Convivência: As eternas brigas pelas vagas de garagem

As garagens são uma prova de fogo para a maioria dos síndicos. A valorização excessiva dos carros e a falta de bom senso costumam estar entre as causas de tantas discussões.

Garagens pequenas, vagas apertadas e insuficientes para o número de carros do prédio, famílias com um número cada vez maior de carros, veículos a cada dia maiores, falta de paciência, valorização extrema do automóvel. Pronto. Juntando todos esses elementos temos a equação perfeita que resulta numa convivência difícil, por vezes impossível, quando o assunto são as garagens dos condomínios. A síndica Ivelise Palomares conhece bem essa história. O prédio onde é síndica foi construído há 37 anos. As garagens, divididas entre o térreo e o primeiro subsolo, foram planejadas para 40 carros. “Porém, não cabem mais do que 38. Dois veículos têm que ficar na passagem”, diz. Nenhuma vaga é demarcada. O primeiro que chega vai estacionando e deixa a chave do carro na portaria. Os conflitos são cotidianos. É comum o morador que se recusa a deixar a chave com o porteiro, com receio de que os vizinhos estraguem seu veículo nas manobras. “Trancam o carro sabendo que estão atrapalhando o vizinho, mas não se importam. Telefonamos para o apartamento, interfonamos e, se o morador não atende, aconselho o vizinho prejudicado, que não consegue tirar seu carro, a tomar um táxi e enviar a conta para o condomínio. Cobro o táxi do morador que impediu o outro de sair, junto com uma multa”, comenta a síndica.

Prédios mais novos não estão isentos de sofrerem do mal da falta de vagas. Há processos contra construtoras de edifícios onde as vagas não condizem com o padrão da construção, ou que apresentam pilares que inviabilizam as manobras. “É nas áreas comuns dos condomínios que os vizinhos convivem. E é justamente nas garagens que esse circo pega fogo”, relata o advogado Michel Rosenthal Wagner, acostumado a discussões judiciais envolvendo esses espaços dos condomínios. “Recomendo que, ao comprar um apartamento, o interessado olhe com cuidado as condições das garagens. E, para as construtoras, que projetem garagens onde as pessoas tenham conforto ao estacionar”, justifica. 

O Código de Obras e Edificações de São Paulo – COE (Lei n. 11.228, de 25 de junho de 1992), regulamenta os estacionamentos de uso particular (de edificações residenciais unifamiliares), de uso privativo (de utilização exclusiva da população permanente da edificação) e uso coletivo (aberto à utilização da população permanente e flutuante da edificação). De acordo com o COE, os veículos de grande porte deverão ter 5% do total de vagas reservadas (a regra vale tanto para os estacionamentos privativos quanto para os coletivos). Sendo assim, se um empreendimento comporta 100 vagas no estacionamento, a distribuição deverá ser feita da seguinte forma: 50 vagas para veículos de pequeno porte, 45 vagas para veículos de médio porte e 5 vagas para veículos de grande porte. Vale lembrar que o tamanho das vagas também está definido na lei. Para veículos pequenos, a vaga deve medir 2,10 m de altura, por 2 m de largura e 4,20 m de comprimento. Para veículos médios, 2,10 m de altura, por 2,10 m de largura, por 4,70 m de comprimento. E veículos grandes exigem 2,30 m de altura, por 2,50 m de largura por 5,50 m de comprimento. Estacionamentos privativos com até 100 vagas devem definir 10% das vagas para motocicletas. E estacionamentos privativos com mais de 100 vagas devem contar com 1% delas para deficientes físicos, e 10% para motos. 

Se, porém, a realidade do condomínio está muito distante do que exige a lei, mais uma vez vale o bom senso para conseguir uma convivência harmoniosa entre os condôminos. “Quando se compra um apartamento com vagas indeterminadas e previsão de sorteio, faz parte do jogo ser sorteado e ficar com o mico, ou seja, uma vaga menor do que o carro. O recomendável é que esse morador troque a vaga com um vizinho que tenha um carro menor. Mais uma vez, vale a máxima que condomínios que têm boas relações internas são condomínios melhores para se viver”, constata o advogado. 

Mesmo em caso de condomínios com vagas demarcadas, é comum que o síndico enfrente discussões entre vizinhos, seja por estacionar mal, fora da demarcação, ou porque o carro é maior do que o espaço a ele destinado. Cabe ao síndico aplicar o regulamento interno, normalmente com advertência seguida de multa. Em casos excessivos, poderá ser votada em assembléia a multa de condômino nocivo, desde que aprovada por ¾ dos proprietários restantes, informa o advogado. Vale seguir rigidamente o regulamento interno do condomínio também no que diz respeito ao que pode ser colocado na vaga. “Normalmente, os regulamentos regem que desde que não atrapalhe a circulação, podem ser estacionados carros ou motos. O que não pode é achar que vaga é depósito de móveis, caixas ou entulho”, sustenta. Michel relata o caso de um condomínio que enfrentava problemas com um condômino que transformou sua vaga em estoque: o morador havia fechado sua loja e achou por bem deslocar todo o estoque da empresa para a vaga do veículo. “Nesse caso, há um agravamento de risco para efeito de seguro. Se houver um incêndio e a seguradora julgar que aquele material colocado na vaga foi um fator agravante do risco, o seguro não dará cobertura ao condomínio”, informa. 

Outra questão que pode causar discussões quando se trata de garagens é a locação e venda de vagas. Primeiro é preciso entender que existem três formas de enquadramento da propriedade das garagens: área pertencente às partes comuns; unidade autônoma vinculada na matrícula de registro do apartamento ou conjunto; e unidade autônoma com matrícula própria do registro de imóveis. “A locação e a alienação dos abrigos para veículos é condicionada à sua natureza jurídica, e de conformidade a essa classificação. Se área pertencente às partes comuns, não poderá ser objeto de transferência de domínio, mas tão somente de cessão de uso. Esta cessão poderá ser permanente, de modo que o cessionário passa a ter o direito de utilização de mais uma vaga em seu condomínio. Se o caso for de unidade autônoma vinculada do apartamento, sua transferência se dará de acordo com o disposto na legislação para a co-propriedade. Por último, tratando-se de unidade autônoma desvinculada do apartamento, é livre a alienação e locação”, orienta o advogado. 

Os artigos 1338 e 1339 do novo Código Civil regulam o tema. O artigo 1.338 apresenta a possibilidade de locação de abrigos de veículos a terceiros, porém trazendo expresso o direito de preferência, em iguais condições, a qualquer dos condôminos em relação a “estranhos”, e entre todos os possuidores. Quanto à possibilidade de alienação de garagens, apenas para o caso de unidade autônoma desvinculada do apartamento, o parágrafo 2º do artigo 1339 prevê a permissão ao condômino de alienar sua parte acessória a outro condômino, podendo inclusive fazê-lo a terceiros “estranhos”, desde que essa possibilidade conste da convenção e se não houver decisão contrária de assembléia. “Mesmo a lei permitindo a locação ou a venda das garagens, a assembléia é soberana para determinar algumas limitações a esse direito”, finaliza o advogado.


Matéria publicada na edição 128 set/08 da Revista Direcional Condomínios

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