Condômino antissocial: saiba como agir

Todo prédio possui um morador que reclama de tudo e desrespeita regras básicas de civilidade. Ele tanto conturba a vida do síndico quanto a dos vizinhos. A busca do diálogo é sempre o primeiro recurso a ser usado nessas situações, mas às vezes só a lei pode dar jeito a um “criador contumaz de problemas”.

Casos de racismo, bullying, consumo excessivo de drogas lícitas e ilícitas, barulho, bitucas de cigarro e objetos atirados das janelas, agressões verbais e físicas, e até prostituição em condomínios ganham destaque eventual na mídia, conferindo notoriedade a muitas situações conhecidas dos síndicos e que, segundo o Código Civil brasileiro, podem ser atribuídas ao condômino antissocial. Este se caracteriza, conforme descreve o Art. 1.337, como a pessoa que “não cumpre reiteradamente seus deveres perante o condomínio” ou, pior, gera “incompatibilidade de convivência com os demais condôminos”.

A boa notícia é que o próprio condomínio, com votos de três quartos de seus possuidores, pode aplicar multas ao infrator que somam de cinco a dez vezes o valor da taxa de rateio. O problema é que existem pessoas incorrigíveis mesmo diante do prejuízo. O síndico profissional Waldemar Tubor, que atua em nove empreendimentos, seis deles residenciais, observa que “a multa funciona se pesar no bolso”. Caso contrário, há “indivíduos com poder social, político e econômico que acham que estão acima das regras”. Aí é preciso “entrar com ação, porque decisão judicial eles têm que seguir”. Em outros casos, vale um pouco da astúcia, como em um condomínio em que havia suspeita de prostituição. Ali, afirma, simulou-se um encontro para flagrar a irregularidade. Waldemar relata ainda dois casos recentes de agressão nos condomínios em que atua, os quais geraram ação judicial além da aplicação de multas (o primeiro em R$ 17 mil). Ambos os agressores mudaram-se dos imóveis que ocupavam. O primeiro se envolveu com o uso indevido de vaga de garagem e partiu para cima do reclamante; o outro, contrariado com o síndico, quebrou-lhe três costelas.

De acordo com a psicóloga Marina Vasconcellos, especializada em terapia de casal e família e em mediação de conflitos, existem de fato “pessoas que não têm o espírito de conviver em sociedade, só olham para o próprio umbigo”. “É o criador contumaz de problemas, alguém não permeável ao diálogo e que, por qualquer motivo, abre um processo.” Marina reside em um condomínio da zona Oeste de São Paulo e observa duas naturezas mais comuns de conflitos nesse tipo de ambiente:

 Aqueles causados por mal-entendidos, passíveis de solução pelo diálogo e a mediação – a qual depende de que “as partes estejam dispostas a conversar”;

B – Os que têm origem no “morador problema”. “Ele está sempre insatisfeito e é capaz de processar o síndico diante de qualquer contrariedade ou adversidade. Em geral, se indispõe com vizinhos, funcionários e gestores do prédio. Não se abre ao diálogo, nem possui interesse em ouvir ou se colocar no lugar do outro.”

A psicóloga identifica um verdadeiro paradoxo na vida atual em condomínio: o coletivo se une ao compartilhar momentos de lazer, entretenimento e diversão; no entanto, a pré-disposição se desfaz quando deveres, sacrifícios e obrigações entram em jogo. Afora essa questão de fundo, Marina descreve as principais causas de conflitos em condomínios:

1 – Ausência da educação de base em algumas pessoas;

2 – Problemas criados por personalidades egoístas e/ou egocêntricas, ou mesmo indivíduos portadores de problemas mais sérios, como transtornos de psicopatia, por exemplo – “estes são muito resistentes a limites e normas”;

3 – Herança cultural: pré-disposição a realçar o erro, a ameaçar e a partir para a briga antes de qualquer outro comportamento;

4 – Administração local sem hábito, disponibilidade ou interesse em promover o diálogo entre os condôminos.

A especialista defende que se busque, sempre em primeiro lugar, a conversa e a resolução pacífica dos conflitos. Mas reconhece que pessoas com transtornos de personalidade dificilmente aceitam mudar sua posição, restando aos demais condôminos decidirem pela aplicação da lei. Por outro lado, Marina destaca a urgência de que os indivíduos, de forma geral, comecem a sair de seu mundo particular e ajam coletivamente. A crise atual da água seria uma boa oportunidade para que todos se conscientizassem da necessidade de mudar hábitos em nome do todo, acredita. “É preciso colocar em prática a empatia, o que representa se colocar no lugar do outro. A vida em sociedade exige que se faça esse tipo de exercício.”

EVENTOS COLETIVOS, UM ANTÍDOTO

A síndica profissional Ana Josefa Severino desenvolveu expertise na promoção de espaços e eventos de participação coletiva de moradores e funcionários, caso do Piazza Di Toscana, condomínio localizado na zona Leste de São Paulo onde morou até o final do ano passado. Foram pouco mais de dez anos de sindicância no empreendimento de cinco torres e 168 unidades, quando criou o Espaço Mulher e desenvolveu uma cultura de confraternizações, aproveitando datas comemorativas como Carnaval, Páscoa, Dia das Mães, Dia das Crianças e Natal.

“Os eventos coletivos se propõem a gerar união entre os moradores, estreitando os laços e ajudando a criar uma identificação com o lugar, seus espaços, normas e pessoas. A estratégia fomenta um ambiente de respeito mútuo, não apenas entre os condôminos, mas desses para com os funcionários. É caminho também para disseminarmos de forma natural um cuidado maior com o patrimônio.” Atualmente, Ana Josefa é síndica do Condomínio Plaza Athenee, em São Caetano do Sul, o terceiro que implanta. Mas quando o diálogo se torna insuficiente para a resolução de um conflito, a síndica não tem dúvida, recorre com firmeza à Convenção interna e ao Código Civil, fazendo valer seus dispositivos.

EXCLUSÃO DE CONDÔMINO ANTISSOCIAL, ALTERNATIVA VIÁVEL?

Decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo proferida há três anos confirmou sentença de juiz da cidade de Jundiaí, que acatou pedido de condomínio e proibiu uma proprietária de residir ou mesmo entrar no local, em face de atitudes reiteradas de violência praticadas contra a síndica e vizinhos. A medida encontra amparo na legislação brasileira, avalia o advogado Antonio Artêncio Filho (Foto acima). Por exemplo, “no novo Código Civil brasileiro, o direito de propriedade sofreu limitações em razão da lei, de princípios e da própria vontade do proprietário, e, ainda mais importante, pela função social que veio justamente a limitá-lo.” Antonio Artêncio é autor de estudo sobre o assunto, disponibilizado aos leitores da Direcional Condomínios

O advogado reconhece que a exclusão é solução extrema, e está longe de figurar entre as primeiras opções dos síndicos. “Têm que ser dadas todas as possibilidades legais de defesa ao condômino, ele não pode ser ofendido em seus direitos, mas se permanecer com comportamento reiterado mesmo depois de aplicadas multas, a medida se justifica.” O advogado defende ainda que o síndico evite se envolver pessoalmente com os conflitos, “ele não é xerife”. “Caso contrário ele perde a condição de resolvê-los pacificamente. O síndico precisa sempre se respaldar nas normas, procurando o diálogo e aplicando o estatuto do condomínio.”

EXPULSÃO: HÁ CONTROVÉRSIAS

Os advogados Lino Araujo, Sergio Jafet, Cristiano De Souza Oliveira e Michel Rosenthal Wagner (Na foto, da esq. p/ a dir.) estiveram reunidos no final de maio na Casa do Advogado de Pinheiros, em São Paulo, para falar sobre “Direito de Vizinhança e Direito Condominial”. Em relação aos condôminos antissociais, Cristiano De Souza propõe “que se passe por todas as etapas para a solução do conflito, como o diálogo, a conscientização e a penalização administrativa, para aí sim, em último momento, recorrer-se ao Judiciário”. A exclusão não pode ferir o direito de propriedade (de domínio do imóvel), porém, limitar a posse (o uso), observa.

O advogado Sérgio Jafet defende, porém, a aplicação de multas e até ação penal (se houver crime) como alternativas à exclusão, “pois esta fere o direito de propriedade”. Lino Araujo, por sua vez, recomenda a mediação associada a certos instrumentos punitivos (as multas) como forma de “enquadrar o morador nas normas do condomínio”. Já para Michel R. Wagner, a mediação entra sempre como bom recurso aos síndicos, entretanto, o advogado não descarta a exclusão e mesmo “auto-exclusão”: “Não é legal viver em uma comunidade em que ninguém ou quase ninguém gosta de você!”, justifica.

Os advogados aproveitaram o evento em Pinheiros para relançarem suas respectivas obras, livros da área de condomínios (Leia mais em http://bit.ly/1GEZPPx).

Matéria publicada na edição – 203 de jul/2015 da Revista Direcional Condomínios

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