A pandemia trouxe novos desafios tanto para os síndicos quanto para os condôminos.
É uma fase difícil em vários aspectos, pois envolve perdas de entes queridos, situação financeira em queda livre, desemprego, mudança radical do cotidiano e muito mais. A pandemia da Covid-19 gera uma sensação de incerteza que leva a manifestações de doenças que muitos não sabiam que tinham. De outro lado, moradores de condomínios, onde há regras a serem respeitadas e cumpridas, se manifestam de forma hostil com vizinhos, funcionários e até mesmo dentro da sua própria unidade.
Mediante esse quadro, o papel do síndico e, principalmente, dos funcionários do condomínio fica ainda mais delicado, pelo fato de serem uma fonte de recepção de problemas, tendo que lidar com um grau de estresse muito grande, onde o respeito em geral é deixado de lado.
A mídia tem noticiado diferentes casos de agressões em condomínios motivadas pelo estresse elevado, racismo escancarado etc. A intolerância e a falta de respeito muitas vezes só são contidas com a intervenção da força policial, porém, isso gera traumas na coletividade e afeta a imagem do condomínio. Como, então, lidar e solucionar essas questões?
Ameaças, troca de ofensas entre moradores, síndico e colaboradores só levam o condomínio a uma depreciação física e financeira irreparável. Mas para tentar achar e seguir uma estratégia onde possamos minimizar o estresse dessas ocorrências, busquei orientação junto a profissionais da área da saúde, do direito e até mesmo do controle de acesso. Neste texto, compartilho algumas das reflexões que coletei.
A busca do “culpado” pelos acontecimentos
O depoimento a seguir é da psicóloga clínica Cândida Rodrigues Teixeira, graduada pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e com formação em psicologia junguiana pela Opus Psicologia e Educação:
“Parece que nos acostumamos a encontrar sempre um culpado pelos acontecimentos, como se assim nos desobrigássemos a nos responsabilizar pelas nossas escolhas. Dessa maneira, a pandemia tem se prestado a esse papel, é o algoz e causador de todas as mazelas que estamos vivendo. Incluídas aí as questões de saúde mental, como depressão, síndrome do pânico, transtornos de ansiedade etc. Mas a pandemia não causou em si nada que já não estivesse de alguma maneira estabelecido ou anunciado. É um acontecimento que apenas nos coloca em um modelo de existência que proporcionou o acirramento de aspectos que já existiam ou serviu de gatilho para outros que estavam latentes.
Entendo que dois fatores contribuem para isso: Nunca estivemos tão privados de nossa autonomia e/ou tivemos que lidar com tantas frustrações.
No âmbito da vida em condomínio, a primeira se deu pela proibição/restrição de uso dos espaços públicos e, a segunda, por conta da intolerância por ter que conviver mais com aqueles que só ‘dormiam’ no mesmo prédio ou que encontrávamos apenas na entrada ou saída da garagem.
Agora a vida se dá quase diuturna e completamente neste espaço. E aí aparecem todas as pequenas infrações que, por conta da frequência e quantidade, acabam se transformando em conflito altamente carregado de emoções. É o cachorro que late, a criança que grita, a reforma sem fim, o som alto ou a criança que chora. Todos incômodos verdadeiros e legítimos.
Como fazer então para não perder a cabeça e ter reações das quais podemos nos arrepender depois? Entendo que a única saída é o exercício da empatia e da comunicação. Nunca deixar de tentar entender o ponto de vista do outro e nem de se fazer compreender. Assim conseguiremos ultrapassar esse momento com civilidade. É hora de cada um e todos nós sermos solidários e sensíveis ao outro. É só uma questão de escolha.”
“Quem deseja morar em um condomínio entregue às ‘fake news’ e às fofocas que criam inimizades?”
Na sequência, reproduzimos o depoimento do advogado José Roberto Comodo Filho, também graduado pela USP em São Paulo, com pós-graduação em contratos e responsabilidade civil pela mesma Universidade, e atuante, entre outros, em gestão de crise para condomínios e empresas:
“Quando olhamos para um condomínio, devemos ter em mente que ele é um organismo ‘vivo’, que possui personalidade jurídica, é capaz de assumir compromissos e, neste contexto, pode sofrer e causar danos. Em tempos de pandemia, quando os condôminos precisaram ficar longos períodos em suas unidades e impedidos de utilizar as áreas comuns para lazer e recreação, tornou-se bastante comum nos depararmos com situações de conflito desencadeadas por motivos muitas vezes banais – afinal todos (moradores, funcionários, visitantes e prestadores de serviços) estão com os nervos à flor da pele e qualquer palavra ou gesto pode desencadear discussões acaloradas e até agressões físicas.
O problema é que isso – discussões que podem ir de uma simples troca de xingamentos a um terrível homicídio – traz consequências mais ou menos graves para o condomínio; consequências estas que, normalmente, vêm na forma de prejuízo financeiro.
Quem decide morar em um condomínio sabe que precisará estar disposto a conviver com alguns problemas (obras e festas nos vizinhos que causarão barulhos em dias e horários inadequados, vazamentos em colunas, questões com garagens etc.) pensando em um bem maior (segurança, economia, localização). E cada vez mais as pessoas dispostas a morar em condomínio estão buscando informações – objetivas e subjetivas – que ajudem a compreender a dinâmica da vida naquele espaço, para decidir se vale ou não a pena ir para lá.
Ou seja: se determinado condomínio tiver problemas graves de convivência entre seus moradores, isso certamente se refletirá não apenas na forma de dificuldades na gestão (pois cada “grupinho” tentará fazer oposição ao síndico da vez), mas também na desvalorização das unidades autônomas, pois normalmente as pessoas fogem de ambientes tensos e hostis. Quem deseja morar em um condomínio que habitualmente recebe a visita da polícia para apartar brigas entre os moradores? Quem deseja morar em um condomínio entregue às ‘fake news’ e às fofocas que criam inimizades?
Mas a coisa pode ser muito pior! Imaginem um cenário no qual determinado funcionário do condomínio seja alvo de agressões verbais – ou até físicas – por parte dos moradores, ou vice-versa. Isso certamente irá acabar na Justiça, com o condomínio sendo obrigado a indenizar o trabalhador ou mesmo algum condômino. Não é difícil imaginarmos uma demanda cível ou trabalhista envolvendo um pedido de compensação por danos morais de algumas dezenas de milhares de reais. Obviamente, a existência de processos deste tipo contra o condomínio irá denegrir a sua imagem no mercado e levar à desvalorização do imóvel como um todo. Quem compraria um imóvel sabendo que poderia ser chamado a participar de um rateio extra para pagar uma condenação por danos morais causados a um funcionário ou morador?
Se formos para um exemplo mais extremo, é fácil imaginar o quanto se desvaloriza um condomínio que tenha sido cenário de algum crime terrível ou de algum suicídio – daqueles que são mostrados em todos os canais de televisão e cujas imagens circulam em grupos de WhatsApp.
Um condomínio – seja residencial, seja comercial – deve ser um lugar de convívio harmonioso, respeitoso e ético. O ideal é que todos zelem pela segurança (física, emocional e financeira) de todos. O ideal é que todas as decisões sejam tomadas de forma racional, tendo como objetivo o bem comum – ou seja, a tranquilidade de todos, a valorização do imóvel e a criação de um ambiente onde todos desejem morar e onde os trabalhadores se sintam acolhidos, para que também eles possam contribuir para o sucesso do condomínio.”
Preparação especial de funcionários
Também fomos ouvir o empresário Manoel Wilson da Fonseca, da área de segurança, que administra, entre outros, equipes de controle de acesso em condomínios. Segundo ele, “desde o início da pandemia e, em especial nos últimos 3 meses, houve aumento significativo nos casos de assédio moral contra funcionários e desinteligência entre condôminos, na maioria das vezes por intolerância ou motivos fúteis e, em alguns casos, chegando às vias de fato”.
Por isso, ele diz que a empresa criou um “comitê de crise”, formado pelas diretorias e gerências, as quais definiram “um protocolo de atendimento tanto para casos de contaminação quanto para o atendimento de ocorrências envolvendo pessoas”. “Entendíamos que a quarentena traria um cenário onde as pessoas, fechadas em suas residências, poderiam ter alterações comportamentais. E como os profissionais de segurança e serviços estão diretamente ligados a esse cotidiano, produzimos material audiovisual, palestras e treinamentos on-line, de forma que pudéssemos preparar as equipes para atuarem frente a estas novas demandas. Disponibilizamos também apoio médico/psicológico para acompanhar o estado de saúde física e mental de todos e o suporte jurídico para casos mais graves. Entendemos que se trata de uma situação transitória, porém, os profissionais que lidam com atendimento de pessoas, em especial nos condomínios, precisam ser treinados e preparados para esta realidade, que mesmo transitória necessita de tratativas e atendimento especializado. Também temos que cuidar do apoio psicológico destes profissionais, uma vez que, estando na linha de frente, eles absorvem os maiores impactos desta nova realidade.”
Enfim, a pandemia do novo Coronavírus tem gerado um período de muita reflexão e aprendizado, notadamente para os síndicos. É fundamental que, antes de tomarmos qualquer decisão, sempre no sentido assertivo de buscar resolver os problemas e não alimentar os conflitos, mantenhamos o diálogo com o corpo diretivo e demais moradores, preservando a harmonia do ambiente coletivo.
Não reproduza o conteúdo sem autorização do Grupo Direcional. Este site está protegido pela Lei de Direitos Autorais. (Lei 9610 de 19/02/1998), sua reprodução total ou parcial é proibida nos termos da Lei.