Áreas de lazer amplas, pais muito ocupados e filhos soltos demais: O condomínio deve assumir a tutoria das crianças e adolescentes? O que fazer em casos de agressividade e omissão familiar? Como os síndicos podem distribuir responsabilidades? Confira nesta reportagem dicas valiosas de gestores e especialistas.
Os gestores Adriano Santos (à esq.) e Raphael Davoglio: Seis meses de trabalho intenso para pacificar um condomínio, que ganhou salão de jogos externo e novo piso no campo
O síndico profissional Adriano Santos e o gestor de operações Raphael Davoglio se depararam com um ambiente de muito conflito em relação às crianças, jovens e adolescentes quando iniciaram seu trabalho em um condomínio-clube no bairro da Mooca, zona Leste de São Paulo, em 2015. O empreendimento foi entregue em 2014 com 208 unidades de 110 a 150 m2, sobressaindo no local um público numeroso de menores, dos quais 30% bebês e 40% na faixa etária entre 7 e 14 anos. Adriano e Raphael afirmam que inexistia ali uma cultura de convívio coletivo. “Faltavam cuidados com as áreas comuns e sobravam problemas de relacionamento entre os condôminos, principalmente crianças.”
Eles resolveram aplicar então uma ação integrada de pacificação no condomínio, mais intensa nos seis primeiros meses. O ponto de partida foi a palestra de um profissional da área de educação física realizada para as crianças e adolescentes. Diferentes estratégias foram introduzidas simultaneamente ou na sequência. Uma pesquisa de clima organizacional procurou identificar os valores, expectativas e necessidades dos moradores. O corpo diretivo foi envolvido e tornou-se mais participativo. O síndico Adriano passou a conversar individualmente com os pais. As campanhas de conscientização tornaram-se constantes e ainda hoje são realizadas através de informes dispostos nos elevadores e em aplicativo de celular. Na persistência de alguns conflitos, buscou-se a mediação de um profissional independente.
“Não houve resistência por parte dos pais, o objetivo era lhes informar sobre o que acontecia nas áreas comuns enquanto trabalhavam. Eles participavam dos encontros e nos ajudavam a encontrar a melhor solução para todos.” O gestor Raphael Davoglio completa: “Entrava em questão a depredação do patrimônio deles. Havia vandalismos, tivemos que reformar cadeiras e estofados das praças nas áreas comuns e fazer manutenções constantes nos jardins”.
CONVERSA EM MÃO DUPLA
O condomínio também fez sua parte. Uma das maiores ocorrências envolvia jogo com bola em áreas não permitidas. O campo de futebol society, entregue em grama natural, era uma das principais fontes de insatisfação. “Trocamos o revestimento e implantamos ao lado um salão de jogos externo para atendê- -los (às crianças e adolescentes).” Na verdade, o campo passou a cumprir com o papel de quadra, com função poliesportiva. O resultado positivo gerou um novo problema para os gestores: os adultos passaram a disputar o espaço com os menores, situação que exigiu mais intervenções e disciplina.
Atualmente o condomínio se encontra pacificado, observam os gestores. Existem conflitos pontuais, os quais são tratados por todo um roteiro de conversas e, quando necessária, a mediação, até chegar a casos que demandam a aplicação estrita do Regulamento Interno. “Mas dar advertência e aplicar multa é o pior cenário possível”, alerta Adriano. Ele afirma que “a omissão dos pais permanece como o grande problema dos condomínios de uma forma geral”. Diante disso, os gestores podem entrar com antídotos que favoreçam a participação e a socialização, como a contratação de recreação de férias e de monitores para atividades esportivas durante o ano todo, exemplifica. “Além disso, costumamos organizar festas temáticas, porque elas ajudam na interação. As relações entre os vizinhos, antes frias e distantes, tornam-se mais próximas. Os eventos estimulam novas amizades, ajudando a acabar com aquela história de um apontar o dedo para o outro.”
OCUPAR AS ÁREAS COMUNS
Síndico Roger Prospero: Os espaços dos condomínios devem ser equipados, conservados, receber atividades e dar oportunidades de interação para as crianças e adolescentes
“União de esforços”, programação de férias, eventos temáticos e gestão esportiva são estratégias presentes também nas gestões do síndico profissional Roger Prospero, que ainda administra seu condomínio como orgânico há sete anos. Ele reforça a necessidade de o gestor garantir a ocupação das áreas comuns, principalmente nos condomínios-clube. “O síndico precisa estimular isso, equipando os espaços, do playground ao salão de beleza. Deve ainda colocar profissionais à disposição dos condôminos, como nas assessorias esportivas, garantindo as atividades e evitando mau uso e depredação.”
Roger justifica: “A melhor forma de evitar depredação é ocupar, manter o ambiente limpo e organizado. Pois é da natureza do ser humano não transgredir em um ambiente que se encontra em ordem”. Segundo ele, as origens do vandalismo em condomínio decorrem da:
– Omissão do gestor;
– Omissão dos pais; e,
– Falta de espaços e oportunidades para as crianças extravasarem energia e interagir. “Quem interage passa a respeitar mais os pais e isso gera menos atrito.”
Por isso, mais uma vez, entra o foco na ocupação, acompanhada de conscientização, expondo-se as informações aos condôminos de forma lúdica e positiva. “Uma comunicação agressiva fará com que o morador a refute, desrespeite a lei e transgrida”, destaca o síndico. De outro lado, se o morador se sente “cuidado”, “ele vai ajudar a cuidar”.
PRÁTICA ESPORTIVA E RECREAÇÃO, A DISCIPLINA SAUDÁVEL
Graduado em Educação Física, pós-graduado em gestão esportiva e prestador de serviços da área de assessoria esportiva, Marcelo Martinelli (Foto ao lado) observa que as atividades monitoradas e orientadas para crianças e adolescentes nos condomínios acaba exercendo uma função didática em seu desenvolvimento social e comportamental. Ele atua desde 2012 no setor e tem observado a necessidade de se romper com o predomínio do individualismo marcante hoje nestas faixas etárias, bem como em trabalhar a dificuldade deles em lidar com uma rotina e a disciplina. “Os pais largam as crianças e deixam aos monitores a responsabilidade de educar e colocar limites, o que seria o papel deles.” Portanto, quando se inicia uma atividade monitorada, a assessoria precisa cumprir com uma etapa de adaptação da criança e adolescente, “para que aprendam a conviver com a rotina”.
Nesse aspecto, ele acredita que as assessorias possam ajudar a coletividade a conquistar um ambiente harmônico e de mais respeito com seus espaços e patrimônio. “O professor se torna uma referência para o condômino durante a prática, ele é a autoridade ali, se falar para não pisar na grama, a criança não o fará.” E, diante de qualquer indisciplina, ele afastará momentaneamente o aluno da prática, mas jamais o excluirá. Casos reiterados são comunicados à administração, para orientação e conversa com os pais. (Por R.F.)
Matéria publicada na edição – 228 – outubro/2017 da Revista Direcional Condomínios
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