a multa prevista na convenção ou regimento interno, no intuito de fazer cumprir as normas do condomínio, sem causar prejuízo ao sossego dos demais condôminos.

Porém, mesmo aplicando a multa, se o condômino antissocial continuar causando problemas à paz condominial, o síndico deve tentar aplicar a multa máxima de 5 (cinco) contas, todavia, deverá antes convocar assembleia para aprovar tal medida, com a deliberação (votação) de 3/4 (três quartos) de “todos” os demais condôminos da edificação, excluído, obviamente, o voto do condômino infrator.

Em sendo aplicada a multa de 5 (cinco) cotas e, ainda assim, persistindo o condômino infrator nas mesmas condutadas prejudiciais (comportamento reiterado), bem como agravando a situação no condomínio, o síndico poderá aplicar a multa de 10 (dez) cotas e, logo em seguida, convocar a assembleia para deliberar pelo mesmo quórum (3/4) ratificando a sanção.

Repare que na multa calculada pelo quíntuplo, a deliberação da assembleia deve anteceder a aplicação da multa, ao passo que na multa correspondente ao décuplo, o procedimento é inverso, aplica-se a multa e depois convoca-se assembleia para ratificá-la.

Contudo, o quórum qualificado de 3/4 (três quartos) é exigido em ambos os casos, o que se torna uma enorme dificuldade, dependendo da quantidade de unidades no condomínio. Exemplificando, um condomínio com 100 (cem) unidades, 3/4 (três quartos) correspondem a 75 (setenta e cinco) condôminos que deverão votar pela aplicação da multa, excluído o voto do infrator.

Percebe-se que o legislador foi infeliz ao estipular um quórum de votação tão elevado para a aplicação de uma multa ao condômino antissocial, muitas vezes, inalcançável diante do desinteresse dos condôminos em participarem das assembleias.

O síndico deve tentar realizar a aplicação das multas previstas na convenção e ir aumentando na medida em que o prejuízo causado pelo infrator se agrava (aplicar a multa de 5 e depois de 10 cotas). Por último, não surtindo o resultado esperado, poderá promover ação judicial para que o juiz possa “majorar” essa multa, de modo que o condômino não mais repita sua atitude reprovável no condomínio, ou seja, o juiz pode fixar uma multa maior que a prevista na própria convenção, no intuito de dar efetividade para a sua decisão. Logo, não há limites para a fixação da multa pelo juiz. Melhor dizer, o limite será o patrimônio do devedor.

Dessa maneira, o síndico tem à sua disposição meios de coibir o condômino infrator, podendo até mesmo se valer do Judiciário para a cobrança das multas, além das cotas condominiais.

Mas se o condômino antissocial for uma pessoa com muitos recursos financeiros? Não se importando com as multas fixadas na Justiça?

Nos casos mais prejudicais, deve-se promover uma medida judicial que determine o afastamento do condômino antissocial, caso torne impossível a convivência com os demais condôminos e as multas, ainda que majoradas, não estejam surtindo o efeito desejado.

A aplicação gradativa das multas e até mesmo a pena de expulsão do condômino antissocial são medidas extremas e que ainda não foram disciplinadas pelo legislador brasileiro, como esclarece João Batista Lopes, in verbis:

“O ingresso do condômino no edifício de apartamentos não depende de prévia seleção, não exigindo a lei a observância de quaisquer formalidades ou requisitos particulares. Em decorrência disso, vê-se o condomínio, frequentemente, invadido por pessoas de comportamento censurável, quando não insuportável, cuja presença no edifício constitui sério entrave à tranquilidade da coletividade de condôminos. Não dispõe nosso ordenamento jurídico de instrumentos eficazes para banir do edifício pessoas desse jaez. (…) Não há previsão de despejo compulsório do condômino que apresente comportamento incompatível. (Apelação Cível 112.574-4/5 – Campinas, j. 09.05.2000]. Na Argentina, por exemplo, admite-se o sequestro, pelo prazo de vinte dias, dos apartamentos cujos titulares procedam de forma nociva [Lei 13.512/1948, art. 15). No Uruguai, a lei autoriza o ‘despejo´ dos ocupantes nocivos (Lei 10.751/1964, art. 11). (…) O novo Código Civil prevê a punição dos condôminos nocivos com a imposição de pesadas multas, mas não a expulsão”. (Publicado em “Condomínio”. 9ª. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 2006, págs. 157/158)

Em que pese nossa legislação não autorizar, expressamente, a expulsão do condômino perturbador, com a perda da propriedade; é possível cogitar, ao menos, sobre uma condenação para determinar que o condômino se mude para outro local, permanecendo com a propriedade em seu poder, podendo, por exemplo, alugá-la a terceiros.
Nesse sentido, vale citar J. Nascimento Franco:

“O legislador não quis enfrentar o problema e determinar o afastamento do condômino cujo comportamento se revela incompatível com a boa convivência condominial, temeroso de ferir o direito de propriedade. Rigoroso em outros pontos, o legislador foi muito tímido ao regular a utilização do apartamento da porta para dentro. Contudo, para os abusos reiterados a punição eficaz é a exclusão definitiva do condômino ou, pelo menos, com condenação de mudar-se para outro local, pois não é justo que o edifício seja afetado em seu bom nome e seus moradores forçados a suportar a presença de alguém cujo mau comportamento seja incompatível com a moralidade e os bons costumes”. E assim arremata com maestria o saudoso jurista: “O preceito constitucional que assegura o direito de propriedade não conflitará com a lei ordinária que prescreve a interdição temporária do uso, ou a alienação compulsória do apartamento cujo titular cause intranquilidade à vida condominial. Isso porque aquele direito tem de ser exercido visando o bem-estar social, nunca para prejudicá-lo na sua realização prática”. (Publicado em “Condomínio”. 5ª ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005, págs. 246/247)

Vale citar alguns julgados proibindo a expulsão dos condôminos antissociais, diante da ausência de previsão legal, mantendo apenas a aplicação de multas (10 vezes).
Porém, existe outro entendimento no sentido de que é possível a “proibição ao uso do imóvel” impondo uma “medida restritiva de direito”, determinado que num determinado período o condômino não more no condomínio ou alugue o próprio imóvel para terceiros.
Quer dizer, o condômino não perde a sua titularidade sobre o imóvel (direito de propriedade), continua sendo o dono do imóvel, porém, a sua posse direta é condicionada ou mitigada, evitando prejuízos maiores ao sossego daquela comunidade condominial, prestigiando os interesses coletivos dos demais condôminos prejudicados (art. 1.336, IV CC) e também prestigiando o outro princípio constitucional da função social da propriedade, (art. 5º, CF/88, inciso XXIII) em consonância com os direitos de vizinhança (art. 1.277, Código Civil).

Proibindo a expulsão

Seguem:

“Ação de obrigação de fazer – Expulsão de condômino por comportamento antissocial – moradora interditada que sofre de transtorno maníaco-depressivo (bipolar) – direito fundamental à propriedade – ausência de previsão legal para expulsão – observância do disposto no ART. 1.337, do Código Civil 1 – O desfecho dessa querela passa, invariavelmente, pelo sopesamento entre o direito fundamental à propriedade (CF, art. 5º, caput, e XXII) e a função social da propriedade (CF, art. 5º, XXIII). É certo que a função social visa coibir eventuais abusos de direito pelo proprietário do imóvel, ou de quem exerce a posse direta do imóvel, como é o presente caso. Entretanto, sua aplicação não pode dar azo à aplicação de sanções que não estejam previstas na legislação pátria. Nesse sentido, ainda que se considere incontroversa a conduta antissocial da apelada, não há como julgar procedentes as pretensões veiculadas pelo condomínio por meio da presente ação, por ausência de previsão legal; 2 – O legislador já estipulou a sanção cabível (multa pecuniária) para o caso narrado pelo apelante (CC, art. 1.337, parágrafo único), de maneira que o Judiciário não possa extrapolá-lo. Verifica-se a prevalência, nessa hipótese, do direito fundamental à propriedade, restando ao condomínio a aplicação de multas que visem coagir o condômino problemático a cessar com o comportamento nocivo. RECURSO IMPROVIDO (TJSP; Apelação Cível 1023982-32.2014.8.26.0100; Relator (a): Maria Lúcia Pizzotti; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 13ª Vara Cível; Data do Julgamento: 31/07/2019; Data de Registro: 01/08/2019)”.

“Condomínio Edilício. Exclusão de condômino de personalidade antissocial. Sentença que decide pela impossibilidade de aplicação dessa sanção gravosa, ao fundamento de que não possui previsão no Código Civil Brasileiro. Omissão do legislador que, por si só, não veda a dedução da pretensão em juízo. Necessidade de produção de prova oral para o correto desate da lide. Sentença anulada. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1002457-23.2016.8.26.0100; Relator (a): Maria de Lourdes Lopez Gil; Órgão Julgador: 38ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Foro Central Cível – 16ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/08/2018; Data de Registro: 29/08/2018)”.

Autorizando a expulsão

Seguem:

“Ação de exclusão de condômino antissocial. tutela antecipada, deferimento. possibilidade. Verossimilhança dos fatos alegados, tendo em vista que o agravado comprova, de forma inequívoca, o comportamento antissocial do demandado a impedir a convivência pacífica com os demais moradores. Receio de dano irreparável ou de difícil reparação, uma vez que a permanência do réu no condomínio coloca em risco à segurança e à integridade dos demais moradores. Manutenção da decisão que deferiu a tutela antecipada de exclusão do condômino, nos termos do art. 273, I, do CPC. Negaram seguimento ao recurso, por decisão monocrática (TJ-RS. Agravo de Instrumento nº 70065533911, Décima Oitava Câmara Cível. Relator: Nelson José Gonzaga, j. 13.08.2015)”.

“Condomínio condômino antissocial exclusão possibilidade. Requerida mantém grande acúmulo de sujeira em prédio de apartamentos com risco de incêndio – sentença de extinção, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil Sanções pecuniárias do art. 1.337 do Código Civil não esgotam as providências para fazer cessar a conduta ilícita do condômino Requerida utiliza da propriedade de maneira nociva aos demais condôminos Possibilidade de imposição de obrigação de não utilizar o imóvel RECURSO DO AUTOR PROVIDO, para julgar procedente a ação, vedando a Requerida de fazer uso direto do imóvel, com a desocupação em 60 dias (imóvel limpo e higienizado), sob pena de execução, arcando a Requerida comas custas e despesas processuais e honorários advocatícios dos patronos do Autor (fixados em R$ 7.000,00), além da multa de 1% do valor da causa (a que foi atribuído o valor de R$ 10.000,00) e de indenização de 20% do valor da causa, em decorrência da litigância de má-fé” (TJ-SP. Apelação nº 0003122-32.2010.8.26.0079, Rel. Des. Flavio Abramovici, 2ª Câmara de Direito Privado, j. 27/08/2013)”.

Em se tratando de inquilino, o síndico deverá solicitar providencias do proprietário ou locador, exigindo que tome medidas diante o seu inquilino, podendo o locador promover, eventualmente, ação de despejo por infração do inquilino às normas condominiais (conf. Art. 23, X, da Lei de Locações nº 8.245/91).

Cumpre ponderar que as pessoas detentoras de distúrbios psíquicos (absolutamente incapazes), necessitam de tratamento médico e cuidados específicos, autorizando-se a propositura de uma ação de interdição judicial, promovida pelos responsáveis do tutor ou curatelado, não sendo o caso de expulsão ou aplicação de multas, mas sim de tratamento médico, como dispõe o Código Civil, conforme artigos a seguir:

“Art. 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos”.

“Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela: I – aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil; (…) III – os deficientes mentais (…); IV – os excepcionais sem completo desenvolvimento mental”;

“Art. 1.768. A interdição deve ser promovida: I – pelos pais ou tutores; II – pelo cônjuge, ou por qualquer parente; III – pelo Ministério Público”.

O absolutamente incapaz deve ser representado nos atos da vida civil, por seus pais, tutores ou curadores. Pois, os atos praticados pelos incapazes são nulos. Todavia, a responsabilidade civil deve ser alcançada perante o seu representante legal.

O Código Civil autoriza a responsabilização pela reparação civil aos pais pelos filhos menores, aos tutores pelos pupilos e aos curadores perante os curatelados:

“Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições”.

Infelizmente, muitas pessoas com problemas de saúde (física ou mental) vivem numa situação de abandono, principalmente por parte de seus próprios familiares, os quais, não tomam qualquer providência para evitar o sofrimento do seu ente querido, preferindo, simplesmente, transferir o “problema” – com o perdão da palavra – para outras pessoas que não possuem qualquer responsabilidade, como é o caso do síndico no condomínio.

Havendo indícios de maus tratos ou abandono de incapaz por parte dos responsáveis legais do condômino, o síndico, assim como qualquer condômino, poderá informar às autoridades competentes para que tomem às providências necessárias contra o responsável omisso, preservando a saúde do inimputável.

Portanto, sendo este último o caso do condômino recomendamos que ao invés da aplicação da multa pecuniária, o síndico cobre dos familiares ou responsáveis pelo condômino em situação de prejuízos mentais, que adotem às medidas necessárias para preservar a saúde daquele. E caso sejam constatados “maus-tratos”, poderá o síndico, como qualquer outro condômino que se sentir lesado, acionar as autoridades públicas responsáveis.


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Autor

  • Alexandre Callé

    Alexandre Callé Advogado Especializado em condomínios e loteamentos. Sócio fundador do Escritório de Advocacia Callé. Foi Assessor Jurídico do Secovi-SP (Sindicato da Habitação). Palestrante, professor e articulista em jornais, sites e revistas especializadas.

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