Usar o hall social como área de lazer, pode? Não pode. Estacionar o carro ultrapassando os limites da vaga, pode? Não pode. Fazer barulho além das 22 horas, incomodando o vizinho, pode? Não pode. Deixar o cachorro fazer suas necessidades no jardim do condomínio, pode? Não pode.
Viver em condomínio não é fácil. Há uma lista extensa de deveres para os condôminos que muitas vezes nada mais são do que o exercício da boa educação. Quando estão dentro de casa, as pessoas costumam jogar papel ou bituca do cigarro no chão? Certamente não. O mesmo vale para as áreas comuns do prédio. Mas, o dia a dia dos síndicos e as principais queixas com as quais lidam têm mostrado que, infelizmente, boas maneiras não são regra na sociedade atual.
O resultado são brigas intermináveis e discussões entre vizinhos, ou aquelas envolvendo condôminos e o condomínio. Para o síndico, é primordial saber como e quando interferir. Flávio Ricciardi, síndico do condomínio Essenciale Vila Mariana, situado na zona Sul de São Paulo, não acredita em multas como forma de solucionar problemas. “O síndico não pode criar regras, tampouco fazer o prédio enriquecer com multas. Não é nossa função. Acredito que deve sempre prevalecer o bom senso, e para conviver todos precisam ceder um pouco. Se meu vizinho dá uma festa vez ou outra, temos que ser um pouco tolerantes”, acredita.
Antes do Essenciale, Flávio já fora síndico em outro condomínio durante nove anos e sabe que algumas vezes as reclamações são infundadas. Mas ele reconhece que é difícil para o síndico não se envolver com questões entre vizinhos. No condomínio atual, ele mesmo já chegou a reunir dois moradores que vivem às turras: o de baixo reclama do barulho excessivo fora do horário permitido, causado no apartamento de cima. “Não quero tomar partido de nenhum dos dois moradores. Pedi à condômina de cima que cooperasse, baixando o som da TV e tirando o sapato de salto durante a noite. Ela já foi inclusive multada pela administração anterior, mas admiti ao reclamante que o problema não iria acabar. Não acredito que apenas multas resolvam questões como essas.”
PLANTÕES DE ATENDIMENTO
Para Flávio, uma boa conversa, se possível intermediada por serviços profissionais de conciliação, é o procedimento mais indicado. Ele pondera que o papel do síndico é ouvir as queixas. Mas, recém-eleito, tomou algumas providências para que os problemas não invadam demais sua privacidade: “Criei um email do prédio e uma caixa de sugestões para conhecer os problemas. E marquei um horário às quartas-feiras à noite para atender aos condôminos no salão de festas. Os moradores devem entender que não se resolve problema de barulho, por exemplo, interfonando para o apartamento do síndico durante a madrugada.” A psicóloga Silvia Bedran concorda com o síndico Flávio: ouvir é importante, mas sem a pretensão de que os moradores irão mudar seu jeito de ser. “É muito difícil mudar os comportamentos das pessoas, especialmente quando adultas. Às vezes com terapia isso é possível. As atitudes que temos em sociedade são resultado de um conjunto de influências, como comportamentais, da família, da própria índole, da convivência.” Especialmente em condomínios muito grandes, Silvia acredita que oferecer um plantão de um profissional da Psicologia pode ser uma saída interessante. “Um síndico não tem tempo e nem sempre habilidade ou compreensão de todos os problemas psicológicos que uma pessoa pode apresentar. Quando se tratam de questões emocionais, realmente um psicólogo pode aliviar o trabalho do síndico.” Mas, a que se devem tantos problemas envolvendo relacionamentos entre as pessoas nos condomínios? Para a psicóloga, tudo é resultado do estresse da vida atual. “Mas também há questões internas envolvidas, mais profundas. Muitas pessoas estão hoje mais carentes. Geralmente pessoas que se cuidam melhor, seja em relação à alimentação e saúde, e ainda com uma família bem estruturada, têm menos problemas envolvendo comportamentos inadequados. Quem tem problemas com o sono, por exemplo, terá uma irritabilidade anormal durante o dia. Esse é um problema orgânico, que fatalmente mudará o comportamento pela falta de repouso.”
PELA INTEGRAÇÃO
Investir na convivência mais próxima entre os moradores é uma grande saída para diminuir os conflitos. Na opinião da advogada Ana Luiza Pretel, especialista em métodos alternativos de soluções de conflitos pela Escola Paulista de Magistratura, olhar para o vizinho não mais como um anônimo pode facilitar as coisas. “O síndico deve tentar que os condôminos convivam mais, indo além das assembleias. Por que não organizar festa junina e outras comemorações ou um culto ecumênico? O que se deve pedir aos condôminos é que priorizem o bom senso na convivência, e não que simplesmente atendam os regulamentos internos. A postura do morador deve mudar: muitos se veem como donos da piscina, da churrasqueira, da garagem. Ele não nota que é dono apenas de um pedapedacinho”, constata Ana.
Enxergar o vizinho nos moldes antigos, como aquele que te socorre em uma emergência, deve ser o caminho. “Antes de advertir, de multar ou de encaminhar o caso a um advogado, oriento os síndicos a conversarem. Um vizinho pode entender que o outro não está fazendo barulho simplesmente para incomodá-lo. Se a moradora lava o banheiro às 22h30, porque só chega em casa do trabalho nesse horário, e isso incomoda os ocupantes do apartamento debaixo, porque não dar a ela alternativas? Será que ela não pode fazer uma limpeza mais rápida e lavar o banheiro no sábado ou domingo durante o dia?”
O síndico deve sentir se é possível chegar a um acordo, avalia a advogada. Se a situação for mais tensa, ou ele preferir não intermediar a conversa entre os vizinhos, é fundamental contar com pessoas capacitadas em mediação para auxiliá-lo, orienta a advogada Ana: “Sem dúvida, hoje o momento é de toda a força à conciliação. O Conselho Nacional de Justiça, nas suas atribuições, determinou que todos os Tribunais de Justiça implantem setores extrajudiciais de conciliação e mediação. Ou seja, a Justiça brasileira terá como prioridade essas formas de resolução de conflitos, tentando diminuir o número de processos.”
Criar vínculos entre as pessoas tem sido uma boa saída adotada por alguns condomínios. “Certamente depois disso as pessoas passam a ser mais comedidas nas relações”, aposta a advogada Ana Pretel. Foi essa a iniciativa da ALBEV , associação de moradores da Serra da Cantareira que administra diversos loteamentos. São mais de 800 residências, distribuídas em 40 quilômetros de vias, e uma população estimada em cerca de 3500 pessoas. Com uma grande extensão, os loteamentos da ALBEV têm muitas casas distantes umas das outras, gerando falta de convivência entre os vizinhos. Ao mesmo tempo, são comuns queixas em relação a lixo, entulho na calçada, carros estacionados incorretamente, barulho causado por festas nas residências etc. Moradora há sete anos em um dos loteamentos, a psicóloga Elisângela Davini resolveu contribuir com a administração, apresentando o projeto de um Centro de Convivência da Melhor Idade, “propiciando aos moradores maior qualidade de vida, e promovendo a integração social através de diversificadas atividades físicas, intelectuais e de lazer”.
Hoje gestora social da ALBEV, Elisângela encontrou o apoio do administrador Gian Paolo Daverio, do diretor social Cosmo Faustino Carlos e da coordenadora social Cristhianne Milk Prioste para colocar o projeto em prática. São realizadas aulas de culinárias e artesanato, além de atividades físicas como caminhada, alongamento, tai chi chuan e yoga. “Conseguimos agregar em uma mesma aula moradores de diversas faixas etárias, de crianças a idosos, e com várias características. Percebemos que podemos promover a integração, quebrando a resistência das pessoas para a convivência e diminuindo os atritos existentes”, comenta Elisângela.
O projeto inclui a realização de eventos especiais, como comemorações pelo dia das crianças (que reuniu 800 pessoas em 2010) ou meio ambiente, programa de férias, baile e festa junina, entre outros.
Matéria publicada na edição 159 jul/11 da Revista Direcional Condomínios
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